Assim como no BR, britânicos evitam falar de política com familiares

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Não foi só no almoço de domingo da família brasileira ou no happy hour entre amigos ou colegas de trabalho que a política virou assunto tabu nos últimos tempos.

O incauto que se aventura a elucubrar sobre a saída do Reino Unido da UE (União Europeia) entre parentes ou no pub corre o risco de se arrepender em questão de segundos.

Quase três anos após o plebiscito em que os britânicos decidiram dar adeus ao bloco, e a menos de 20 dias do Dia D da despedida, a simples menção à separação gera faíscas.

“Em famílias, percebemos um abismo geracional. Os jovens, alguns dos quais não votaram em 2016 por não ter 18 anos à época, sentem-se traídos pela opção dos mais velhos pelo ‘leave’ [sair]”, diz Sarah Niblock, executiva-chefe do Conselho de Psicoterapia do Reino Unido.

Segundo ela, o plebiscito “revelou uma divisão que talvez já existisse, mas estava escondida”. Se eclodiu nas urnas, a divergência tem dificuldade em se materializar nas conversas cotidianas.

O silêncio em público vem fazendo dos consultórios a válvula de escape por excelência de mágoas políticas.

“O assunto é hoje onipresente nos atendimentos. Não chega a ser o que leva as pessoas à terapia, mas sempre aparece [nos testemunhos]”, afirma Niblock.

“O consultório virou o único lugar seguro para se falar de brexit sem ser julgado, podendo explorar pontos de vista que soam desagradáveis fora dali.”

Ela diz que o calor das discussões antes e depois da consulta popular que determinou a o rompimento dos britânicos com a UE tornou mais agudos alguns quadros de depressão e ansiedade —tanto do lado vencedor (“leave”, sair) quanto do derrotado (“remain”, permanecer).

A interminável novela em torno do acordo para a saída certamente não ajudou a acalmar os espíritos.
“Ninguém entende o que está acontecendo, há muita coisa em aberto. Isso afeta a sensação de segurança, os planos de estudos [na UE], viagens e trabalho”, afirma Niblock.

De 2016 a 2018, Candida Yates, professora de cultura e comunicação na Universidade de Bournemouth (sul da Inglaterra), fez pesquisas empíricas sobre os sentimentos que o divórcio despertava em moradores da cidade, situada em região que votou majoritariamente a favor do brexit.

Nos grupos dos partidários do “remain”, as pessoas se diziam chocadas, atordoadas. E falavam em perda e luto.

Do lado dos “leavers”, a sensação predominante era de surpresa com o resultado (“era como um presente inesperado”), temperada pelo medo de que a elite política do país tentasse uma “virada de mesa” —uma anulação do resultado.

“Eles viam um risco de que aquela conquista fosse arrancada deles”, afirma Yates.

Também entre os simpatizantes da saída era comum, lembra ela, ouvir relatos de quem que se sentia estigmatizado (“não sou racista, não sou bronco, só quero que recuperemos nossa soberania”).

Quando Yates buscou juntar os dois lados para sessões conjuntas, alguns “leavers” se mostraram reticentes. Nas reuniões mistas, houve explosões pontuais de raiva.

Os pró-europeus, diz Yates, diziam coisas como: “Fizemos aquela Olimpíada multicultural [em 2012]. De onde veio esse ímpeto nacionalista tão pouco tempo depois?”. Sentiam-se envergonhados pelo arroubo nativista.

No campo oposto, falava-se de um sentimento de identidade perdida, glórias antigas e de um futuro que as recuperaria, mas pouco do aqui e agora.

Em suma, a imagem espelhada do diálogo de surdos que os parlamentares travam há meses em Londres.

Da FSP