Defensoria defende venda de remédio abortivo em farmácia em casos de aborto legal

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A DPU (Defensoria Pública da União) está recomendando que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) permita a venda do medicamento abortivo misoprostol em farmácias em casos de aborto legal (estupro, risco de vida à mãe e fetos anencéfalos).

Hoje, o uso do remédio só é permitido em hospitais. A venda em farmácias foi proibida pela agência em 2005. A proposta é que a comercialização ocorra com prescrição médica e retenção da receita.

O argumento da DPU é de que a restrição viola o direito à saúde de mulheres que querem interromper gestações em casos em que isso já é autorizado por lei.

Vários países no mundo estão seguindo a orientação, que tem aval da OMS (Organização Mundial da Saúde). O último deles foi a vizinha Argentina, que em dezembro último liberou a venda em farmácias.

Nesta quinta-feira (28), ocorreu uma audiência pública em São Paulo para discutir o tema. Para a defensora pública federal Fabiana Severo, a proibição da venda em farmácias não tem justificativas médicas ou legais.

O farmacêutico Gustavo Santos, gerente de avaliação de eficácia e segurança da Anvisa, diz que a medida foi adotada por questões de segurança, uma vez que a medicação pode causar efeitos adversos.

Ele afirma que, para uma mudança na indicação, seria necessário que a fabricante alterasse a bula e atestasse a segurança do uso domiciliar.

Glaucia Souza, consultora hospitalar do laboratório Hebron, fabricante do misoprostol, diz que a empresa protocolou na Anvisa há dois anos um pedido de ampliação das vias de administração da droga, para incluir as vias sublingual e oral. Hoje, nos hospitais, o comprimido é inserido na vagina ou no reto (em casos de hemorragia pós-parto).

Embora o pedido de mudança esteja sendo visto no mercado como um passo para a venda nas farmácias, o diretor de pesquisas clínicas e assuntos regulatórios do Hebron, Avaniel Marinho, diz que não há interesse nisso.

“O controle nas farmácias é muito difícil e imaginamos que o uso será desvirtuado.”

De acordo com o médico Rosires Pereira Andrade, da Febrasgo (federação das associações de ginecologia e obstetrícia), evidências científicas atestam a segurança do uso domiciliar do remédio.

“A utilização em casa já é uma prática universal e recomendada pela Figo [Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia]. Obviamente é muito mais simples para a mulher do que ter se internar em um hospital.”

Na prática, muitas brasileiras já utilizam o medicamento, comprando-o no mercado clandestino. Em geral, são vendidos quatro comprimidos ao custo de R$ 500, em média, mais o frete.

“Muitas mulheres são enganadas, compram o produto e ele não chega ou é falsificado. Soube de uma, vítima de estupro, que recebeu a visita de um policial porque o cara [o vendedor] fez uma queixa de que ela estaria fazendo aborto clandestino. A sorte é que a delegada a encaminhou para um serviço de aborto legal”, conta Andrade.

Segundo a psicóloga Daniela Pedrosa, do Núcleo de Violência Sexual e Aborto Previsto em Lei do Hospital Pérola Byington (SP), o fato de o misoprostol não estar disponível em farmácias e a ausência de informação sobre a droga e sobre os serviços de aborto legal fazem com que muitas mulheres demorem demais a ter atendimento adequado.

Ela diz que a dificuldade de acesso aos serviços de aborto legal ainda é muito grande. “Atendi recentemente uma moça de 32 anos, estuprada por um desconhecido ao sair da faculdade. Ela é do interior de Pernambuco, passou por vários Estados até chegar a São Paulo. É uma coisa absurda e desumana.”

Para o advogado Pedro do Carmo de Paula, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a Anvisa pode revisar a sua regulação sobre o uso do misoprostol baseada nas melhores evidências disponíveis e numa avaliação de impacto.

“Essa regulação existe há mais de 20 anos e, pelo o que a gente pode perceber, ela não foi transparente o suficiente.”

A médica sanitarista Tânia Di Giacomo Lago, professora da Santa Casa e membro do GEA (Grupo de Estudos sobre Aborto), lembra que a FDA (agência reguladora de medicamentos dos EUA) não impede a comercialização do misoprostol e que a Anvisa deveria seguir o exemplo. “Precisamos superar a burocracia e o obscurantismo.”

Ao final da audiência, a Anvisa se comprometeu a dar uma resposta às recomendações da DPU nos próximos 30 dias.

Da FSP