Drauzio Varella: é preciso construir uma política antidrogas mais realista

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A guerra às drogas fracassou. A estratégia de repressão total ao tráfico e ao consumo trouxe mais prejuízos que avanços. Estudo recente da ONU alerta que as mortes causadas diretamente pelo uso de drogas aumentaram 60% entre 2000 e 2015. A produção global de cocaína alcançou o nível mais alto da história em 2016.

Essa política gerou, ademais, um encarceramento em massa. Uma em cada cinco prisões no mundo tem relação com uso ou tráfico de drogas. No Brasil, dos 726 mil presos brasileiros, 26% são traficantes –muitos deles praticantes do pequeno comércio, sem relação com organizações criminosas, ao menos até ingressarem nos presídios, quando se tornam soldados de um exército que apavora o país.

Não é um cenário alentador. Para enfrentar com seriedade a questão das drogas, é preciso construir uma política mais realista.

No ano passado, a Câmara dos Deputados constituiu uma comissão para propor alterações na Lei de Drogas. Compusemos esse grupo, ao lado de ministros do Superior Tribunal de Justiça (Rogério Schietti e Ribeiro Dantas), de representantes do Ministério Público (Cibele Benevides e Theodoro Carvalho), de juízes (Amanda Lucena, Walter Nunes, Joaquim Domingos, Joelci Araújo) e de advogados (Beto Vasconcelos e Mauricio Dieter). O grupo apresentou suas sugestões no início do mês passado.

Em meio a um mar de propostas legislativas que em regra buscam recrudescer o direito penal, a comissão sugeriu mudanças, a nosso ver mais ponderadas e eficazes.

Em primeiro lugar, a descriminalização do uso de drogas, na esteira de experiências exitosas de países como Argentina, Chile, Alemanha, Portugal, Uruguai e em alguns locais dos Estados Unidos.

Ainda que a lei atual não preveja pena de prisão, há outras punições e o estigma do processo penal. Classificar o usuário como criminoso o afasta do tratamento e da reinserção social.

O projeto descriminaliza a posse de até dez doses da substância ilícita, abrindo-se as portas para políticas de redução de danos nos casos de dependência ou de uso problemático.

Em segundo lugar, o projeto propõe um tratamento mais racional ao tráfico. A conduta continua considerada criminosa, mas sob uma nova abordagem. Como há tráficos de gravidades distintas, propõem-se penas diferentes para cada uma de suas formas.

O grande tráfico e seu financiamento terão penas mais longas. A ideia é se concentrar na repressão sobre organizações criminosas. A prisão de pequenos traficantes é ineficaz, pois cada um é prontamente substituído por outros, que ocupam seu lugar, sem que a estrutura do comércio ilícito seja abalada.

As outras formas de tráfico terão penas proporcionais à gravidade da conduta, ao contrário da lei atual, que trata todas da mesma maneira. O tráfico internacional de drogas, por exemplo, terá sanções maiores do que o comércio de sementes que sejam matéria-prima para a produção de substâncias psicoativas. Ambos continuam sendo crimes, mas a previsão de penas diferentes garante um tratamento mais racional a condutas distintas.

Essas são as linhas fundamentais da proposta. O problema das drogas não será resolvido com medidas simples, como a repressão penal. Como se trata de questão complexa, seu enfrentamento exige atuações no campo da saúde, das políticas sociais e de segurança pública.

Por essas razões, a elaboração do projeto contou com contribuições de profissionais de todas as áreas, que enriqueceram o debate com seus estudos e experiências pessoais.

O resultado foi uma proposta livre de vícios corporativos, empenhada em resolver situações concretas e criar uma abordagem mais completa do problema, em contraposição ao discurso da guerra total.

Da FSP