Embaixadora que desrespeitou Jean Wyllys na ONU recebe agradecimento de Bolsonaro

Todos os posts, Últimas notícias

Um presidente raramente telefona para um embaixador. Muito menos quando não o conhece. Mas, na sexta-feira pela noite, Jair Bolsonaro ligou diretamente para a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo para agradece-la pela atitude que teve de questionar o ex-deputado Jean Wyllys.

Jean Wyllys havia sugerido o envolvimento do crime organizado no governo federal e alertava para violações de direitos humanos. Quando uma ong, ativista ou mesmo um governo estrangeiro ataca outro país, é de praxe que se de a palavra ao governo atingido para que se defenda.

Mas sempre dentro de um decoro e regras diplomáticas, mesmo quando a acusação é despropositada. Maria Nazareth entrou na sala depois que o discurso já havia sido feito pelo ex-deputado. Lendo um texto pré-preparado, ela cuidadosamente usou as mesmas palavras utilizadas pelo clã Bolsonaro para atacar Wyllys: fake news.

Mas foi quando terminou de falar que a polêmica começou, já que colocou condições para permanecer na sala. Fora de seu lugar, gritava: “você envergonha o Brasil”, em português.

Horas depois, porém, viria a recompensa: um telefonema do chefe-de-estado para agradece-la pelo ato. Bolsonaro havia avisado, dias antes, que estava descontente com embaixadores que não ajudam a desfazer sua imagem no exterior.

Em Brasília, o telefonema foi visto como um sinal claro de que a embaixadora agora tem acesso direto ao presidente e, claro, que agradou ao clã formado ainda por Eduardo Bolsonaro e Felipe Martins, os formuladores da política externa. Para fontes, o ato ainda seria um “endosso” a gestos parecidos contra quem ataque o presidente no exterior.

Mas o reconhecimento presidencial também contribuiu para aumentar as especulações dentro do Itamaraty de que já existe uma corrida entre alguns dos principais nomes da chancelaria para ocupar o cargo de Ernesto Araújo, oficialmente o Ministro de Relações Exteriores e mantido na sombra durante a viagem aos EUA.

Enfraquecido e questionado, o chanceler hoje é duramente criticado por seus soldados, assim como pelos demais generais dentro do governo. O ato de Maria Nazareth surpreendeu, principalmente diante do fato de que ela subiu na hierarquia da carreira diplomática durante o governo de Lula. Ela chegou a ser chefe do gabinete de Celso Amorim e, na ONU, defendeu a política externa do PT, hoje atacada por seus superiores. Amorim chegou a sugerir a Dilma Rousseff que a considerasse para o cargo de chanceler, o que acabou não ocorrendo.

Na ONU, a embaixadora dos governos do PT votou por não condenar o Irã, Sri Lanka e Coreia do Norte, além de fazer discursos convictos da necessidade de que a entidade se transformasse em um lugar de “diálogo construtivo”, e não de acusações.

Mentiras – Depois da repercussão do ato da semana passada, a embaixadora se apressou em manipular sua versão dos acontecimentos. Primeiro, informou a uma coluna social de um parente que ela estava na porta da sala onde Wyllys falava, para ouvir o que ele tinha a dizer. Não era verdade. A reportagem esteve na mesma porta, segundos depois do brasileiro discursar, e ela não estava.

A reportagem também viu o momento em que ela caminhou em direção ao local do evento, na companhia de uma ampla delegação. A embaixadora também alegou que saiu por não ter tido a oportunidade de responder ao ex-deputado.

Uma vez mais, a versão não condiz com a realidade. Sua fala já era uma resposta a um discurso que ela não havia escutado. Ao terminar, se levantou para sair. Quando, de repente, foi cobrada por outros especialistas que estavam no debate:

– A senhora não vai ficar para ouvir a resposta?

Sem graça e não esperando que essa fosse a reação, aceitou ficar. Mas colocou uma condição: a de que ela respondesse à resposta. O sistema de debates na ONU não funciona dessa forma e cabe ao orador concluir sua fala, numa tréplica.

Entre as ongs, o gesto dela foi considerado como um ataque a um defensor de direitos humanos que justamente teve de sair do país por conta de ameaças recebidas. Em instituições internacionais fora da ONU, seu ato também chocou e já se estuda a abertura de uma investigação para avaliar se isso poderia ser considerado como uma represália, algo condenável.

Também foi colocado em questão sua ausência em eventos na ONU que trataram de Brumadinho, da morte de Marielle Franco, das violações contra indígenas e minorias.

A embaixadora de Bolsonaro deixou outros embaixadores brasileiros pela Europa de sobrancelhas de pé diante da estratégia que usou para chamar a atenção de Bolsonaro. Nos corredores em Nova Iorque, por exemplo, diplomatas deixavam claro que não estavam prontos para abrir mão de sua ética por um cargo.

“Parecia mais o ato do governo da China contra seus dissidentes”, acusou um experiente negociador brasileiro nos EUA. Procurado, o Itamaraty ainda não deu uma resposta sobre o conteúdo da conversa entre o presidente e sua embaixadora.

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior.

Do UOL