Golpe de 1964 e genocídio: população Waimiri-Atroari, de 3mil a 330 em 10 anos

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Em 12 de março de 1970, a 1ª Delegacia Regional da FUNAI em Manaus expediu o Ofício de número 49/70, relatando ao respectivo Secretário Executivo, as dificuldades que estava enfrentando na execução do “Plano de Atração” dos povos “Uaimiri” e “Atroari” para afastá-los das obras de construção da rodovia BR-174, que ligaria Manaus a Boa Vista.

Tais indígenas eram considerados hostis e ocupavam uma área que era objeto de múltiplas atenções, pois havia a previsão de intensificação das obras da estrada para 1971. Além disso, a área era cobiçada há tempos, admitia a Funai, pois eram fontes intocadas de produtos vegetais e minerais valiosos.

O mesmo documento ressaltava que, além de precisar atrair os índios para fora do local, era necessário afastar as “malocas” que se encontravam na faixa de influência da rodovia. Isso implicaria “a separação das tribos, ficando os Waimiri a oeste e os Atroari a leste da citada faixa, o que, além da dificuldade de convencer os índios a aceitarem a transferência, exige um trabalho assás (sic) delicado sobre a política intertribal, que poderá resultar na reunificação das malocas atroari”. A complexidade dos trabalhos de atração indicava a necessidade de uma atuação que abrangesse toda a área das duas “tribos” e em caráter permanente.

Os índios resistiram à política de atração da FUNAI, o que levou a uma postura mais incisiva do Estado para garantir a liberação da área da rodovia, com a utilização de ataques aéreos com explosivos; aspersão de venenos sobre centenas de indígenas quando estavam reunidos em rituais; operações terrestres com tiros; destruição de locais sagrados; esfaqueamentos e degolações praticadas por homens brancos fardados.

O saldo foi o de que, no início da década de 1970, a população Waimiri-Atroari correspondia a cerca de 3 mil indígenas; no início dos anos 1980, eles contabilizavam míseros 332.

A percepção que vigora, até os dias atuais, é o de que a causa indígena é um empecilho ao desenvolvimento (econômico). O discurso de ódio, as tentativas de expansão das fronteiras agropecuárias e da extração da madeira clamam por limites cada vez menores da terra indígena e pelo não impedimento à circulação de mercadorias.

Em 27 de fevereiro de 2019, índios sobreviventes puderam contar pessoalmente à Justiça Federal, em audiência judicial ocorrida na própria terra indígena, os ataques que suas aldeias sofreram durante a ditadura militar. Encerraram falando do momento de grande apreensão que estão vivendo em razão das intenções do governo federal em construir uma linha de transmissão, justamente em trecho paralelo à BR-174, sem qualquer consulta prévia aos seus povos.

“ Para que não se esqueça…

P.S. – As informações aqui divulgadas tiveram a colaboração do procurador da República Julio José Araujo Junior, que possui destacada atuação no Ministério Público Federal na defesa dos direitos dos povos indígenas.

O presente texto faz parte de uma série de relatos que estamos publicando diariamente, sobre eventos relacionados a graves lesões a direitos humanos. Nossa intenção é dar visibilidade à I Caminhada do Silêncio, em prol das vítimas de violações estatais, que a CEMDP está organizando para o dia 31 de março de 2019, em São Paulo.