Mais duas jornalistas revelam pressão e demissão por peso em afiliada da Globo

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A demissão da jornalista Michelle Sampaio, da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo no Vale do Paraíba, sob a alegação, segundo ela, de que estava acima do peso, após uma gravidez, repercutiu nas redes sociais no último final de semana e causou indignação. Mas o caso de Michelle não é um fato isolado.

Há 15 anos, outra jornalista, Micheli Diniz, vivenciou a mesma situação, na mesma emissora, envolvendo as mesmas pessoas, de acordo com a ex-âncora.

“Não guardo rancor, tratei isso em terapias. Mas, não vou me calar diante da situação que se repete uma década e meia depois”, relata Micheli à Fórum.

A jornalista explica as razões que a levaram a divulgar publicamente o que passou somente agora. “Na época, eu tinha 26 anos, dois filhos, cinco anos de TV e não percebi a dimensão do impacto que aquela condição havia causado em minha carreira.”

A condição a que ela se refere é a seguinte: “Pra voltar à bancada do jornal, você tem 30 dias para emagrecer”, foi a frase ameaçadora que ouviu na TV Vanguarda. Micheli prefere não citar nomes, pois acredita que o mais relevante é dar voz ao combate ao preconceito recorrente.

“Fui deslocada para reportagem de rua, com horários sempre alternados, sem rotina e com a missão de perder peso. Tinha que fazer o melhor. Entretanto, meu rendimento caiu, reconheço. Quem ficaria bem numa condição dessas? Estava me sentindo pressionada profissionalmente pela aparência e minha autoconfiança foi abalada. Passei a questionar minha capacidade e me vi sofrendo. Foi quando depois de 60 dias ‘daquela conversa’, fui chamada à direção e comunicada do meu desligamento”, relembra.

Micheli ressalta que, ainda hoje, as diferenças salariais entre homens e mulheres nos cargos que ocupam e, sobretudo, nos “padrões” são “abusivamente assustadoras. Por isso, não podemos mais nos calar”.

“Admiro a Michelle Sampaio, pois a encontrei há poucos meses e estava linda e muito autoconfiante, além da realização profissional, sua filha era sua motivação. Assim como a minha família foi para mim”, destaca.

Micheli conta que depois do que aconteceu e de ter superado o trauma, descobriu um universo muito maior além da TV.

“Hoje posso ser eu mesma. Toda mulher pode e deve ser quem é, respeitar sua essência e acreditar em si mesma. Exponho-me agora, não só pela Michelle, mas por todas as mulheres que sofreram ou sofrem algum tipo de discriminação ou assédio!”, protesta.

Micheli Diniz é de Caçapava, município que fica entre São José dos Campos e Taubaté, na região chamada de Vale do Paraíba, estado de São Paulo, e trabalhou na TV Vanguarda de 1998 a 2003.

“Atualmente, sou empresária, presidente da Associação Comercial e Empresarial de Caçapava, casada, mãe de três filhos maravilhosos e feliz!”, completa.

Amanda Costa, a jornalista que substituiu Micheli Diniz na TV Vanguarda, se posicionou por meio de rede social e postou a seguinte mensagem para a colega: “Eu entrei na sua vaga. Sua história foi usada como ameaça para que eu não engordasse. Foi assim: ‘você está entrando na vaga da apresentadora que não emagreceu’. Imagina o meu pavor. Poxa, Micheli, chega disso. Parabéns por abrir seu coração. Só quem passou sabe da dor”.

A jornalista trabalhou na emissora por duas oportunidades: de 2003 a 2008 e de 2012 a 2014.

“A pressão relacionada à estética não é novidade nenhuma na TV, pelo menos não nos bastidores. Entrei na vaga da Micheli e, na época, fui informada que a minha antecessora não havia voltado ao seu peso após a licença maternidade e, por isso, havia sido demitida. Isso soou para mim como um ‘aviso’, já que eu também tinha um bebê de seis meses”, confirma Amanda à Fórum.

Ela revela como encarou a ameaça: “Claro que isso magoa, mas na época não tinha noção do que representava. Além disso, precisava do emprego. Ao longo dos anos, como acontece com quase todas as mulheres, passei por mudanças na vida e no corpo. Quando, em 2007, tive meu segundo filho e retornei, ouvia indiretas do tipo: ‘Você está fazendo academia?’, ‘qual é o manequim que você está usando? 40?’ Nunca foi falado abertamente que eu precisava emagrecer, mas a pressão sempre existiu”.

Amanda ressalta que o sentimento sempre foi de angústia e medo de perder o emprego. “Até porque sempre fomos informadas que a pressão vinha da ‘alta diretoria’. E nunca se limitou ao peso, mas também aos cabelos e até à cor de esmalte que deveríamos usar”, finaliza.

Hoje, ela atua como empresária e administra a empresa de gerenciamento de resíduos da família.

Apesar de todas as evidências, a emissora negou que tenha desligado Michelle Sampaio por ela estar acima do peso. De acordo com a Globo, essa “conduta é incompatível com a política de respeito adotava pela casa”. Contudo, a empresa não informou a “real” justificativa para demitir a jornalista, que trabalhava na TV Vanguarda havia 16 anos.

Em nota, as emissoras “informam que não é verdade que a razão para o fim do contrato mencionado seja a que foi publicada na reportagem ‘Apresentadora da Globo é demitida por ficar gorda depois de gravidez’. Tal conduta é incompatível com a política de respeito absoluto a seus profissionais adotada pela TV Globo e pela TV Vanguarda”.

A feminista e blogueira Lola Aronovich, ao tomar conhecimento da notícia da demissão de Michelle Sampaio, diz que achou um absurdo. “É impressionante como pouca coisa mudou depois de tantos anos. Quando li sobre o caso, lembrei logo do livro ‘O Mito da Beleza’, de Naomi Wolf, lançado em 1991”, destaca Lola, professora na Universidade Federal do Ceará.

“Ela fala, já naquela época, do padrão imposto pelos telejornais, que exigiam uma bancada mista, com um homem mais velho, que pode ser grisalho, gordo, e uma mulher, sempre com aspecto de 30 anos e magra”, acrescenta.

Lola diz que entende o fato de que um processo contra a emissora, nesses casos, pode representar perda de espaço e até mesmo o fim da carreira, mas ela gostaria que Michelle entendesse que essa prática não pode ser encarada como sendo normal.

“Isso é um padrão que existe até hoje. Mas não é só porque se trata de um padrão que não deva ser combatido. É uma forma de pressão, discriminação e preconceito em relação à aparência física, que precisa mudar”, destaca Lola.

Da Fórum