Por que precisamos falar de feminicídio

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Jane Cherubim foi espancada e abandonada em uma estrada pelo namorado. Isabela Miranda de Oliveira foi estuprada pelo genro e teve seu corpo incendiado pelo namorado que “flagrou” os dois. Calliane Fraga Cintra Macedo foi baleada pelo marido por querer separação. Elaine Caparroz foi espancada por horas em seu apartamento no primeiro encontro com um homem com quem se correspondia havia oito meses.

Estes e tantos outros casos ou tentativas de feminicídios aconteceram apenas no início deste ano no Brasil e escancaram a insegurança vivida pelas mulheres brasileiras todos os dias. Contra tantos casos, não há argumentos.

“Mas a mulher leva um homem para seu apartamento no primeiro encontro?”, questionaram alguns no caso de Caparroz. “Mas como ela não acordou com o cunhado no quarto?”, relativizaram outros sobre a inocência de Isabela, que estava desacordada quando foi estuprada pelo cunhado e depois queimada pelo namorado que viu o homem nu.

Não, não existe mais espaço para culpar a vítima. Diferentes locais, diferentes idades, diferentes classes sociais, diferentes parceiros e apenas uma coisa em comum permanece: o feminicídio é uma das faces mais cruéis da violência contra a mulher em um País onde uma mulher é morta a cada duas horas.

Isabela Miranda de Oliveira tinha apenas 19 anos, trabalhava e cursava faculdade de Administração em São Paulo. Fazia cerca de um ano que ela namorava William Felipe Alves, de 21. Os dois estavam em uma chácara em Franco da Rocha no domingo de Carnaval com a família. Isabela passou mal por ingerir bebidas alcoólicas e foi para o quarto da casa descansar.

Segundo familiares e amigos, que testemunharam o feminicídio, William Felipe foi até o quarto e viu Isabela e o cunhado dele juntos na cama. O cunhado, Leonardo da Silva, teria se aproveitado da situação para abusar sexualmente de Isabela enquanto ela estava inconsciente.

O namorado dela acreditou que a cena se tratava de uma traição e ficou transtornado, segundo testemunhas. Ele começou a espancar Isabela, com ajuda da irmã, e depois ateou fogo nos colchões e atirou no quarto em que ela estava. Isabela teve mais de 80% do corpo queimado e não resistiu aos ferimentos. William Felipe Alves foi preso em flagrante no mesmo dia. Ela faria 20 anos neste domingo (10).

Na mesma semana em que se comemorou o Dia Internacional da Mulher, Isabela foi estuprada pelo cunhado, espancada e queimada pelo namorado, mas mesmo assim pessoas duvidaram da inocência dela. Questionaram se ela estava mesmo desacordada ao ser abusada pelo cunhado. Ao noticiarem o caso, muitos sites deram manchetes que colocavam Isabela como infiel: “jovem é morta após ser flagrada na cama com cunhado”.

Jane Cherubim 

Jane, de 36 anos, foi encontrada na madrugada de segunda-feira de Carnaval abandonada em uma estrada em Dores do Rio Preto, no sul do Espírito Santo. Ela havia sido espancada e deixada lá pelo namorado Jonas Amaral.

Ela foi encontrada seminua, toda machucada e com o rosto desfigurado. O motivo? Segundo depoimento de Jane foi porque eles estavam em processo de separação e ela se negou a tirar uma foto com ele.

“Ele pediu para tirar uma fotografia e ela negou a noite toda em razão de um processo de separação deles, eles iriam se separar em dois meses”, disse o delegado após colher o depoimento da vítima.  “Ele pegou então o celular dela e olhou imagens. Segundo ela não tinha nada e a razão dele ter a agredido foi porque era muito possessivo e muito ciumento. Eles já estavam nesse processo de separação e por causa da foto que ela não quis tirar ele começou a agressão. Ela então pediu para que ele não a matasse e quando ela acordou já estava no hospital.”

Jane continua internada na Casa de Caridade de Carangola (MG). O agressor é procurado por tentativa de feminicídio e está foragido.

Calliane Fraga Cintra Macedo

Calliane, uma comerciante de 31 anos, foi morta a tiros pelo marido, Daniel Macedo Santos, dentro de casa em Itatim, cidade localizada a cerca de 200 km de Salvador. O crime ocorreu porque a comerciante queria se separar de Daniel, que não aceitou o divórcio. Ele se matou depois de atirar em Calliane.

A comerciante tinha dois filhos, que estavam na casa da avó materna no momento do crime.

A polícia chegou ao local depois de ser avisada por vizinhos, que escutaram os tiros. Calliane e Daniel foram encontrados mortos na garagem da casa, perto do carro da família.

O crime aconteceu um dia antes do Dia Internacional da Mulher.

Elaine Caparroz

A paisagista e empresária de 55 anos viveu momentos aterrorizantes em seu apartamento no Rio de Janeiro na madrugada do 16 de fevereiro deste ano. Caparroz foi encontrada desacordada sobre uma poça de sangue após ser espancada por 4 horas por Vinícius Batista Serra, de 27 anos, com quem teve o primeiro encontro no mesmo dia.

Vinícius só parou de bater na paisagista por achar que ela já estava morta. Ele se levantou, vestiu sua camisa manchada com o sangue da vítima e tentou sair do condomínio como se nada tivesse acontecido, abandonando um cenário de guerra, com objetos e móveis quebrados e jogados no chão, com muito sangue por todos os lados, do chão às paredes de todos os cômodos do apartamento.

Vinícius foi preso em flagrante por tentativa de feminicídio. O agressor alegou que dormia com a vítima quando teve um surto e a espancou.

Elaine precisou de quase 80 pontos na boca, fraturou o nariz e os ossos que cercam os olhos, perdeu dente e precisará fazer reconstrução facial. Ela continua se recuperando das agressões.

E Vinícius? Na delegacia na qual foi preso em flagrante, ele teria dito aos agentes: “Quando isso acabar, saio do País e fica tudo certo”, recordou a delegada titular da 16ª, Adriana Belém.

Nas redes sociais, usuários chamaram Vinícius de monstro, cruel e um homem frio e calculista ― por ter premeditado a violência. Porém, a paisagista também foi criticada por receber um desconhecido em sua casa. Alguns até viram o espancamento por quatro horas como uma “lição” por ter dado “essa tal liberdade”, associando o crime ao fato de ela não ter tomado o devido cuidado. Ou seja, culpando a vítima.

Mas, como nos casos anteriores citados neste texto, mulheres com parceiros de anos também sofrem tentativas de feminicídio, o que prova que o problema é muito mais profundo na sociedade.

Segundo levantamento da Folha, publicado no Dia Internacional da Mulher, 71% das mulheres vítimas de feminicídio ou tentativa foram atacas pelo companheiro ou ex. O inconformismo com fim de relacionamento é o principal motivo para as agressões — ou assassinato.

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