Privatizar não é solução: no mundo, 884 serviços caros e ruins foram reestatizados

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Desde 2000, ao menos 884 serviços foram reestatizados no mundo. A conta é do TNI (Transnational Institute), centro de estudos em democracia e sustentabilidade sediado na Holanda. As reestatizações aconteceram com destaque em países centrais do capitalismo, como EUA e Alemanha.

Isso ocorreu porque as empresas privadas priorizavam o lucro e os serviços estavam caros e ruins, segundo o TNI. O TNI levantou dados entre 2000 e 2017. Foram registrados casos de serviços públicos essenciais que vão desde fornecimento de água e energia e coleta de lixo até programas habitacionais e funerárias.

“A nossa base de dados mostra que as reestatizações são uma tendência e estão crescendo”, disse a geógrafa Lavinia Steinfort, coordenadora de projetos do TNI, em entrevista ao UOL. De acordo com ela, 83% dos casos mapeados aconteceram de 2009 em diante.

Término de contratos de concessão que não são renovados é a forma mais clássica de “desprivatização” que aparece entre os mais de 800 casos levantados. Rompimento antecipado de contrato, como aconteceu com a PPP (Parceria Público-Privada) do metrô de Londres em 2010, e mesmo recompras milionárias de infraestruturas que haviam sido vendidas, como vêm fazendo diversas cidades alemãs com suas distribuidoras de energia, são outros tipos de reestatizações que também estão acontecendo.

O levantamento do TNI encontrou processos do gênero em 55 países em todo o globo. Alemanha, França, EUA, Canadá, Colômbia, Argentina, Turquia, Mauritânia, Uzbequistão e Índia são alguns deles. Todos eles foram compilados no relatório “Reconquistando os serviços públicos”, e uma parte também pode ser acompanhada pelo “Rastreador de remunicipalizações”, mapa interativo do TNI com as reestatizações do setor de água (ambos em inglês).

Veja abaixo exemplos nos cinco países que lideram a lista e o número de reestatizações já registradas em cada um deles.

ALEMANHA – 348 REESTATIZAÇÕES

O grosso dos processos na Alemanha aconteceu no setor de energia: dos 348 serviços que voltaram das mãos privadas para a estatal nas décadas de 2000 e 2010, 284 envolviam abastecimento de eletricidade, gás ou aquecimento. No geral, o governo havia vendido parte ou a totalidade das redes municipais para investidores privados entre a década de 1990 e início dos anos 2000, mas passou a comprá-las de volta de 2007 em diante.

Foi o caso de Hamburgo, onde a população decidiu em um referendo, em 2013, que queria a reestatização das redes locais de energia. A compra custou mais de 500 milhões de euros.

Em Berlim, por outro lado, o mesmo pleito foi a referendo também em 2013, mas perdeu: embora 80% dos votantes tenham optado pela recompra da distribuidora privatizada, menos de 25% dos eleitores foram às urnas, o que não completou o quórum mínimo exigido.

FRANÇA – 152 REESTATIZAÇÕES

A França foi uma espécie de estopim para os vários processos de reestatização que começaram a se espalhar pela Europa depois que Paris, em 2008, optou por não renovar a concessão dos serviços de água e esgoto da cidade.

Eles eram desde 1985 administrados por duas companhias privadas (a Suez e a Veolia) e passaram para a responsabilidade da Eau de Paris, companhia municipal criada para assumir o negócio e até hoje a responsável pelo tratamento de água da capital francesa.

Um estudo de 2013 da entidade de defesa dos consumidores UFC Que Choisir apontou que, consideradas as cidades francesas com mais de 100 mil habitantes, aquelas com as menores tarifas de água tinham gestão pública, enquanto as mais caras tinham, majoritariamente, administração privada.

De acordo com o TNI, 152 serviços já passaram de volta da gestão privada para a estatal na França, incluindo o saneamento de 106 cidades e o transporte público de 20 delas.

ESTADOS UNIDOS – 67 REESTATIZAÇÕES

Contratos de água e de energia são alguns dos que foram revertidos em cidades espalhadas por estados tão diversos quanto Flórida, Havaí, Minnesota, Texas, Nova York e Indiana.

Uma das primeiras a fazer algo do gênero, a cidade de Atlanta cancelou em 2003 a concessão de água feita em 1999. O contrato era previsto para durar até 2019,

mas reclamações de falta de água e má qualidade o interromperam 16 anos antes. À época, a companhia argumentou que se deparou com uma rede bem mais antiga e custosa de se reparar do que o projetado no acordo.

Na ilha havaiana Kaua, em 2002, foram os moradores que formaram uma cooperativa (a Kauai Island Utility Cooperative) e compraram a companhia de energia da cidade, que estava à venda. A gestão é feita pela cooperativa sem fins lucrativos.

REINO UNIDO – 65 REESTATIZAÇÕES

Um dos primeiros países do mundo a elaborar e testar contratos de PPPs, o Reino Unido foi também pioneiro em revisá-los: em 2010, a TfL (Transporte de Londres, em inglês), a agência pública de transportes, anunciou o rompimento da PPP para a expansão do metrô que tinha desde 2003.

A cidade pagou 310 milhões de libras para comprar de volta a parte da parceira privada, sob o argumento de que, sem a complexidade do contrato misto, teria mais agilidade e menos custos para dar continuidade ao projeto de melhorias e expansão no metrô londrino.

Os trilhos nacionais também sofreram vai-e-vem: privatizados nos anos de 1990, tiveram uma parte tomada de volta pelo governo em 2002, quando a companhia que arrematou a gestão da infraestrutura, a Railtrack, quebrou.

As viagens continuam sendo feitas por concessionárias privadas, mas são pivô de um acalorado debate nacional atualmente: segundo o jornal britânico Financial Times, as passagens custam, em média, 30% mais na rede britânica do que em outros países da Europa.

ESPANHA – 56 REESTATIZAÇÕES

A distribuição de água também é um dos setores que está no foco das prefeituras na Espanha –especialmente depois que, em 2015, o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha anulou a mega concessão da rede de saneamento da região metropolitana de Barcelona feita três anos antes.

Além de acusações de que o leilão não teria sido transparente, muitos moradores sentiram também o peso no bolso: um levantamento do Tribunal de Contas da Espanha mostrou que, em 2011, o custo médio por habitante da manutenção das redes de água geridas pela iniciativa privada era 21,7% mais caro que daquelas controladas diretamente pelo município.

Nas contagens do TNI, 27 cidades espanholas já haviam tomado de volta suas concessões de água em 2017. Energia, coleta de lixo e serviços que vão de habitação a funerárias são outros que também foram revistos por prefeituras do país.

Do UOL