Ambientalistas temem extinção do Instituto Chico Mendes

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Enfraquecimento das políticas públicas ambientais, esvaziamento do quadro de funcionários com troca de técnicos por militares em áreas indígenas e transferência de atribuições para o Ministério de Agricultura formam o pano de fundo da crise instalada no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O UOL apurou que a mudança na política de licenciamento ambiental, a proposta de acabar com a lista de espécies ameaçadas de extinção e a liberação para exploração de petróleo em Abrolhos, primeiro parque nacional marinho criado no Brasil, acirraram os ânimos na queda de braço do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com servidores, ambientalistas e indígenas.

“O ministro está juntando elementos para uma fusão do Ibama com o Chico Mendes”, diz o consultor legislativo do Senado Joaquim Maia Neto, que tem duas décadas de experiência com trabalho ambiental. “Com as medidas, ele criará condições para uma tragédia, que é a extinção do ICMBio”, afirma.

À espera da votação da medida provisória que reestrutura a administração pública federal, em tramitação no Congresso, as principais vagas do Ministério de Meio Ambiente, da Funai (Fundação Nacional do Índio), do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio não foram preenchidas. “É o primeiro passo para um desmonte”, afirma o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, Rodrigo Agostinho (PSB-SP).

Vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, o ICMBio gerencia 334 unidades de conservação em todo o país e tem 1.593 servidores, quantidade considerada baixa pela Ascema (Associação Nacional dos Servidores Ambientais), “um para cada 100 mil hectares de área protegida”. De acordo com a entidade, os Estados Unidos têm 1 funcionário para cada 2.000 hectares de área protegida.

No texto em discussão no Congresso, está prevista a transferência do licenciamento ambiental de obras de infraestrutura para o Ministério da Agricultura. Antiga disputa entre ambientalistas e ruralistas, a discussão ganhou força com a eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que criticou durante a campanha eleitoral “a indústria da multa” que, segundo ele, atrasa o início dos empreendimentos.

Agostinho discorda dessa visão e critica: “O licenciamento não é um problema. Não teve uma grande obra que o Brasil quis fazer que não tenha conseguido”. Mencionou como exemplo a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que “destruiu uma região inteira”.

Preocupa ainda os servidores do ICMBio a contratação de militares para áreas antes ocupadas por técnicos nas gestões dos ex-ministros Isabela Teixeira e Sarney Filho. Na quarta-feira (24), Salles anunciou a nomeação de cinco policiais militares de São Paulo para presidente e diretoria do órgão. Eles vão substituir os funcionários que pediram demissão após a saída do presidente Adalberto Eberhard.

A Ascema considera que as alterações “desrespeitam os servidores dos órgãos ambientais e a sociedade brasileira”.

O desligamento de Eberhard aconteceu de forma conturbada após reunião no Parque Nacional Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul, realizada em 13 de abril. Salles anunciou a abertura de processo administrativo contra servidores do ICMBio que não compareceram à agenda. Dois dias depois veio o pedido de demissão de Eberhard.

“E agora começam a ser nomeadas pessoas que não têm a capacidade técnica, o conhecimento técnico para estarem nesses cargos”, lamenta Agostinho.

Procurados, o Ministério do Meio Ambiente e o ICMBio não responderam às questões da reportagem encaminhadas por email até a publicação deste texto.

Sob a condição de anonimato, funcionário do ICMBio afirma que Ricardo Salles “não tem interesse em fomentar a política de proteção da biodiversidade”. Outro relata que a ordem é “mudar toda a estrutura do ministério, em meio a um clima de caça às bruxas”, proposta que o governo federal vem chamando de “reorganização administrativa”.

Para atender ao setor da pesca, o Ministério da Agricultura pediu o fim da lista de peixes ameaçados, elaborada com critérios internacionais para determinar se uma espécie corre ou não risco, o que também gerou reação negativa no ICMBio.

Com 87.943 hectares, o Parque Nacional de Abrolhos foi criado para proteger a região cuja atividade pesqueira movimenta US$ 100 milhões por ano. Para o consultor Joaquim Maia, a medida “é irresponsável e coloca em risco a área que reúne a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul”. A autorização para explorar petróleo no local partiu do gabinete do ministro do Meio Ambiente, contrariando parecer técnico do Ibama.

Na Funai, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas nomeou militares como diretor de Proteção Territorial, coordenador de Proteção Territorial, coordenador Regional de Manaus e dois assessores. Mas o que tem mais incomodado aos ambientalistas é a medida provisória que transfere a demarcação de terra e o licenciamento ambiental de áreas indígenas para o Ministério da Agricultura.

A fundação ficaria responsável basicamente pela área de proteção territorial. “Os povos indígenas não precisam só de assistência”, diz Andrea Prado, presidente da INA – Indigenistas Associados, associação dos funcionários da Funai. A assessoria de imprensa da Funai prometeu que comentaria o assunto, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Apesar da ressalva em relação aos militares, ambientalistas e indígenas os consideram um contraponto à bancada ruralista. Na Funai, os servidores apoiam as ações de Ribeiro de Freitas, que vem defendendo os interesses da população indígena. No caso do Ministério de Meio Ambiente, segundo Agostinho, o problema é que Salles “abandonou a agenda ambientalista”.

Do UOL