Candidatos ao Itamaraty se prepararam para encarar ideias estúpidas de Araújo na prova

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No dia 2 de janeiro, horas após a cerimônia de transmissão de cargo para Ernesto Araújo no Ministério das Relações Exteriores, começou, em uma rede social, uma discussão em um grupo de alunos de um curso preparatório para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) — prova para o Instituto Rio Branco, porta de entrada do Itamaraty.

Os participantes queriam saber se as ideias do novo chanceler — que incluem críticas ao chamado “globalismo” e ao multilateralismo — iriam influenciar a prova. “Tenho certeza que o CACD vai mudar drasticamente”, escreveu um dos alunos. “A bibliografia vai ser Olavo de Carvalho”, aventou outra estudante, referindo-se ao ideólogo de direita ligado aos bolsonaristas.

Os questionamentos deixaram o mundo virtual e têm inquietado alunos e professores de cursinhos desde que o chanceler empreendeu mudanças na grade curricular do Rio Branco, excluindo uma disciplina sobre América Latina. Os estudantes não quiseram ser identificados na reportagem, temendo represália.

— Está todo mundo apreensivo — diz Guilherme Casarões, cientista política e professor da FGV, que também dá aulas em um cursinho para o Itamaraty. — É normal que os governos promovam pequenos ajustes e inflexão. Agora, no governo Bolsonaro, a grande questão é que não existe uma diretriz bem definida sobre qual é a política externa do governo.

O exame do CACD é realizado anualmente e possui três fases: um questionário objetivo e duas provas escritas. O nível de exigência é considerado elevado, o que leva muitas pessoas a passarem anos estudando para conseguir a vaga.

De acordo com Casarões, as áreas com mais chances de mudanças são História e Política Internacional, mas também há risco em Economia e Direito Internacional.

David Magalhães, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e da PUC-SP, considera possível que a prova privilegie conceitos sobre o hemisfério norte, sobretudo os Estados Unidos, em detrimento das teorias sobre alianças latino-americanas:

— Na história da Política Externa Brasileira, ultimamente costumam dar ênfase aos períodos universalistas, em que o Brasil se relacionou com o Terceiro Mundo. O que pode acontecer é exaltarem governos que aprofundaram relações com os Estados Unidos, principalmente Dutra e Castelo Branco. Ernesto e o grupo olavista preferem propor uma política externa moral, que se atrele a uma versão civilizatória do Ocidente.

Para Magalhães, Araújo também pode dar destaque a autores clássicos, seguindo a alteração que ele já fez no currículo de formação dos diplomatas. Ele aposta, contudo, em mudanças pontuais:

— Nunca muda dramaticamente. Eles devem incluir mais autores clássicos, que remetam a uma ideia de civilização, ocidentalismo.

O GLOBO conversou com outros dois professores de cursinhos, que preferiram não se identificar. Ambos relataram a preocupação de alunos, mas divergem sobre sua pertinência: um acredita que há sinais de mudança, enquanto o outro diz que ainda não há motivos para temer isso.

Alterações nas provas decorrentes de troca de governo ocorreram no governo Lula, quando o exame de inglês deixou de ter um caráter eliminatório. As questões também passaram a refletir a política externa do petista, que privilegiava autores latino-americanos.

David Magalhães não descarta a inclusão de obras de Olavo de Carvalho na bibliografia da prova para o Instituto Rio Branco.

— Se aparecer o “Jardim das Aflições”, não ficaria completamente assustado, porque o próprio Olavo escolheu o Ernesto— diz o professor.

Procurado, o Itamaraty afirmou que o edital ainda não foi lançado e que todas as informações disponíveis até o momento sobre o exame estão no site do Instituto Rio Branco.

Araújo divide o protagonismo da política externa brasileira com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, e com Filipe Martins, assessor internacional do presidente Jair Bolsonaro. O ministro faz a linha direta entre Olavo de Carvalho e o Palácio do Planalto.

De O Globo