Capão Redondo faz 107 anos de história marcada por luta por moradia

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Nos anos 1990, os distritos do Capão Redondo, Jardim São Luís e Jardim Ângela eram chamados por parte da imprensa como “triângulo da morte”, por conta dos índices de violência, apelido que foi e é até hoje responsável por estigmatizar os moradores dessas regiões.

Na hora de procurar emprego, por exemplo, foi comum um morador substituir na ficha de inscrição o nome verdadeiro do distrito por algum bairro próximo, como Santo Amaro. Isso para evitar que o recrutador o excluísse do processo seletivo por preconceito ou perguntasse sobre o rapper Mano Brown – figura conhecida que mesmo após o sucesso não deixou de circular pelas ruas e vielas do Capão.

Mas a história do Capão Redondo, que completa 107 anos nesta terça-feira (30), não se limita às estatísticas de violência e ao rap.

O que pouco se fala é sobre a luta pela construção do distrito, ocupado no início do século passado por um pequeno grupo de religiosos e que se tornou uma das regiões mais populosas de São Paulo, com ao menos 290 mil moradores segundo o Seade.

O nome Capão Redondo surgiu devido ao formato arredondado do terreno que era uma grande área de mata virgem.

Até 1911, parte das terras da zona sul pertencia ao senador Uladislau Herculano de Freitas, um influente político do Paraná que em 1912 decidiu dividir um enorme terreno e vendê-lo para três homens ricos e influentes da época.

Uma parte da área foi entregue a Pantaleão Teisen, funcionário público da Prefeitura de Santo Amaro – a região foi município até 1935, quando foi incorporada como um dos distritos de São Paulo.

Teisen fez das terras uma grande fazenda e, em 1915, recém-convertido ao adventismo, vendeu parte do terreno para o pastor John Bohem, que no mesmo ano fundou o colégio missionário IAE (Instituto Adventista de Ensino), hoje chamado de Unasp (Centro Universitário Adventista de São Paulo). O local é considerado a pedra fundamental para a construção do distrito.

Por conta da proximidade com as estradas de M’Boi Mirim e de Itapecerica da Serra, que facilitava o acesso entre os municípios próximos, as terras dos adventistas se tornaram um local de encontro para fazendeiros, caçadores e pescadores.

Esse acesso facilitou a chegada de novos moradores que vieram de bairros vizinhos, o que deu início ao crescimento do Capão. Esse avanço ganha força no final dos anos 1970.

“Quando eu cheguei aqui no Capão Redondo fiz o primeiro barraco na favela do Jardim Comercial”, conta Pedro Ricardo de Alencar, o Seu Pedrinho, 75, presidente da Associação de Moradores do Jardim Comercial e Adjacências, organização criada em 1981 para atuar na luta por moradia.

“Em 1980, não tinha nada aqui, era tudo mato. Não tinha asfalto, não tinha luz e nem água. Não tinha nada mesmo”, ressalta.

Outra moradora que acompanhou de perto o início desses movimentos é Edna Pereira Matos, 50, atual coordenadora da Escola da Cidadania Olímpio Matos da Associação Povo em Ação, filha de Olímpio da Silva Matos, que foi um dos líderes comunitários mais importantes do Capão Redondo. Ele morreu em 2013.

Olímpio participava da Pastoral das Favelas, movimento puxado pela igreja católica e, principalmente, pelo cardeal arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, que deu origem a muitas lutas por moradia na zona sul de São Paulo.

“Em 1982 ocorreram várias articulações planejadas para pressionar a prefeitura pelas promessas de compra de terreno”, diz Edna. Um ano depois, o movimento de moradia ficou acampado em frente ao escritório sede da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo), durante nove dias.

Em agosto do mesmo ano, durante uma missa campal, Dom Evaristo Arns exibiu três escrituras dos terrenos conquistados pela luta dos moradores. Um deles é o que hoje pertence à Cohab Adventista, terras repassadas ao movimento graças a um processo de desapropriação instaurado pelo Estado devido a dívidas em impostos.

No terreno conquistado no Capão Redondo foi possível construir 628 casas no sistema de mutirão, onde cada família contemplada no projeto habitacional era responsável pela realização da obra. O movimento ficou conhecido como Mutirantes, nome dado à rua onde as casas foram construídas.

A dona de casa Claudete Pinto Ferreira de Paula, 55, foi uma das mutirantes da primeira fase da Cohab Adventista.

“Eu já tinha um menino e estava grávida da minha filha quando começamos o mutirão. Naquela época não tinha ônibus então era muito difícil, mas eu acompanhava todas as reuniões na Vila Remo (distrito do Jardim Ângela), porque aqui a gente ainda não tinha um lugar para se reunir”, conta.

“As mulheres se destacaram como protagonistas na luta e na construção”, ressalta Edna.

Além dos empreendimentos construídos pelos mutirantes, uma das características do Capão Redondo são os “predinhos” encontrados por todo o distrito.

De acordo com a Sehab (Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo), o Conjunto Habitacional Adventista possui 1.840 lotes habitacionais que totalizam 4.082 unidades (casas e apartamentos) construídas pela Cohab.

De acordo com Edna, a Associação Povo em Ação, criada no início dos anos 1980, conquistou no território do Capão Redondo um total de 160 mil m² onde foram construídas 2.728 casas, entregues entre os anos de 1988 e 2014: Cohab Adventista, CDHU Chico Mendes, Cohab Monet e Cohab Valo Velho.

Depois da conquista do terreno na Cohab Adventista, outras lideranças populares surgiram, como é o caso de Pedrinho, um dos parceiros de Olímpio.

Dona Iraci Fernandes Ponte, 88, trabalha desde a fundação da Associação de Moradores do Jardim Comercial e Adjacências, instituição criada por Pedrinho.

“Fui moradora da favela do Jardim Comercial junto com o Seu Pedrinho e sinto orgulho em ter feito parte da construção do Capão Redondo, porque é uma vida inteira de luta. Estou ansiosa para entrar no meu apartamento”, afirma.

Atualmente, Iraci mora com a filha e uma neta, mas aguarda ansiosa a entrega do apartamento do Programa Minha Casa Minha Vida no Jardim Dom José, previsto para agosto de 2019. As duas Associações, Povo em Ação e Moradores do Jardim Comercial, possuem cerca de 2 mil famílias cadastradas aguardando na fila por moradia.

Mesmo como todos os projetos de habitação popular, ainda há famílias morando em áreas de risco e ocupações pelo bairro.

De acordo com dados disponíveis no site Rede Social de Cidades, da Rede Nossa São Paulo, no ano de 2017 mais de 27% das casas do Capão Redondo estavam em áreas de favela. Situação que mantém os moradores nos movimentos por habitação.

“O que faz as famílias se unirem ao movimento de moradia é a procura por uma moradia digna e, unidos, fica mais fácil lutar”, finaliza Edna.

Da FSP