Caso Gentili: entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio
Leia o texto de João Chaves, advogado e colaborador do Blog da Cidadania
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Entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio
Na mesma semana em que um músico foi fuzilado por uma patrulha do Exército, o apresentador Danilo Gentili foi condenado a 6 meses de detenção pelo crime de injúria, em função de ofensas dirigidas à deputada federal Maria do Rosário.
O Código Penal brasileiro, de 7 de dezembro de 1940, contém previsão para punição à prática do crime de injúria desde a sua outorga.
As penas previstas são brandas, razão pela qual é necessário esclarecer que dificilmente Gentili será preso em função desta condenação. Além do mais, seria possível a ele uma retratação até a prolação da sentença, o que extinguiria a punibilidade. Entretanto, o condenado jamais demonstrou arrependimento por sua conduta.
É certo que a Constituição assegura o direito à liberdade de expressão, como também resguarda o direito à honra e à imagem. Contudo, em casos de grande repercussão como esse, a discussão ganha contornos políticos, a serviço de outras causas.
O presidente Jair Bolsonaro, que se elegeu entoando discurso de combate ao que classifica por “politicamente correto”, manifestou solidariedade ao apresentador, alegando o direito à liberdade de expressão. Contudo a condenação de Gentili representa para o presidente uma oportunidade de manifestar seu desapreço aos obstáculos jurídicos, políticos e culturais a sua ideologia.
A transformação dos valores defendidos pela sociedade representa um processo natural de evolução civilizatória. Tais movimentos estão atrelados ao humor e postura de seus principais agentes políticos e se manifestam em diversos momentos, sobretudo em período eleitoral. As regras do jogo democrático abrem margem para que agentes e órgãos públicos passem a atuar seguindo as tendências pautadas pelo líder eleito.
A vontade manifestada nas urnas encontra reflexos também na interpretação dada por muitos juízes aos dispositivos de lei o que, por sua vez, reflete no comportamento da sociedade. Nesse sentido, o movimento contra a condenação de Danilo Gentili contribui para flexibilizar o entendimento do Judiciário a respeito dos crimes de ódio.
Nesse sentido, o discurso de ódio propagado por lideranças políticas é fator que também gera consequências sobre o comportamento da sociedade, segundo especialistas (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/04/discursos-dao-carta-branca-para-acoes-como-a-do-rio-dizem-especialistas.shtml).
Desse contexto, se extraem também as razões pelas quais o presidente não manifestou solidariedade à família do músico fuzilado em Guadalupe. Violência, discurso de ódio e intolerância compõem o pacote ideológico do presidente Jair Bolsonaro.