Entrevista com Hitler esclarece: nazismo é de extrema-direita

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“Eu vou tirar o socialismo dos socialistas”, disse o ditador Adolf Hitler, fundador e ideólogo do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, abreviado por seus seguidores como Nazi. Condutor de um dos regimes fascistas mais sanguinários da história, Hitler e o nazismo provocaram a deflagração da Segunda Guerra Mundial (70 milhões de mortos) e do Holocausto (6 milhões de judeus assassinados), duas das maiores tragédias da humanidade.

Nos últimos dias, uma polêmica transnacional tomou conta da internet. Milhares de internautas passaram a debater ferozmente sobre se o partido político de Hitler era ou não de esquerda. E a motivação do arranca-rabo virtual foi a mais inócua possível: um vídeo publicado nas redes sociais da embaixada alemã no Brasil, com o objetivo de se posicionar contra uma série de demonstrações neonazistas feitas em Chemnitz, no leste da Alemanha, ao longo do último mês.

Trata-se de um ato de repúdio natural, vindo de um governo que trabalha ativamente contra a proliferação da ideologia ariana em seu território e opera sob uma Constituição que criminaliza o nazismo e a negação do Holocausto. “Devemos nos opor aos extremistas de direita, não devemos ignorá-los, temos de mostrar nossa cara contra neonazistas e antissemitas. (…) Quem protesta contra os nazistas não é de esquerda. É normal”, disse o ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas.

Ao tomarem conhecimento da afirmação, grupos de brasileiros exaltaram-se ao contestá-la. Sem se importarem com as evidências da historiografia e da ciência política do século XX, os comentaristas afirmaram que o nazismo era uma ideologia de extrema-esquerda, parceira do comunismo soviético e chinês. Apenas mais um dos filhos de ideologia marxista.

E isso não poderia ser mais óbvio, disseram ao desinformado governo alemão: o nome do partido — “Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei”, ou, em bom português, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães — era a prova indiscutível. Hitler e seus correligionários se autodeclaravam socialistas, ora bolas! Era, para eles, um apagamento dos crimes cometidos pela esquerda.

A melhor resposta aos críticos brasileiros foi encontrada pelo escritor Samir Machado, ao divulgar entrevista de Hitler em 1923 ao jornal britânico The Guardian. Nela, Hitler destila seu ódio contra a esquerda, colocando toda a culpa da falência alemã da República de Weimar no bolchevismo implantado em sua nação. O repórter George Sylvester Viereck pergunta a Hitler: “Por que você se define como um nacional-socialista se o programa de seu partido é a própria antítese do que é comumente associado ao socialismo?”.

“Socialismo”, Hitler responde belicosamente, baixando sua xícara de chá, “é a ciência de lidar com o bem comum. Comunismo não é o socialismo. Marxismo não é socialismo. Os marxistas roubaram o termo e confundiram seu significado. Eu retirarei o socialismo dos socialistas. O socialismo é uma instituição alemã, do arianismo antigo. Nossos ancestrais alemães possuíam certas terras em comum. Cultivavam a ideia do bem comum. O marxismo não tem o direito de se disfarçar de socialismo. O socialismo, ao contrário do marxismo, não repudia a propriedade privada. Ao contrário do marxismo, não envolve a negação da personalidade; em vez de marxista, ele é patriótico. Nós poderíamos nos chamar Partido Liberal.”

É um mito tanto dizer que todo regime autoritário e de Estado centralizador é de esquerda, dado o tamanho inflado do governo federal, quanto afirmar que governos de direita são adeptos do Estado mínimo liberal. Basta olhar para a experiência da maioria das ditaduras militares da América Latina, confessamente conservadoras e anticomunistas, mas que ainda assim não precediam de um Estado forte e que gastavam muito.

Acreditar que o nacional-socialismo hitlerista pudesse ser de esquerda é um erro equivalente a aceitar que a República Democrática da Coreia do Norte seja um regime democrático e plural.

A fala de Hitler e a precisa pergunta do repórter poderiam ter dado um xeque-mate à questão se os comentaristas de internet não tivessem ido além: alguns negaram a existência do Holocausto, crime genocida com incontáveis provas cabais das fontes mais diversas.

Oficiais nazistas foram condenados criminalmente pelo massacre — com um desses julgamentos seminalmente descrito por Hannah Arendt em sua série de reportagens Eichmann em Jerusalém, em que explicava a “banalidade do mal” —; museus em homenagem às vítimas existem em diversas cidades alemãs e polonesas, sendo o mais notório o do campo de concentração de Auschwitz, onde a estrutura e a memória do genocídio são mantidas como alerta; e milhares de sobreviventes descreveram seu suplício ao longo do século passado, muitos deles inclusive radicados aqui no Brasil.

A negação ao Holocausto é um ato de fé na ignorância. Como escreveu Morten Høi Jensen em um artigo para a Los Angeles Review of Books: “Hitler não tinha imaginação; ele era incapaz de encurtar a distância de si próprio com as outras pessoas e por isso não podia se ver no lugar delas. Sua autoidentidade era desinibida, permitindo que ele se escondesse por trás do fantasmagórico ‘nós’ — o Volk alemão —, que era como ele referia a si mesmo. Era o abismo decisivo em sua personalidade, o pré-requisito que o permitiu orquestrar o maior e mais eficiente genocídio da história humana”.

Jensen cita o escritor norueguês Karl Ove Knausgård para explicar que o “fortalecimento do nós e o enfraquecimento do eu” permitia a redução da resistência contra a gradual desumanização e exclusão dos que não eram “nós” — nesse caso, os judeus.

A empatia pelo sofrimento do próximo talvez seja sentimento ausente entre os comentaristas da internet que negam o Holocausto. Se os livros de história são de difícil absorção para alguns deles, talvez pudessem buscar em filmes tal empatia: Shoah, Noite e neblina, Filho de Saul, A lista de Schindler ou A vida é bela são obras acessíveis. A menos que se viva no reino do absurdo.

Da Época