Falta de legislação aumenta vulnerabilidade a incêndio em favelas e ocupações

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Na próxima quarta-feira (1º), completa-se um ano da tragédia em que sete pessoas morreram no centro de São Paulo, quando um prédio de 24 andares onde havia uma ocupação desmoronou após pegar fogo.

Como, por definição, tanto prédios invadidos quanto favelas são ocupações ilegais, esses casos não têm legislação contra incêndio prevista. Isso, somado a uma série de particularidades como fiações clandestinas, alta presença de material inflamável e adensamento das unidades habitacionais, aumenta sua vulnerabilidade.

Não há nada que impeça uma desgraça semelhante à de um ano atrás, ou os incêndio em comunidades, como o que ocorreu recentemente na favela do Cimento, e que costumam deixar vítimas.

“Ninguém faz planejamento urbanístico para ter favela”, diz Carlos Cotta Rodrigues, coordenador de engenharia de incêndio do Instituto de Engenharia. “Ninguém faz prevenção contra incêndio para ter construção de madeira, de papelão”, continua.

Para Marcelo Lima, líder da Frente Parlamentar Mista de Segurança Contra Incêndio que atua no Congresso, a solução tem que ser adequada às características locais. “Você não vai instalar um sistema sofisticado de proteção de incêndio em um ambiente que dali a seis meses já mudou a sua mancha populacional”, diz.

Mas há medidas que podem ser tomadas para diminuir riscos. Cotta dá o exemplo da formação de brigadas comunitárias com equipamento de segurança e da instalação de mangueiras ou hidrantes próximos a essas áreas.

Foi nesses termos que, na década passada, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) propôs um programa simples para esses lugares. O chefe do Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões do instituto, Antonio Fernando Berto, conta que o projeto saiu do papel na favela da Vila Dalva (zona oeste), com apoio da prefeitura e do Corpo de Bombeiros.

“Foi um sucesso. Eles apagaram mais de uma centena de princípios de incêndio, até mesmo fora da favela.” Berto afirma que técnicos da prefeitura foram treinados para implantar o programa em outras comunidades, mas que a ação foi descontinuada nesta década após as trocas na administração municipal.

O Corpo de Bombeiros reitera o potencial de segurança oferecido pelo treinamento de brigadas comunitárias. “O bombeiro pode ter uma ação de educação pública”, diz o capitão Marcos Palumbo, porta-voz da corporação no estado.

O promotor César Ricardo Martins, da área de Habitação do Ministério Público de São Paulo, cita ainda como ações possíveis a criação de rotas de fuga e o alargamento de vias para propiciar o combate ao incêndio. Martins lembra o caso da favela do Moinho, no centro, que passou por sucessivos incêndios. “Um dos problemas detectados logo no primeiro foi exatamente o fato de ser impossível o acesso de viaturas dos bombeiros para fazer o combate.”

Marcelo Lima, que também preside o Instituto Sprinkler Brasil, reforça a importância de se manter o tema em evidência, na esteira das recentes tragédias como a do Ninho do Urubu e do Museu Nacional, ambos no Rio de Janeiro. “O brasileiro não acredita que incêndio é problema. Se não for assunto, não vai ser importante para ninguém.”

No caso de um edifício como o Wilton Paes de Almeida, que colapsou no largo do Paissandu, o poder de polícia do Corpo de Bombeiros não teria muito efeito prático para, por exemplo, uma interdição e readequação do local, segundo o promotor Martins. “A estrutura [legal] foi montada a partir da condição de regularidade”, diz, para explicar em seguida. “Nos prédios invadidos ou favelas não tem ninguém que responda por aquelas circunstâncias.”

Para tais, o mecanismo ainda é o mesmo: o Corpo de Bombeiros aciona o Ministério Público, que aciona a prefeitura para que algo seja feito. Após a tragédia com o prédio do centro, uma força-tarefa fez um mutirão de visitas a ocupações para mensurar riscos. Segundo a gestão Bruno Covas (PSDB), foram visitados 75 imóveis, dos quais 51 estão ocupados.

Destes, 16 são prédios públicos, e a prefeitura quer transformar 11 deles em moradia popular ou equipamento público. A segunda etapa de vistorias, para verificar se as ocupações seguiram as medidas propostas pela Defesa Civil, teve início em dezembro.

Entre as medidas estavam a desocupação preventiva de alguns andares, a remoção de divisórias de madeira e demais materiais combustíveis, e a adequação das instalações elétricas. Como ação mitigadora, a implantação de brigada também foi indicada.

“As ações mitigatórias impediram que uma tragédia ocorresse em 21 de novembro, quando um bloco de um prédio ocupado na República, região central, pegou fogo”, diz a prefeitura. O edifício foi um dos que receberam visita técnica da Defesa Civil.

O órgão diz ter proposto ações mais simples e fáceis de serem colocadas em prática, como instalação de alarme de incêndio, remoção de lixo acumulado e cursos de brigada de incêndio. “Ninguém ficou ferido”, informa a prefeitura.

Na última quinta-feira (25), o Ministério Público anunciou que ingressou com as primeiras 12 ações civis públicas de requalificação de prédios ocupados na região central. Isso significa que não foi necessária a interdição desses prédios, e que foram recomendadas obras de adequação do edifício a condições mínimas de segurança.

A marginalização de parte da população em decorrência de acentuada desigualdade social vai continuar a produzir comunidades como os prédios e terrenos invadidos. Enquanto o problema habitacional persistir, essas parecem ser soluções razoáveis para proteger vidas.

Da FSP