Para diplomatas, defesa do golpe de 64 prejudica a imagem do Brasil

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Um grupo de diplomatas brasileiros divulgou nesta segunda-feira, 1°, um manifesto de repúdio às declarações do presidente Jair Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo em defesa do golpe militar de 1964.

A narrativa do material usa a mesma definição adotada pelo presidente e alguns de seus ministros militares para classificar o fato histórico. Para eles, a derrubada de João Goulart do poder, que marcou o início do período de 21 anos de ditadura militar no Brasil, foi apenas um movimento para conter o avanço do comunismo no País.

O texto apoiado por dezenas de diplomatas, segundo apurou o Estado, é apócrifo devido ao temor de represálias e retaliações por parte do chanceler. Segundo o manifesto, a postura de Bolsonaro e Araújo em relação ao golpe de 64 viola “os mais elementares compromissos que regem hoje a inserção internacional do Brasil e trazem danos graves à imagem do país”.

Os diplomatas repudiam ainda declarações do presidente em relação às ditaduras de Alfredo Stroesner, no Paraguai, e Augusto Pinochet, no Chile, e lembra que a Comissão Nacional da Verdade fez diversas recomendações ao Itamaraty “entre elas a de compreender como foi possível ‘se deixar capturar’ pelo envolvimento direto na repressão, com graves consequências para as vidas de muitos cidadãos brasileiros”.

Por fim, o manifesto lista uma série de violações cometidas pelo regime militar.

“A ditadura instaurada em 1964 cometeu crimes contra a humanidade, de forma sistemática e como estratégia para se manter no poder por mais de vinte anos. Assassinou, sequestrou e torturou opositores de diversas correntes ideológicas, entre eles lideranças políticas contrárias à luta armada. Perseguiu funcionários públicos que não se sujeitaram ao arbítrio, inclusive militares e diplomatas. Censurou as artes, o pensamento e a expressão da pluralidade brasileira. Arrancou de gerações de brasileiros os direitos políticos mais fundamentais. Destruiu famílias, massacrou povos indígenas, estuprou mulheres, torturou crianças. Deixou profundas e deletérias marcas na vida institucional do País, cujas consequências para o efetivo respeito aos direitos humanos ainda hoje enfrentamos”.

Leia a íntegra:

Um grupo representativo de diplomatas brasileiros vem manifestar repúdio a declarações do presidente da República e do ministro das Relações Exteriores que relativizam a natureza ilegal, inconstitucional e criminosa do regime de exceção instaurado no Brasil com o golpe de estado de 1964.

Declaraçoes e atitudes dessa natureza, cada vez mais desmentidas por novas fontes documentais e sem precedentes na breve história da democracia inaugurada em 1988, violam os mais elementares compromissos que regem hoje a inserção internacional do Brasil e trazem danos graves à imagem do País.

A ditadura instaurada em 1964 cometeu crimes contra a humanidade, de forma sistemática e como estratégia para se manter no poder por mais de vinte anos. Assassinou, sequestrou e torturou opositores de diversas correntes ideológicas, entre eles lideranças políticas contrárias à luta armada. Perseguiu funcionários públicos que não se sujeitaram ao arbítrio, inclusive militares e diplomatas. Censurou as artes, o pensamento e a expressão da pluralidade brasileira. Arrancou de gerações de brasileiros os direitos políticos mais fundamentais. Destruiu famílias, massacrou povos indígenas, estuprou mulheres, torturou crianças. Deixou profundas e deletérias marcas na vida institucional do país, cujas consequências para o efetivo respeito aos direitos humanos ainda hoje enfrentamos.

As mencionadas declarações, que violam os princípios da dignidade humana e da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais, consagrados na Constituição Federal, tripudiam da memória das vítimas de um regime assassino. Estendemos nossa solidariedade aos nacionais paraguaios e chilenos, igualmente ofendidos por declarações do mandatário brasileiro em alusão elogiosa às ditaduras que também se instalaram nesses países. Cabe recordar que a Comissão Nacional da Verdade, instituída por lei, dirigiu à diplomacia brasileira recomendações específicas, entre elas a de compreender como foi possível “se deixar capturar” pelo envolvimento direto na repressão, com graves consequências para as vidas de muitos cidadãos brasileiros (CVN, relatório final, p. 213).

Se em 1964 alguns líderes políticos aderiram ao golpe em seu primeiro momento, vinte anos depois foi Ulysses Guimarães quem resumiu em duas palavras o legado de duas longas décadas de arbitrariedade que vitimaram a sociedade brasileira e a humanidade. Da ditadura, temos apenas “ódio e nojo”. Sobre esse sentimento erigiram-se as garantias fundamentais da Constituição de 1988.

Sobre essa base, apenas, legitima-se a ação internacional do Brasil, comprometida com a paz, os direitos humanos e a cooperação para o bem comum da humanidade, conforme os princípios elencados no artigo 4o da Constituição Federal.

Do Estadão