Para Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú, incerteza sobre Previdência prejudica atividade

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O Itaú revisou para baixo a previsão de crescimento de 2019 de 2% para 1,3%, confirmando a tendência iniciada no começo do ano, que acabou transformou o piso das projeções dos economistas para o PIB em teto.

Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú, diz que os indicadores econômicos já conhecidos decepcionaram.

Em entrevista concedida de Washington, onde o Itaú realiza evento com clientes e investidores no âmbito do encontro do FMI (Fundo Monetário Internacional), Mesquita diz o PIB mais fraco abre espaço para que o Banco Central promova novos cortes nos juros, ação condicionada, porém, à reforma da Previdência.

A aprovação da proposta, no entanto, ficou mesmo para o segundo semestre e ela sairá do Congresso reduzida a até 50% do desenho original.

O que justifica a revisão?
Os dados que foram saindo para o primeiro trimestre vieram mais fracos do que a gente esperava. Para a economia atingir os 2% projetados anteriormente, será necessário que ela acelere muito intensamente no resto do ano. A gente até acha que vai ocorrer alguma aceleração, mas, diante de um começo de ano mais fraco, não vai chegar aos 2%.

Qual o papel de incertezas sobre a reforma da Previdência nessa revisão?
A gente acha que a incerteza sobre a trajetória fiscal é uma parte importante disso. Se uma empresa não sabe qual vai ser a trajetória da dívida, não sabe qual será a dos impostos, e isso torna mais difícil qualquer planejamento de médio e longo prazo.
Empresários retardam decisões de investimento, e as famílias, a compra de itens caros. O consumo até vem retomando num ritmo razoável, é do lado do investimento que a gente não viu uma retomada. São números fracos.

Qual a implicação disso para a política monetária?
O PIB mais fraco deve abrir espaço para o Banco Central fazer modestos cortes nos juros a partir de setembro até o início do ano que vem [de 6,5% hoje para 5,5% no fim de 2020. O Itaú espera que a inflação encerre o ano de 3,6%, abaixo da meta de 4,25% estipulada pelo Banco Central].

Mas a gente condiciona isso ao avanço da reforma da Previdência, que é algo que deve acontecer no terceiro trimestre, e não na primeira metade do ano. Sem ela, é provável que haja alta do risco-país e depreciação cambial, e aí qualquer espaço para queda dos juros tenderia a ser eliminado.

O que mudou em relação à expectativa para a reforma?
A gente continua achando que ela vai gerar economia entre 50% e 75% do originalmente proposto [total de R$ 1,1 trilhão em dez anos].
Se for comparar, ela vai ser igual ou um pouco maior do que a proposta do Temer depois do processo de diluição. E isso vai acabar sendo aprovado no terceiro trimestre. É pouco provável que seja votada na Câmara nesse semestre. Aí o Senado deve demorar um par de meses.

Aumentaram as chances de que a reforma não saia?
A gente acha pouco provável tanto que a reforma saia exatamente da maneira foi proposta como que ela não saia. Eu e meus colegas temos ido frequentemente a Brasília e há um convencimento no Congresso, tirando as objeções já públicas a mudanças no BPC [benefícios a idosos carentes] e na aposentadoria rural.

Há certo nível de decepção com a articulação política do governo?
Dado o teor da campanha eleitoral e das críticas que têm sido feitas por membros da sociedade a aspectos da política tradicional, sempre achamos que haveria um grau de ruído.

Como avaliam os cem dias de Bolsonaro na economia?
Muito pouco de desempenho da economia no primeiro trimestre se pode atribuir a pessoas que acabaram de tomar posse.
A proposta da reforma da Previdência é mais ambiciosa do que a proposta do Temer. A questão da autonomia do Banco Central é outro aspecto, achamos ser um tema bem maduro.
Esperamos também maior clareza — que acho que virá neste semestre— sobre quais serão os próximos passos da política comercial. Um anúncio mais detalhado da estratégia de abertura da economia.
Mas a atividade econômica ainda está fraca e reflete mais choques ocorridos
em 2018 do que decisões desse governo.

A Petrobras elevou o preço do diesel na quinta-feira (11), mas voltou atrás horas depois. A economia está refém dos caminhoneiros?
Acho que não. Alguns setores da economia têm capacidade maior de mobilização e eles usam isso para defender seus interesses.
Não acho que se deva necessariamente acompanhar diariamente as mudanças do preço internacional. Por outro lado, a experiência sugere que não dá para deixar acumular um descolamento muito grande entre os preços internacionais e o doméstico.
Se vai fazer isso com maior ou menor grau de suavização, é outra decisão. Mas não pode acontecer uma política como a que tivemos no passado de subsídio mais ou menos permanente ao consumo de combustíveis. Não só pelo prejuízo que isso causa à empresa que vende o produto mas por efeitos em outros setores, como o sucroalcooleiro.
Há quem diga que a aceleração do crescimento não virá mesmo com a reforma da Previdência.
A reforma é condição necessária, mas não é suficiente tanto para o ajuste fiscal quanto para retomada mais consistente da economia.
A gente tem uma transição de uma economia fechada e crescimento liderado pelo Estado a uma economia mais aberta com papel mais predominante do setor privado: reduz papel o BNDES e aumenta papel do mercado de capitais. São as dores do parto de uma nova economia brasileira.

A estagnação da indústria preocupa?
A indústria foi muito afetada pela crise argentina. Há uma desaceleração mundial também nos setores automotivos e eletroeletrônicos que acaba afetando a nossa indústria, que é a parte da economia mais globalizada, comparada com o setor de serviços.

O governo deveria dar menos atenção à agenda ideológica e voltar a atenção para a economia?
O governo decide quais são as suas prioridades. O governo tem uma quantidade mais ou menos ficha de capital político e tem que escolher onde vai gastar esse capital. Se ele gasta com temas econômicos, a economia tende a reagir.

Da FSP