Para o presidente do Ipea, reforma da Previdência não pode ser mais um remendo

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Carlos Doellinger assumiu o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em março com uma missão: reduzir as diretorias — algo a ser discutido com uma consultoria. Como não pode demitir os concursados, vai reduzir também o número de coordenadores de cada área.

Na leitura do carioca de 76 anos, o presente do Ipea não é bom. Alguns estudos acabam fugindo à finalidade do instituto, como tratar de democracia ou de políticas de gênero.

“Não tem nada a ver. Precisa fazer ginástica intelectual para justificar isso.”

Indicado pelo ministro Paulo Guedes, o economista fala sobre a principal bandeira do governo. Reconhece que a reforma da Previdência tem, por trás, um “saco de maldades”.

Carlos Von Doellinger, 76, presidente do Ipea, é graduado em economia pela UFRJ, e mestre em economia pela FGV com especializações na Universidade de Göttingen, na Alemanha, e em engenharia de produção e fabricação pela PUC-RJ

Como o sr. chegou ao Ipea?

Conheço Paulo Guedes desde que voltou de Chicago, em 1978. Comecei a trabalhar na equipe de Bolsonaro desde os primórdios. Minha expectativa era terminar o trabalho no fim do grupo de transição. Até porque sou o matusalém, mesmo entre os cabeças brancas. O mais próximo é o Marcos Cintra, com 75 anos. Paulo tem 69.

Mas, quando chegou ao final, me disseram: “Não, não, você tem que assumir”. Eu disse que não queria.

Mas Paulo insistiu e eu disse que assumiria o Ipea, que é mais tranquilo. Agora estou descobrindo que não é tão tranquilo assim. Eu me aposentei no Ipea, em 1994, e sempre tive contato.

O sr. chegou a dizer que sentia que o Ipea andava meio abandonado, é isso?

A equipe do Ipea é excelente. Só que estava meio desfocada e a organização não estava ajudando muito porque, há 10, 12 anos, criaram sete diretorias todas compartimentalizadas.

Pretende reduzir o número de diretorias?

Sim, para quatro ou cinco, no máximo. Mas não estou querendo impor nada, isso vai ser discutido por meio de uma consultoria —estamos negociando com a FGV-SP. A ideia é enxugar, concentrar, focar. E, já que vai reduzir diretoria, reduzir custo.

A redução de custos vai focar o quê?

Se vou reduzir diretorias, já estou reduzindo cargos gratificados, comissionados. Não vou demitir ninguém, até porque não posso. Os técnicos, pelo menos, todos são concursados. Vou reduzir o número de coordenadores, por exemplo. Diria que cada diretoria tem pelo menos umas três ou quatro coordenações. Como são sete, acho isso um exagero. Honestamente, meu Ipea era diferente. Mas esse é passado, não estou com saudosismo. Mas o presente é ruim. Então, temos que olhar o futuro.

E, quando o sr. fala que o presente não é bom…

Falo da estrutura e dos procedimentos.

Mas as principais reclamações do corpo técnico eram o orçamento reduzido e cortes de custos, não?

O orçamento não está ruim. É verdade que está contingenciado, mas está todo o mundo contingenciando. Mas o homem da tesouraria veio dizer que as perspectivas são melhores do que eu imaginava, dá para manejar.

O Ipea não tem concurso público desde 2008, certo?

Concurso, nem pensar. E tem este problema: gente próxima de se aposentar. O Ipea tem 300 mil técnicos, mas se recorre muito a terceirizado e bolsista. Mas não acho que esse é o grande problema. Os trabalhos estão muito dispersos, com espectro muito amplo de coisas. Aparentemente não houve direcionamento para um programa de pesquisa. Até porque, talvez, não tenha tido demanda do próprio governo para focar mais as coisas.

Há um receio de perda de autonomia com relação às demandas do governo?

Nenhuma. Tenho total liberdade para orientar os trabalhos de acordo com o que a gente tem de vantagens comparativas.

O sr. poderia dar um exemplo do que quer mudar?

Questões muito ligadas à política em si. Essa diretoria de instituições e democracias. O tema é relevante, mas eu não sei se se encaixa no escopo do Ipea.

Por quê?

Porque a sigla já diz tudo. O social está ligado ao econômico. Logo, questão de emprego, de política de rendimentos, distribuição de renda, empregabilidade, isso sim. Agora, quando começa a discutir, desculpe, políticas de gênero… não tem nada a ver. Precisa fazer ginastica intelectual para justificar isso. Não que eu seja contra.

Estudar democracia, tudo bem. Só que dispersa coisas que outras instituições mais habilitadas podem fazer.

Na transição, o sr. coordenou o grupo de finanças públicas. Como avalia a questão?

Sempre foi meu diagnóstico que o nosso desequilíbrio fiscal é a raiz de todos os nossos problemas. Precisamos fazer as reformas que estão sendo propostas. A começar pela principal, que é a da Previdência. Mas tem outras importantes: a do Estado, a do pacto federativo, que vai permitir uma melhor alocação de recursos.

As privatizações podem reduzir a dívida e despesas com juros, que é um encargo totalmente ruim porque é dar para rentista um Plano Marshall por ano. Eu é que fiz essa conta para Paulo Guedes e cheguei aos R$ 400 bilhões.

Mas o governo está num embate com o Congresso, como avançar?

É uma questão complicada. Na verdade, o pacto federativo não faz nenhuma maldade, tem a ver com melhor alocação de recursos. Já a reforma da Previdência tem por trás, vamos dizer entre aspas, um saco de maldades. Vai atingir o velho, o aposentado. É mais complicada politicamente. É algo que beneficia a sociedade como um todo, dá segurança para investimento. Agora, mexe com a vida das pessoas e isso cria embate político perfeitamente compreensível.

O governo está enfrentando isso de modo adequado?

O governo gostaria de atingir o R$ 1,1 trilhão, mas a gente sabe que não vai ser isso tudo. O que a gente não quer é que fique em R$ 300 bilhões, R$ 400 bilhões. Aí é só um remendo. E, nesta altura da vida, eu e os outros cabeças brancas dizemos “fazer sacrifício para conseguir more of the same” (mais do mesmo) não interessa.

Isso já foi dito pelo ministro e assustou o mercado…

Disse claramente. Ele é um homem plenamente realizado, é um empresário de muito sucesso. Tem um patrimônio colossal. Não precisa de nada disso, está aqui cumprindo missão. Quase que um apostolado, uma coisa quase que mística.

O ministro é o principal fiador da reforma… Ele tem essa posição de destaque e mesmo os que são contra ele respeitam a capacidade técnica, a inteligência. Mesmo sendo de Chicago, todo o mundo respeita (risos). No meu tempo de Ipea, quando o cara vinha de Chicago, era chicagão. E ele sofreu muito com isso no início da carreira. Ele passou no Ipea, mas viu que o ambiente não era lá muito propício a Chicago e foi buscar a turma dele.

A reforma passa neste ano?

Sim. A questão é saber que reforma. Se ela for muito mutilada, vai ser mais um remendo. Isso interessa? Mais um remendo para que em alguns anos tenha que se fazer outro? Não é essa a proposta. A gente veio para deixar um legado. Cumprir uma missão. Ninguém precisa de emprego. Até porque, desculpe, está muito mal pago.

Da FSP