Por que evangélicos pressionam pela mudança da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém

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O presidente Jair Bolsonaro recuou, ao menos por enquanto, da sua promessa de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, gesto que significaria reconhecer a cidade milenar como capital israelense, na contramão do entendimento das Nações Unidas e da maioria da comunidade internacional.

No lugar, anunciou neste domingo a criação de um escritório de negócios. A troca, porém, não satisfaz lideranças evangélicas no Brasil, que cobram o cumprimento da promessa lembrando dos votos importantes que o segmento garantiu na eleição presidencial de 2018.

Refletindo as pressões, Bolsonaro afirmou, nesta segunda, que a mudança da embaixada continua na pauta do seu governo. “Tem o compromisso, mas meu mandato vai até 2022. E tem que fazer as coisas devagar, com calma, sem problema”, disse, em seu segundo dia de visita a Israel.

Foram também os evangélicos que lideraram a campanha nos Estados Unidos para a troca da embaixada – o presidente americano, Donald Trump, implementou a medida em maio de 2018, o que animou a Guatemala a mover sua representação diplomática também para Jerusalém dias depois.

Com exceção dos dois países, as demais nações mantêm embaixadas em Tel Aviv, já que Jerusalém é considerada sagrada por judeus, cristãos e islâmicos, e reivindicada como capital também pelos palestinos.

A diplomacia brasileira, historicamente, adota equilíbrio no trato do conflito entre israelenses e palestinos, mas Bolsonaro tem promovido uma aproximação inédita com Israel, motivado, em especial, pela influência de grupos religiosos. Para lideranças evangélicas, o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel atende a preceitos bíblicos.

“Grande parte dos evangélicos são favoráveis à mudança da capital. Então, nós estamos atendendo um anseio de grande parte da população, não é da minha cabeça, não é algo pessoal meu”, disse o próprio Bolsonaro em entrevista ao canal SBT logo após tomar posse.

Na ocasião, ele disse também que “a decisão (de mudar a embaixada) está tomada, está faltando apenas definir quando que ela será implementada”. No entanto, a oposição dos militares, preocupados com a tradição diplomática brasileira, e do agronegócio, que teme perder mercado nos países árabes, freou os planos do presidente.

Além do aspecto religioso, a aproximação de Bolsonaro com Israel também se insere num alinhamento de sua administração com outros líderes de direita no mundo, caso do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.

Em Israel, porém, a transferência da embaixada extrapola divisões religiosas e políticas e recebe apoio majoritário da população judia – maioria entre os israelenses. Pesquisa do The Israel Democracy Institute realizada em maio de 2018, ocasião da mudança da representação americana, mostrou que 68% dos judeus em Israel consideravam que a medida atendia aos melhores interesses do país.

Outro levantamento, realizado pela Universidade de Maryland (EUA) apontou que 73% dos judeus israelenses eram favoráveis à imediata transferência e apenas 5% eram totalmente contra.

Estudiosa da relação entre política e religião, a professora da Universidade do Norte do Texas Elizabeth Oldmixon explica que o apoio de lideranças evangélicas a Israel decorre de sua crença de que “a promessa bíblica de Deus da Terra Santa ao povo judeu é literal e eterna”.

Para esses cristãos, adeptos do “dispensacionalismo”, o retorno dos Judeus à Terra Santa – ou seja, o estabelecimento de Israel – é necessário para a volta de Cristo.

“Quando a segunda vinda (de Cristo) ocorrer, haverá uma atribulação marcada por guerra e desastre natural, durante a qual Cristo derrotará o mal, e o povo judeu aceitará a Cristo como o Messias”, ressalta a professora ao explicar a crença de parte dos evangélicos em artigo sobre o tema.

A questão nos Estados Unidos é especialmente importante para evangélicos brancos, destaca Oldmixon. Segundo o centro de pesquisa Pew Research Center, esse grupo perfaz um quinto do eleitorado americano e um terço dos que simpatizam com o Partido Republicano, de Donald Trump. Na eleição de 2016, ele recebeu 81% dos votos desse segmento.

Não à toa, a cerimônia de abertura da embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém, em 14 de maio, aniversário de 70 anos da criação de Israel, contou com sermões de dois importantes pastores evangélicos americanos. Robert Jeffress, da Primeira Igreja Batista de Dallas, fez a oração de abertura, enquanto John Hagee, do ministério Cristãos Unidos por Israel, realizou a de encerramento.

Líderes evangélicos ouvidos pela BBC News Brasil no início do ano defendiam a transferência da embaixada brasileira até abril, mês em que se iniciam as celebrações pela independência de Israel. Sem qualquer perspectiva de data, intensificaram a cobrança agora lembrando do peso do seu rebanho nas eleições.

“Eu acho que vai ficar chato para ele se ele não cumprir. Os evangélicos tiveram um peso forte em sua eleição. É uma comunidade para ele pensar direitinho”, disse à BBC News Brasil o pastor Silas Malafaia, ligado à Assembleia de Deus.

“Ele (Bolsonaro) falou para mim que vai fazer por etapas. Ele não está abrindo o escritório dizendo que esta é a decisão final. Ele vai fazer paulatinamente”, afirmou também.

Já o pastor e deputado federal Marcos Feliciano cobrou uma mudança rápida em seu Twitter: “Respeito a abertura do escritório, porém o segmento evangélico, 1/3 do eleitorado brasileiro, q deu uma vantagem de 11 milhões de votos ao presidente @jairbolsonaro garantindo sua eleição, confia q ele cumprirá sua palavra e em breve mudará a embaixada brasileira para Jerusalém”, postou.

A proximidade com Israel e a defesa da troca de embaixada, porém, não é consenso entre todos os grupos evangélicos do Brasil. Magno Paganelli, que acaba de concluir uma tese de doutorado na USP sobre o turismo pentecostal em Israel, ressalta que “essa atenção a tudo quanto envolva Israel é mais pronunciada entre as igrejas que chamamos neopentecostais, surgidas desde o final da década de 1970”.

Nesse grupo, ele destaca em especial a Universal do Reino de Deus, Plenitude do Trono de Deus, e Renascer em Cristo. Já as mais antigas, como metodistas, presbiterianas e batistas, dão “atenção moderada” a essa questão.

Segundo Paganelli, o “evangélico médio” não entende quais as razões atuais que para que a embaixada não fique em Jerusalém.

“Há uma confusão generalizada sobre o moderno Estado de Israel e os judeus dos tempos bíblicos, e esses evangélicos de hoje não conseguem distinguir uma coisa de outra”, afirma.

“O que grande número desses evangélicos sabe, e ainda parcial e enviesadamente, é que Israel foi escolhido por Deus no passado e que há promessas para se cumprirem na vida do Israel étnico, ou seja, os judeus que creem no Messias. Quantos judeus messiânicos há em Israel hoje? Não se sabe porque o número é pequeníssimo. Aí está, a meu ver, parte da confusão feita por evangélicos brasileiros e norte-americanos que se encantam por tudo o que tem a marca judaica acriticamente”, acrescenta.

Na avaliação do professor Arie Kacowicz, especialista em América Latina do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Hebraica de Jerusalém, a transferência da embaixada não ocorrerá porque o Brasil tem interesses econômicos e relações com os países árabes e com o Irã.

Historicamente, governos brasileiros têm sucessivamente renovado seu apoio por negociações que estabeleçam dois Estados, um israelense e um palestino. Durante a administração de Michel Temer, o país apoiou resolução da ONU contra a transferência da embaixada americana.

“O Brasil se manteve equidistante entre Israel e seus vizinhos. Acho que isso (o reconhecimento de Jerusalém como capital israelense) não vai acontecer. Será uma mudança radical na política externa brasileira (caso ocorra)”, respondeu Kacowicz à reportagem, por email, no início do ano.

Países árabes e muçulmanos são grandes compradores de produtos agropecuários, sobretudo açúcar, milho e carnes de frango e bovina produzida conforme os preceitos islâmicos – o método halal.

Da BBC