Da Revolução dos Cravos, preferimos os espinhos

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Conheci seu Lino assim que cheguei. Era um senhor simples que conduzia um taxi na saída do aeroporto. Silêncio. Sabe, dona, digo para a senhora, com orgulho, que o nome desta ponte é 25 de abril. Já foi Ponte Salazar. Não é mais, graças a Deus. Silêncio. O Tejo, pela janela, encheu meus olhos. De tristeza. De inveja.

Não encontrei uma pessoa em Portugal que defendesse a ditadura. Há conservadores de direita na terrinha, sim, mas o sentimento geral da população é de orgulho por ter derrubado um governo ditador. De coragem por ter feito uma revolução de um de golpe de Estado.

Enquanto 31 de março era incrivelmente festejado no Brasil, conheci jovens portugueses, que abriram um evento no interior de Portugal, cantando Chico Buarque. Tanto Mar. Tanto que meus olhos se viram novamente invadidos. Eram os preparativos para o 25 de abril e ironicamente fazemos parte dessa festa nacional.

Chegou o dia de comemorar a Revolução dos Cravos. E para nós, brasileiros, de amargurar. De amargar passado e presente inglórios. Nos preparamos para a festa portuguesa com Sérgio Moro estampado nos jornais, em plena faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, discutindo anticorrupção. Ele, um ex-juiz “condecorado” por seu papel político em um dos episódios mais desonrosos de nossa história. Ele, agora ministro da Justiça, de um governo militarizado, envolvido com a máfia carioca e reconhecido por diminuir direitos sociais e políticos. Foi aplaudido. E nem mesmo quando evidenciou que o direito à defesa é relativo e corre riscos, deixou de ser aplaudido. Cravos murcharam, em revolta.

Não somos dignos de cantar convosco esta primavera de 48 anos, pá. Perdemos o velho cravo guardado, queimamos a semente esquecida n’algum jardim. Tanto mar, tanto mar e preferimos navegar contra a maré do conhecimento e da dignidade que enche os povos de orgulho.

Preferimos por ora os espinhos.