Presidente do senado (PSL) autoriza colegas a ocultarem gastos com verba de gabinete

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Eleito presidente do Senado com a promessa de mudar as práticas políticas da Casa , o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) decidiu nesta semana delegar aos senadores o direito de tornar secretas as notas fiscais de gastos realizados com a verba indenizatória de gabinete.

A medida do presidente do Senado foi amparada em um parecer da área jurídica da Casa, editado em 2016, durante a gestão do emedebista Renan Calheiros (AL). No documento em questão, o Senado rejeitou o pedido de um parlamentar que queria obter cópias, por meio da Lei de Acesso à informação (LAI), de notas fiscais apresentadas à Casa por um ex-senador e adversário político.

Para rejeitar o pedido, os técnicos do Senado argumentaram que a divulgação das notas fiscais de gastos com a verba pública da Casa deveria ficar “a critério de cada parlamentar”. Os próprios senadores poderiam, na visão do Senado, decretar o sigilo sobre as próprias notas fiscais, caso entendam que elas estão submetidas às regras de sigilo fiscal estabelecidas pela Receita Federal, por abrigarem dados pessoais como o endereço e CPF. Há anos, porém, a Câmara divulga as notas fiscais de gastos dos deputados, sem incorrer em quebra de “sigilo fiscal”.

Alcolumbre invocou o entendimento da Casa em causa própria, ao decidir negar ao GLOBO o fornecimento de cópias de notas fiscais de gastos realizados por ele em três pequenas gráficas de Brasília. Somadas, as despesas, realizadas entre 2014 e 2018,totalizam cerca de R$ 1 milhão .

Após o caso vir à tona, funcionários do Senado pressionaram a diretoria da Casa para que fosse dada “uma satisfação” mais clara sobre o assunto. Diante da insistência do senador em manter as notas em sigilo, a área de transparência informou na terça-feira que coube ao próprio parlamentar decidir pela não divulgação do documento.

“Informamos que, acerca do fornecimento das cópias da integralidade do arquivo de documentos referentes à Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar dos Senadores, a Advocacia do Senado Federal entendeu que caberia ao próprio parlamentar optar pela disponibilização total ou parcial das notas fiscais de seus gastos públicos à consulta pública, ou que deveria ser realizada mediante solicitação da autoridade que presidisse investigação que versa-se sobre má utilização dos recursos públicos, em procedimento formal de controle, no âmbito do processo regular fiscalizatório, com as garantias do devido processo legal”, registrou o Senado em nota.

A assessoria de Alcolumbre disse, em nota, que os serviços de gráficas contratados pelo senador com recursos públicos foram para a produção de revistas, jornais e folders de divulgação de ações do mandato dele em 16 municípios do Amapá. O presidente do Senado informou ainda que a lei da transparência “não implica necessariamente na ostensividade de todos os dados envolvidos na realização de tais despesas, nem garante o acesso livre aos respectivos comprovantes”.

“Ao longo do mandato, o senador Davi Alcolumbre gastou um pouco mais que R$ 250 mil, por ano, em material gráfico. Pelos motivos aqui apresentados, reiteramos a regularidade das contratações feitas por Davi”, completa a nota do senador.

Especialistas da área de transparência ouvidos pelo GLOBO repudiaram, nesta quarta-feira, o entendimento do Senado. Juliana Sakai, da Transparência Brasil, classificou o posicionamento de “absurdo”.

– Fere a transparência, a publicidade e a prestação de contas. Ao afirmar que a apresentação de notas só seria feita desde que “autoridade que presidisse investigação” assim o exija, o Senado afirma que a sua prestação de contas não é com a população que paga pela cota parlamentar, e tenta diminuir o cidadão no papel de fiscalizador do Estado. Em outras palavras, a postura do Senado é de responder à autoridade, não à sociedade civil.

Ela também rebateu o argumento de que uma nota fiscal não pode ser apresentada por causa do sigilo de dados pessoais de senadores.

– É um completo delírio. Ainda que houvesse, o Senado poderia ocultar a informação pessoal a dar acesso ao restante do conteúdo. É vergonhoso que, após sete anos de Lei de Acesso à Informação, o Senado ainda apresente uma postura tão opaca em relação aos seus gastos.

Fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco disse que não deve ser do arbítrio do parlamentar divulgar ou não as notas fiscais de suas despesas.

– Transparência é como gravidez. Não há meia gravidez ou meia transparência. A transparência tem que ser plena. Os recursos utilizados para a execução desses serviços gráficos foram públicos, decorrentes dos impostos que pagamos. O cidadão tem o direito de conhecer todos os detalhes dessa despesa, inclusive, obviamente, as notas fiscais correspondentes. O homem público tem o dever de prestar contas.

Para Marina Atoji, secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, o ato de negar acesso às cópias de notas fiscais de senadores é incompatível com o princípio constitucional da transparência pública e um favor à corrupção. Para ela, a justificativa de sigilo fiscal não se sustenta.

– A Lei de Acesso garante que, em caso de documentos cujo conteúdo seja apenas parcialmente sigiloso, eles sejam fornecidos com ocultação das partes sigilosas (com uso de tarjas, por exemplo). E se o fornecimento da íntegra das notas fosse de fato violação de sigilo fiscal, a Câmara dos Deputados estaria cometendo essa ilegalidade há anos. Ela fornece todas as notas ativamente.

Na semana passada, O GLOBO revelou que há três meses o setor de Transparência do Senado se recusava a fornecer as notas fiscais de Alcolumbre. A reportagem entrou com três pedidos e dois recursos na Casa solicitando acesso aos comprovantes. A LAI regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas, o que é o caso de notas fiscais, que revelam qual destino os parlamentares têm dado ao dinheiro público.

O Senado conta com um moderno parque gráfico justamente para atender a demandas dos senadores. O maquinário imprime com sistemas de última geração inclusive em braile. O parque se mantém ativo há 47 anos, sendo responsável publicações oficiais, técnicas e da atividade legislativa, como registra o site da Casa. O que levou o senador Alcolumbre a dispensar a megaestrutura oficial para gastar o dinheiro da verba de gabinete nesses comércios de pequeno porte em Brasília é outro ponto sem resposta.

Um dos servidores da área de Transparência do Senado disse ao GLOBO ter recebido ordens superiores para não revelar o conteúdo de três notas fiscais que resumem os gastos. Por meio do Portal da Transparência da Casa, é possível apenas obter um resumo das despesas. Como o Senado se recusa a revelar a íntegra das notas, não é possível saber, por exemplo, quais serviços foram prestados.

Na Arte e imagem Gráfica e Editora, um estabelecimento do tamanho de uma sala de reuniões localizado no Plano Piloto de Brasília, o senador deixou R$ 256.980,00 em 2017. O dono da gráfica, Daniel Ribeiro Soares, disse ao GLOBO que não se lembrava de ter prestado qualquer serviço e que não sabia nem mesmo o nome do senador.

– Foi feito um trabalho, lá, mas não me recordo o nome do senador, não – disse Soares, por telefone.

Questionado se era normal não se lembrar de um negócio avaliado em R$ 256 mil, o dono da gráfica tentou fazer um esforço de memória.

– Qual que é o ano (da impressão)? Eu vou confirmar para você. Pode me ligar na segunda-feira? Não estou em Brasília – justificou.

O GLOBO retornou o contato. O dono da gráfica continuava sem saber especificar qual serviço havia prestado, sugerindo apenas que poderia ter sido a impressão de 30 mil exemplares de uma revista.

– Foi uma revista. Eu não lembro o título. Não sei se foi material do partido dele, lá. É alguma coisa do trabalho dele, que ele exerceu.

O dono da gráfica também não soube explicar como fez a entrega dos 30 mil exemplares em Macapá, reduto eleitoral de Alcolumbre, que fica a mais de 2,5 mil quilômetros de Brasília.

Outras duas gráficas de Brasília emitiram notas de serviços em nome de Alcolumbre. A Gráfica e Editora Paranaíba e a Start print Comunicação Visual estão registradas no mesmo endereço em Brasília. A Start print está no nome de Luiz Flavio Armondes Moreira, enquanto a Paranaíba consta como sendo de propriedade de sua mãe, Maria Flavia Armondes Moreira, de 62 anos. Na primeira empresa, os serviços totalizam R$ 492 mil. Na segunda, o gasto pago pelo Senado foi de R$ 279.580,00.

De O Globo