STJ joga fora chance de fazer história libertando Lula

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Nesta terça, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julga, a partir das 14h, com transmissão ao vivo por seu canal no Youtube, o Agravo Regimental a Recurso Especial que contesta a condenação do ex-presidente Lula a 12 anos e um mês de prisão, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá. Condenado no dia 12 de julho de 2017 pelo então juiz Sérgio Moro — hoje ministro da Justiça de Jair Bolsonaro — a nove anos e meio de reclusão, Lula teve a sentença confirmada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal na 4ª Região no dia 24 de janeiro de 2018, mas com elevação da pena.

No dia 07 de abril daquele ano, Lula foi preso. A 5ª turma do STJ é formada pelos ministros Felix Fischer, Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan ParcioniK. O caso reúne todos os elementos para um julgamento histórico, recuperando balizas do Estado de Direito no país. Mas, para ser franco, não creio que vá acontecer. E acho que a condenação de Lula será referendada pelo tribunal, a despeito do que dizem os autos.

Vivemos dias de tal sorte surrealistas que o STJ, em sua página, informa que se vai julgar algo que o próprio Sérgio Moro, juiz original da condenação, diz não ter acontecido. Falo sério. E nem por isso se vai recobrar a sobriedade nesse e em outros casos. Está escrito o seguinte na página do tribunal: “De acordo com a ação penal, Lula teria recebido vantagem indevida em contrato da construtora OAS com a Petrobras. Além disso, o ex-presidente teria ocultado e dissimulado a titularidade do apartamento no litoral paulista.” De fato, a denúncia do Ministério Público diz isso.

Ocorre que, ao condenar Lula, Moro ignorou os contratos como causa da condenação. Mais do que isso. Em embargos de declaração, ele afirmou explicitamente que nunca considerou que os ditos-cujos teriam gerado os recursos que resultaram no apartamento — que, de resto, não se provou pertencer ao petista. Escreveu Moro: “Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”. Perceberam? O próprio STJ diz que vai julgar uma causa de condenação que o juiz que condenou diz não ter existido. Mas então por que Moro condenou e o TRF-4 referendou? Explica-se nas palavras de Moro: “A corrupção perfectibilizou-se com o abatimento do preço do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas, não sendo necessário para tanto a transferência da titularidade formal do imóvel”. Acontece que não há uma miserável evidência de que existisse essa tal “conta geral de propinas” no caso da OAS. Quem se saiu com essa foi Leo Pinheiro, que comandava a empreiteira, em depoimento prestado quando estava preso.

No Recurso Especial, que é este julgado pelo STJ, a defesa de Lula alega a ausência de correlação entre a denúncia e a condenação — o que, diga-se, Sérgio Moro confessou de próprio punho quando afirma jamais ter sustentado que o tríplex tivesse origem nos contratos. Os advogados também sustentam que, se é como diz Moro — se o caso nada tem a ver com os contratos da OAS com a Petrobras — então não seria ele o juiz do caso, uma vez que lhe cabia cuidar exclusivamente de ocorrências havidas na empresa. Apontam ainda que, contra Lula, não há um só ato de ofício, uma só decisão, uma só evidência.

A condenação se baseou no depoimento de um empresário preso — interessado em obter delação premiada, acrescento eu. Felix Fischer, relator do caso, já disse “não” a todos os óbices da defesa, numa estranha decisão monocrática. E a defesa, então, entrou com agravo regimental, para que a questão seja avaliada pela turma. Numa democracia convencional e em dias normais, a confissão que fez Moro — segundo quem os contratos com a OAS não estão na origem do apartamento — bastaria para anular o processo já que o então juiz, ao julgar Lula, ignorou a denúncia que o tornou réu e o condenou por uma convicção extraprocessual, formada com base num único depoimento. Mas não creio que vá acontecer, uma vez que a condenação e a prisão de Lula se tornaram atos e fatos políticos que vão muito além da lei.

Como esquecer, afinal, o tuíte do general Villas Boas, então comandante do Exército, às vésperas de o Supremo julgar um recurso que poderia pôr o petista em liberdade? Lembro: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.”

No que respeita ao processo, lembre-se: caso se confirme a condenação, restarão os embargos de declaração, para que se esclareçam eventuais passagens obscuras da decisão. No STJ, não há embargos infringentes — que supõem uma nova votação quando há posições divergentes em favor do réu. Se a defesa não for bem-sucedida, resta o Recurso Extraordinário ao Supremo. Para lembrar: a defesa de Lula havia entrado com habeas corpus no STF contra a decisão monocrática do ministro Feliz Fischer, que havia decidido sozinho, em ato monocrático, rejeitar o Recurso Especial no STJ.

O julgamento era virtual, mas o ministro Gilmar Mendes, da Segunda Turma, pediu destaque, o que o obrigava a ser presencial. Como a defesa do ex-presidente havia recorrido também ao próprio STJ para que o caso fosse apreciado pela turma, marcou-se, então, o julgamento do agravo para esta terça. Como se nota, tudo o que diz respeito a Lula tem obedecido a um andamento de exceção. É bom que se lembre que as ADCs — Ações Declaratórias de Constitucionalidade — que tratam, como reza o nome, da constitucionalidade ou não do Artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê, em caso de condenação, a prisão apenas depois do trânsito em julgado — estão prontas para julgamento desde dezembro de 2017.

E, até agora, nada! E tudo porque existe o… caso Lula. Sim, tanto é constitucional o artigo que ele repete o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O Supremo autorizou, mas não impôs, a prisão antes do trânsito em julgado. Ao fazê-lo, ignorou a letra explícita da Constituição. Resumo da ópera: ainda que houvesse provas contra Lula no caso do tríplex — não há —, ele estaria preso contra o que dispõem o Artigo 283 do Código de Processo Penal e contra o que define o Inciso LVII do Artigo 5º. A prisão só poderia acontecer depois de julgado o Recurso Extraordinário no Supremo. Ainda vamos nos envergonhar destes tempos — e parte da imprensa é cúmplice da agressão à Lei e à Constituição em razão de sua devoção à Lava Jato. Quiçá isso passe, como passaram outras ditaduras de pensamento — ou da falta dele.

Do UOL