A história do sapo barbudo que desatou o nó Górdio: Lula é um gigante

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Por Nereu H. Cavalcante*

Na literatura mundial e também na linguagem falada são comuns as fábulas e as lendas, como sapos que eram príncipes encantados e, ao desencantarem, revelavam sua natureza humana e principesca de forma espetacular. Isto nas fábulas.

Já as lendas são feitas mais para adultos. A cultura grega antiga é riquíssima em mitologia e lendas magníficas a tal ponto que, em certas ocasiões, a lenda se mistura com a realidade. É o caso que une a lenda do nó górdio e Alexandre, O Grande.

Essa lenda é comumente usada como metáfora de um problema insolúvel resolvido facilmente (desatando um nó impossível) por ardil astuto ou por pensar fora dos paradigmas.

Narra a lenda que o rei da Frígia (Ásia Menor) morreu sem deixar herdeiro e, ao ser consultado, o Oráculo respondeu que o sucessor chegaria à cidade num carro de bois. Chegou à cidade então um camponês de nome Górdio, atendendo a tais características, sendo por isso coroado rei.

Górdio, para não esquecer o seu passado humilde, colocou sua carroça, com a qual ganhou a coroa, no templo de Zeus (Górdio lenda, Zeus mitologia). Ele então amarrou a carroça com um enorme nó a uma coluna do templo; um nó impossível de desatar.

Górdio morreu e deixou seu filho Midas como herdeiro do trono. O Oráculo foi consultado novamente e declarou que quem desatasse o nó de Górdio dominaria todo o mundo.

Passaram-se quinhentos anos sem que ninguém conseguisse desatar o nó até que no ano de 334 a.C. (aqui a lenda funde-se com a realidade) Alexandre, O Grande, ao passar pela Frígia, ouviu a respeito da lenda e, como era próprio de sua pesonalidade, foi até o templo de Zeus observar o feito de Górdio.

Analisou a corda e, com pragmatismo, praticidade e inteligência (características que o fizeram vitorioso em muitas batalhas), desembainhou a espada e, em um golpe, rompeu o nó.

Cortar o nó Górdio se tornou a expressão para resolver um problema complexo de maneira simples e eficaz. Vamos trazer essa fábula do sapo e a lenda do nó Górdio como metáforas para a realidade contemporânea brasileira.

 

O nó górdio do Brasil

Vivemos um momento de muita ignorância histórica e política, a tal ponto de a população eleger, para presidente da república, um indivíduo despreparado intelectual e psicologicamente, com aspectos que deixam transparecer até mesmo algum tipo de demência, além de baixíssimo grau de raciocínio. O povo repetiu, de maneira piorada, o erro já contumaz de acreditar em promessas de reconstrução. Façamos uma retrospectiva para entender melhor.

Os militares afundaram a economia do país e jogaram o povo na miséria. No entanto, pouco se fala disso atualmente. Os militares, para tomarem o poder, usaram como justificativa a dívida externa do país na época em que governava João Goulart.

Foi assim que romperam com a democracia e derrubaram o governo popular, legitimamente eleito, de Jango. Na época de sua deposição, a dívida externa brasileira era de 80 milhões de dólares. Os militares, para bancar o golpe e o tal “ milagre econômico”, endividaram o Brasil às custas de dinheiro fácil, sem preparar o país para qualquer abalo externo.

E esse abalo aconteceu com a crise do petróleo em 1973, quando, no período de um ano, o barril sofreu um aumento de 400%. Os militares largaram o governo com uma dívida de 230 bilhões de dólares, pois não sabiam mais o que fazer.

O nosso nó, portanto, não foi atado pelo personagem Górdio, mas pelo regime militar, que promoveu uma grave crise econômica, com muito desemprego, hiperinflação e uma dívida externa estratosférica. Assim começa a nossa história, com diversos proponentes que tentaram desatar o nó.

 

O primeiro a se lascar

Cada governo criou planos econômicos mirabolantes para resolver o problema da crise, pois a vida do brasileiro estava insuportável. José (Ribamar) Sarney (Ferreira) de Araújo Costa foi um vice presidente da República do Brasil que assumiu a cadeira de presidente após a morte do titular,  Tancredo de Almeida Neves.

É bom que se diga que ambos conviviam muito bem com o regime militar e a eleição de Tancredo não foi um sufrágio universal, mas uma votação por um Colégio Eleitoral, feita no dia 15 de janeiro de 1985. No pleito, Tancredo foi eleito com 480 votos (72,4%) contra 180 de Paulo Maluf (27,3%). Em outras palavras, o regime ainda estava sob a tutela dos militares.

José Sarney então criou o plano cruzado. A ingênua população brasileira acreditou e entrou de sola: muita gente foi realizar o sonho de ser empresário, como abrir um pequeno comércio ou uma oficina de costura. Sem mercado consumidor, a população acabou desempregada e desesperada.

Na época, o ódio aos militares era grande, pois já se sabia que eles eram a causa daquela crise sem precedentes. Com o povo à beira da revolta, era preciso apagar o potencial incêndio.

Dilson Domingos Funaro era um empresário de sucesso naquele tempo. Sua empresa Trol, fabricante de plásticos e brinquedos, cresceu a ponto de rivalizar com a líder do ramo, Brinquedos Estrela. O que muitos pensaram? Oras, que Dilson Funaro seria o homem certo para acabar com aquela crise. Tornou-se ministro da fazenda.

Por esta época, o presidente do Banco Central, Afonso Celso Pastore, fez uma peregrinação com “chapéu na mão”, ao estilo pedinte, de banco em banco no exterior. Mesmo mendigando um empréstimo ao Brasil, em todas as tentativas saiu de mãos e chapéu vazios. O Brasil não tinha dinheiro nem crédito.

Em outra ocasião, o governo obrigou a Petrobrás a contrair um empréstimo de 50 milhões de dólares e repassá-lo para o Banco Central, já que a Petrobrás tinha crédito e o Brasil não, ficando a Petrobrás com a dívida.

O plano cruzado naufragou junto com o seu ministro “Fudilson”, apelido dado a Dilson Funaro de modo nada gentil por um povo com ódio e sem esperança.

Mas a direita, que não dorme de touca, já estava preparando outra enganação. E, diga-se de passagem, é muito fácil enganar uma população ignorante…

 

O caçador de marajás

Ele podia tudo. Fernando Collor de Mello demitia e prendia os “marajás”, que eram, na verdade, funcionários públicos com altíssimos salários. Estes foram transformados em inimigos públicos do país, os “responsáveis” pela péssima situação do Brasil. A direita sabe bem que, para enganar o povo, é preciso criar um inimigo comum que canalize o ódio da população, tal como Hitler fez contra os judeus.

Collor, pelo que noticiava todo dia (e o dia todo) a Rede Globo, tinha transformado o Estado de Alagoas, onde foi governador, na terra dos sonhos, na terra prometida, numa espécie de Shangri-la do agreste. Por isso, o povo acreditou que ele poderia fazer o mesmo pelo Brasil.

Até quem morava em Alagoas acreditou no estelionato eleitoral assistindo o próprio lugar sendo retratado como uma maravilha pelo Jornal Nacional. Mesmo que a panela estivesse vazia…

Quando governador, Collor demitia funcionário público sem ter poderes para isso, bem como prendia sem ser juiz. Mas muitos foram “enfeitiçados” pela Rede Globo, num ilusionismo mágico da telinha. Toda aquela promessa de coisas maravilhosas estava ali, bem pertinho, bastava um voto no semideus, Fernando Collor de Mello.

Para ajudar na eleição, outra tática além da terra prometida foi tranformar Sarney numa espécie de Judas a ser malhado. Foi assim que Collor fez o seu nome, pois o povo já tinha esquecido quem havia começado toda a crise (o regime militar).

Paralelamente a tudo isto, corria por fora, como candidato da esquerda, um retirante nordestino. Sua mãe era uma mulher forte que, para não deixar os filhos morrerem de fome, saiu de Pernambuco em 1952 para um futuro incerto no “sul maravilha”, pois, àquela época, São Paulo pertencia à região Sul do país. Lula foi educado por Dona Lindu dentro dos melhores conceitos de respeito, honestidade e ética.

Após eleito, Collor de Mello, o “salvador da pátria”, andava com Zélia Cardoso a tiracolo, sua ministra da fazenda superpoderosa. Novamente os incautos, desta vez movidos por paixão, montaram empresas para ficarem riquíssimos, verdadeiros nababos. Afinal, o caçador de marajás havia derrotado o detestável José Sarney (a essa altura ninguém mais falava do legado maldito dos militares).

Collor, com seu plano aventureiro, insensato e maluco, deixou  a população afundada em dívidas e miséria. Os que restaram otimistas por ainda terem um dinheirinho se viram em uma situação na qual a perspectiva era poder se alimentar de merda; enquanto os pessimistas temiam que a merda não fosse suficiente para todos…

Collor não durou muito tempo (caso durasse, o Brasil teria se extinguido). Após nove meses, ele foi impichado pelo Congresso Nacional. Assim, assumiu o governo Itamar Franco, um nacionalista sensato.

 

Um sopro de esperança

Não se sabe até hoje que raios Itamar Franco foi fazer na mesma chapa de Collor. Mas para o povo e para o país foi melhor assim. Itamar deu um certo ar para o povo respirar, mas o oxigênio era pouco para o tanto necessário. Era preciso um plano econômico.

Como sabemos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) sempre tem planinho pronto, na gaveta, para “salvar” (ou subjugar) seus clientes endividados. Itamar implantou o plano do FMI sob a supervisão de Fernando Henrique Cardoso, que nunca foi economista e não entendia nada da matéria.

Enfim, Itamar sabe-se lá porque, nomeou FHC como ministro da fazenda. Neste ato específico, o governo ficou parecido com o atual, que nomeia pessoas para pastas com as quais não têm a menor afinidade ou conhecimento.

Então, o abominável da vez passou a ser Collor (cujo governo e cujo plano econômico FHC apoiou até o impeachment). E o salvador? Oras, o “príncipe”, o intelectual Fernando Henrique Cardoso. Ele, com sua cultura, iria finalmente fazer resplandecer o grande Brasil.

 

O príncipe que virou… girino

Começou com força o plano real, que precisava de dinheiro (de muito dinheiro!). Para isso, o FMI liberou o crédito, abriu o cofre e lançou o Brasil em uma dívida imensa. A nossa dívida externa, lembremos, foi um dos motivos alegados pela direita e por seus soldadinhos de chumbo, os militares, para depor João Goulart.

FHC, nos mesmos moldes da irresponsabilidade e insensatez do governo militar, estourou a nossa dívida externa com um rombo para mais de 900 bilhões de dólares. Criou-se, ainda, uma massa descomunal de desempregados, além da inflação, que já tinha voltado para os dois dígitos.

Para justificar a volta da inflação, chegaram a dizer que ela seria culpa da ameaça de Lula se tornar presidente. Assim, pelo medo e pela mentira (e pela compra de votos de parlamentares para aprovarem a reeleição), FHC se tornou novamente presidente.

A direita nunca assumiu a culpa por afundar o país. Nas eleições, a tática era incriminar o PT por sequestros e assassinatos para influir na opinião pública. Só depois de passado o pleito é que aparecia a inocência do PT e até mesmo o envolvimento da polícia para criar o que hoje chamamos de fake news. Nome novo, prática velha.

O plano econômico conduzido pela equipe de Fernando Henrique, o tal plano real, zerou a inflação artificialmente. E zerou também o Brasil. Tanto é que no início de seu primeiro mandato faliram, apenas na grande São Paulo, mais de 100 mil empresas, tornando muitos empresários sonhadores em desempregados, junto com os seus antigos funcionários.

No primeiro mandato, estes foram os “méritos” de Fernando Henrique. Mas ele era príncipe, ora. Bastou ir à TV com seu ar intelectual e prometer que resolveria tudo, absolutamente tudo, se tivesse a oportunidade de mais um mandato, na sequência.

Assim lhe foi dado um segundo mandato. Ou melhor, comprado. Deputados encheram os bolsos para mudar a Constituição e permitir que o príncipe continuasse seu reinado de areia. Aliás, o que mais temos visto até hoje no país, como regra, é o desrespeito à Constituição.

O resultado do plano econômico “milagroso” de FHC foi a falência da economia do país, uma dívida externa imensa e de novo uma massa descomunal de desempregados.

E agora? “Maldito Fernando Henrique!”, pensou a maioria do povo. A única opção para tentar desatar o nó górdio ficou nas mãos de ninguém menos que um “Sapo Barbudo”, apelido que o combativo Leonel Brizola deu ao companheiro de várias batalhas (e algumas divergências) Lula.

 

O sapo barbudo e sua espada

Já que nem o diabo (ou os diabos) conseguiram desatar o nó górdio brasileiro, muitos pensaram: “que se dane, vou de Lula”. Para o povão, mesmo manipulado, não tinha muita saída.

Já haviam passado pela cadeira presidencial: militares que prometeram acabar a inflação com tiro de canhão, um semideus caçador de marajá e um príncipe intelectual sem noção. Só o diabo não se sentiu apto para ser presidente naquele tempo (mas parece que ele resolveu se eleger em 2018). Uma maldição.

Já a direita, que estava mal na fita, pensou: “que se entregue tudo na mão do peão para que ele se lasque; depois de seu fracasso, a gente volta por cima”. Ledo engano…

Foi assim que, em 2002, a “Esperança Venceu o Medo”. Luís Inácio Lula da Silva, o “Sapo Barbudo”, foi eleito presidente do Brasil com todos os adjetivos pejorativos que já são comuns para pessoas de sua origem.

Lembremos que a direita é preconceituosa, tem ódio de pobres e da esquerda. Lula era chamado de analfabeto, comedor de calango, peão chão de fábrica, comunista… Toda a direita dizia: “ele vai meter os pés pelas mãos, vai fazer uma lambança e nós pegamos o país de volta com a esquerda desmoralizada, o que nos deixará livres, sem aporrinhação”.

Erraram. Erraram rudemente.

O sapo barbudo tirou sua espada da bainha e, enfim, cortou o nó górdio da economia brasileira. Pagou totalmente a dívida externa, que era apelidada de dívida eterna, e ainda deixou de crédito um “colchão” de mais de 350 bilhões de dólares, para suportar qualquer abalo oriundo de crises internacionais.

Da décima quinta economia do mundo, onde nos deixara o intelectual Fernando Henrique, o Brasil de Lula passou a ser a sexta economia do mundo, caminhando a passos largos para ocupar a quinta posição, já prevista pelos mais importantes institutos de estudo da área.

O sapo barbudo levou o Brasil pela primeira vez ao melhor grau de investimento (investiment grade), sendo aprovado por todas as agências classificadoras de risco, como a Standard & Poor, Fitch Ratings e Moody’s.

Elevou o salário mínimo de 78 dólares para 210 dólares, enquanto reduziu o valor do dólar de R$ 3,00 para R$ 1,78, não por decreto, mas pela pujança da nossa economia. Foram criados 11 milhões de empregos novos.

Adotou, ainda, a política de reajuste do salário mínimo sempre acima da inflação; abriu crédito para o povo; baixou a taxa de juros Selic de 27% para 11%; tirou 23 milhões de pessoas da linha de pobreza; criou 214 escolas técnicas, 10 universidades federais e 45 extensões universitárias; recuperou 70% das estradas rodoviárias; e deixou 3 estradas de ferro em andamento.

Ele reconstruiu a indústria naval, nos orgulhando com a construção do primeiro submarino nuclear brasileiro, com a avançadíssima tecnologia francesa que incorporaríamos, mas cujo projeto está para ser interrompido pela política do acéfalo Bolsonaro.

Lula comprou caças suecos com tecnologia embarcada para ser de nosso domínio. Sob sua maestria, a Petrobrás progrediu tanto a ponto de se posicionar para ser uma das 5 maiores empresas de petróleo do mundo.

Descobriu-se com Lula o pré-sal, foram feitas as hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antonio, além de ser tirada do papel a transposição das águas do Rio São Francisco, um projeto de Dom Pedro II.

 

O Brasil não merece mais nós

A direita cometeu erro crasso ao achar que Lula fracassaria. Ele não só fez o melhor mandato da história do Brasil como deixou o governo com 87% de aprovação (ótimo e bom), além de eleger sua sucessora duas vezes. Após Dilma, o movimento natural seria Lula eleger outro candidato ou ele mesmo voltar à presidência.

Mas a ideia da contiuidade de um mandato popular, voltado ao povo, à inclusão e à justilça social era demasiadamente assustadora para uma direita tacanha, preconceituosa, entreguista, escravagista, criminosa, cafona e pé rapada.

E foi com muita mentira, calúnica, injustiça e trapaça que a direita brasileira derrubou a presidenta Dilma, por meio de um golpe parlamentar. Mas o golpe não estaria completo se não neutralizassem o “sapo barbudo”.  Ele poderia voltar.

É importante, porém, que todo o povo brasileiro se lembre de duas coisas essenciais: 1) Lula desatou o nó górdio; 2) Lula não é apenas uma lenda. Ele é real, é um homem cujos valores sólidos reverberaram na realidade e no cotidiano de milhões de brasileiros.

E, mesmo tendo sido fantástico o desatar do “nó górdio” da economia do país, é preciso que o povo recorde que o ocorrido não é lenda, que foi possível um dia e que ainda é.

É preciso despertar na gente brasileira a memória de seu passado recente, para que ela saiba que desatar todos os nós do país ainda está a nosso alcance. O que o Brasil viveu com Lula é tão real quanto podem testemunhar os registros históricos e os fatos ainda presentes na memória vívida das pessoas lúcidas que testemunharam essa saga. Não há cela que possa encarcerar um gigante.

*Nereu H. Cavalcante é filósofo e ex-sindicalista do Sincato dos Petroleiros.