Bolsonaro pode, sim, querer atacar a Venezuela. De olho nele!

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Por que estamos todos fingindo que o presidente Jair Bolsonaro não está falando em atacar a Venezuela quando, obviamente, ele está? Seria loucura? Seria. Acontece que Bolsonaro está cercado por um bando de loucos. É gente que gosta de brincar de joguinhos de guerra. É certo que borraria os fundilhos ao primeiro tiro. Mas os corajosos da saliva sabem que, no caso de o pau comer, não serão eles a ir para o confronto. Nesta sexta, houve a solenidade de formatura de uma turma do Instituto Rio Branco. Faltaram ao evento Monga, a mulher-gorila, e o homem-borracha. Viu-se de tudo.

Bolsonaro conseguiu ler um discurso no teleprompter, daquele seu jeito, aos soquinhos, muito próprio de quem foi apresentado só recentemente às orações subordinadas. Na introdução, resolveu improvisar. E premiou a língua e o pensamento com esta maravilha de concordância e sapiência política e moral, referindo-se aos diplomatas:
“Quando os senhores falham, entram nós, das Forças Armadas, e confesso que torcemos, e muito, para não entrarmos em campo”.

A ignorância gramatical é espantosa. Mas a política é ainda maior. A patronesse da turma é Aracy Guimarães Rosa, mulher de João Guimarães Rosa, o escritor. Trabalhando no consultado do Brasil em Hamburgo durante o regime nazista, conseguiu driblar uma proibição e fazer com que o cônsul assinasse, sem saber, vistos de entrada de judeus em nosso país. Pois é… Em 1938, justamente porque a diplomacia falhou, Daladier, presidente do Conselho da França, e Chamberlain, primeiro-ministro do Reino Unidos, assinaram o vergonhoso Acordo de Munique, que garantiu a Hitler o controle dos Sudetos — e, na prática, da Checoslováquia. Churchill os brindou com a frase inesquecível: “Entre a desonra e a guerra, escolheram a desonra e terão a guerra”. Às vezes, a diplomacia só funciona quando há a guerra.

Ou por outra: não são elementos contrastantes, como faz crer Bolsonaro, mas expressões da relação entre os países. De toda sorte, sua reflexão não tinha esse endereço — se reflexão fosse. É claro que ele estava dizendo, mais uma vez, que nenhuma opção está descartada na Venezuela. E o fez à sua maneira: quando a diplomacia falha, então entram os militares. Ocorre que os militares não tomam a decisão. Nas democracias, esta cabe aos civis. O presidente sugere uma autonomia que inexiste. No Brasil, quem autoriza ou não a guerra é o Congresso Nacional. Não são os militares. Não é o presidente da República.

Há dias Bolsonaro vem fazendo provocações baratas, a sugerir que a eventual intervenção militar na Venezuela ou a autorização para que tropas americanas usem o território brasileiro como apoio é de sua alçada. Não é. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, já deixou isso claro. David Alcolumbre, presidente do Senado, também. Nem seria necessário. Bastaria ao presidente ler o Artigo 49 da Constituição.

Em entrevista, ele explicou o seu brilhante raciocínio com uma refinada antítese:
“Eles (diplomatas) que nos evitam entrar em guerra. Muito simples. Quando acaba a saliva, entra a pólvora. Não queremos isso. Temos que tentar a solução dos conflitos de forma pacífica, é isso. Se não tiver como, em um hipotético conflito, resolver na diplomacia, aí cada país decide se vai pelas últimas consequências ou não.”

A propósito: Ernesto Araújo, seu ministro das Relações Exteriores, que o comparou a Jesus Cristo na cerimônia, manteve um encontro fora da agenda com o agitador de extrema-direita Steve Bannon. E, pasmem!, a pauta era a Venezuela. O primeiro homem do Itamaraty debate um tema com essa importância com um arruaceiro internacional.

DE NOVO, ARGENTINA
Numa cerimônia no Itamaraty, na casa da diplomacia, Bolsonaro voltou a falar sobre a Argentina. Ele já o tinha feito na quinta-feira — escrevi a respeito —, quando afirmou explicitamente que o povo daquele país não deve votar em Cristina Kirchner. Não lhe basta, num Brasil quebrado, investir na pantomima belicista contra a Venezuela. Ele agora se reserva o direito de dizer qual é o melhor destino para outro país vizinho. Eis o presidente, o Cristo redivivo, que, segundo Araújo, eleva o Itamaraty a patamares inéditos.

A sabujice de ministro, destaque-se, parece cruzar um tanto a linha daquela larga faixa que os especialistas em comportamento definem como normalidade.

MUITO CUIDADO!
Ainda que pareça loucura, não estou convencido de que Bolsonaro descarte a aventura militar. Como o Congresso não lhe daria autorização para isso, seria preciso saber o tamanho da crise que ele está disposto a provocar. Até agora, tem sido um especialista em apagar incêndio com gasolina. E, como sabemos, ele tem a pretensão de não recuar nunca.

Na “live” de quinta, um dado chamou a minha atenção. O general Augusto Heleno, considerado o seu grilo falante mais influente, foi além do razoável para um ministro de Estado ao acusar parte do generalato venezuelano de comandar o narcotráfico no país. Já escrevi a respeito, e tudo indica ser isso verdade. Documentos do Departamento de Estado dos EUA — anteriores à era da loucura comandada por Danald Trump — e testemunhos de dissidentes do bolivarianismo o atestam. O chavismo, lembrem-se, era aliado das Farc. As Forças Armadas da Colômbia apreenderam armamento venezuelano com os narcoguerrilheiros.

Quando, no entanto, a acusação é feita por um ministro com a importância que tem Augusto Heleno, é bom acender o farol amarelo da advertência. Uma intervenção militar capitaneada pelos EUA naquele que passaria a ser, então, um narcoestado, estaria mais justificada moralmente. Com o apoio efetivo do Brasil, estaríamos diante de um desastre a ser mensurado; sem ele, o país se reduziria à dimensão de quintal e de espectador da crise.

Em suma, não descartem a estupidez!

Querem ver? Neste sábado, Juan Guaidó pretende promover marchas rumo aos quarteis. Nem preciso dizer por que é uma escolha temerária. Digamos que elas aconteçam, reunindo muitos milhares. Na hipótese virtuosa imaginada pelos organizadores, os soldados abandonam as suas posições e se juntam ao povo. Mas nunca se sabe… E se a massa resolver avançar contra os soldados? Um morticínio em massa daria a justificativa que falta para o ataque americano. O Brasil, que perdeu a condição de mediador natural da crise, com a sua “diplomacia de sangue nas veias” (segundo Araújo), faria o quê?

Em suma: tanto Trump como Bolsonaro apostam, no fim das contas, que a intervenção é, sim, possível desde que se encontre uma boa justificativa humanitária — que, esperam, será dada pelo regime de Nicolás Maduro.

Sabem o que isso significa? Usar a saliva como pólvora na esperança de poder usar a pólvora como saliva.

Do UOL