Contra falas sem sentido de Bolsonaro, técnicos de órgão federal defendem radares

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Contrariando o discurso do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que anunciou nas redes sociais a retirada de radares de rodovias federais, a área técnica do governo levou à Justiça um estudo preliminar, feito em abril, que aponta a necessidade de ampliar os trechos monitorados.

Segundo o estudo preliminar do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), obtido pela Folha, 8.031 faixas precisam de monitoramento (radar comum ou lombada eletrônica) nas rodovias federais de todo o país, o que demanda cerca de 4.000 equipamentos —cada radar cobre, na maioria dos casos, duas faixas.

Hoje, há em operação somente 265 aparelhos que monitoram 560 faixas no Brasil inteiro, considerando apenas as rodovias federais que não estão concedidas à iniciativa privada. O Dnit já liberou a instalação de mais 516 radares, que vão cobrir outras 1.038 faixas.

Para atingir o total necessário ainda será preciso cobrir mais cerca de 6.400 faixas. É sobre esse “resíduo” que a Justiça pretende chegar a um acordo para garantir a continuidade e a eficiência do monitoramento, ameaçado pelo discurso de Bolsonaro.

Os dados do Dnit, ligado ao Ministério da Infraestrutura, foram entregues no último dia 30 à juíza Diana Wanderley, da 5ª Vara Federal em Brasília, durante audiência pública no âmbito de uma ação popular que questiona o anunciado fim dos radares.

Em 10 de abril, a juíza suspendeu, em decisão liminar (provisória), a retirada de radares até que o governo apresente estudos técnicos que embasem uma mudança na política de segurança das estradas.

A ação popular foi ajuizada pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) e acabou encampada pelo Ministério Público Federal. O que a motivou foi uma transmissão pelo Facebook, feita em março, na qual Bolsonaro prometeu extinguir o uso dos equipamentos.

“Decisão nossa: não teremos mais nenhuma nova lombada eletrônica no Brasil. As lombadas que porventura existem, e são muitas, quando forem perdendo a validade, não serão renovadas”, disse.

Depois dessa fala, segundo a liminar da juíza, o Ministério da Infraestrutura emitiu nota esclarecendo que suspendeu o programa de monitoramento por orientação do chefe do Poder Executivo —o que, pelo exame inicial da magistrada, caracterizou ingerência indevida da União no trabalho do Dnit, que deveria ser técnico.

Na audiência pública realizada para discutir saídas, os técnicos apresentaram um estudo semelhante ao das gestões anteriores, com algumas diferenças nos níveis de criticidade de trechos de rodovias, mas, defendendo o monitoramento, segundo a juíza.

“Não foi apresentada outra alternativa [que não radares] nesses pontos onde foram feitos os levantamentos preliminares após a decisão [liminar] do juízo”, disse Diana à Folha.

“Fizeram uma análise dessas faixas, que variam de acordo com o grau de criticidade. O estudo preliminar conta isto: graus máximo, médio e baixo que precisariam de monitoramento. Até então não foi apresentada nenhuma informação de algum outro mecanismo de proteção que pudesse substituir os radares naqueles trechos e quais seriam esses trechos.”

Pelo governo, participaram da audiência judicial representantes do Dnit, da AGU (Advocacia-Geral da União) e do Ministério da Infraestrutura.

Procurado desde quinta (2), o Dnit não respondeu aos pedidos de informação feitos pela reportagem. O ministério, acionado nesta terça (7), também não se manifestou.

A magistrada remeteu previamente aos participantes da audiência um roteiro com pedidos de informação. Um dos temas questionados foi sobre quanto o governo arrecadou nos últimos dois anos com multas de radares e qual foi a destinação dada ao dinheiro. A administração informou não dispor dos números.

O presidente Bolsonaro defende a tese da “indústria de multas”, embora o governo não disponha de informações.

A proposta de conciliação feita ao governo pelo Ministério Público na audiência, considerada “razoável” pela magistrada, prevê que o Dnit instale em até 60 dias ao menos 30% do número de radares que estiver faltando para cobrir as 8.031 faixas. O governo tem até sexta-feira (10) para responder se aceita ou não.

Diana Wanderley apontou na audiência que, além de radares, o governo deve “prever mais informações pedagógicas aos condutores” e advertiu que agentes públicos podem ser responsabilizados nas esferas cível, administrativa e criminal caso as mortes nas rodovias aumentem.

Para a juíza, é estarrecedor que existam só 265 radares em operação em todas as rodovias federais do país. “[O problema] Não vem de agora, é uma questão estrutural”.

De acordo com os dados do DNIT, o estado de São Paulo tem 35 trechos críticos em rodovias federais que precisam de radares ou lombadas eletrônicas —13 deles na BR-101 (Rio-Santos). Em Minas Gerais, foram identificados 488 trechos críticos.

Na segunda-feira (6), um homem de 41 anos e uma mulher de 39 morreram em um dos trechos críticos de Santa Catarina, na BR-470 , no município de Apiúna. Em um local de pista simples, um caminhão invadiu a contramão e bateu no carro do casal, segundo a Polícia Rodoviária Federal. A polícia investiga o acidente e a velocidade da carreta.

Do km 87 ao km 99 da BR-470 (o acidente foi no km 96), área de criticidade considerada “muito alta”, os dados do Dnit apontam que deveria haver cinco lombadas eletrônicas. Conforme a tabela de radares em operação, não há aparelhos no local hoje.

Da FSP