Especialistas alertam que função esportiva pode ocultar intenção de uso das armas

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A assinatura do decreto que muda as regras para uso de armas provocou forte reação entre especialistas do setor. Em comum, a avaliação é que a decisão do governo de permitir uma maior circulação de armas possa potencializar o número de conflitos armados no país.

Em nota, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública informou que a iniciativa do governo é “claramente uma tentativa de driblar o Estatuto do Desarmamento”. “O Fórum Brasileiro de Segurança Pública vê com bastante preocupação a assinatura do decreto presidencial para facilitar o acesso a armas de fogo e munições a caçadores, atiradores e colecionadores. A medida  ignora estudos e evidências que demonstram a ineficiência de se armar civis para tentar coibir a violência em todos os níveis”, diz a entidade, que reforça:

“Além de contrariar a legislação atual, o decreto carece de uma análise do Congresso Nacional, e parece ter sido feito sob medida para agradar alguns eleitores do atual presidente da República, que dá sinais claros de realmente acreditar que Segurança Pública começa dentro de casa”.

José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, avalia o risco de pessoas usarem o título de frequentadores de clube de tiros para reforçar o armamento em casa.

— A quantidade de pessoas que estão utilizando esse rótulo de atirador, que é uma função esportiva, para se armar e portar armas carregadas vai aumentar com a permissão do decreto presidencial. Isso vai ampliar muito o risco, até para as pessoas armadas — disse.

O ex-secretário faz ainda um alerta:

— É um estoque que vai ser alvo do interesse de criminosos. Em vez de facilitar a segurança, eu tenho certeza que vai dificultar.

A regulamentação do direito ao porte dos CAC, de casa até o local em que realizará suas atividades, também é a principal crítica do Instituto Sou da Paz. Há cerca de 250 mil brasileiros nessa classificação com posse de mais de 350 mil armas.

Ivan Marques, diretor executivo do Sou da Paz, avalia que muitas pessoas nessas condições já foram furtadas ou se envolveram em desentendimentos ou mesmo que não respeitaram a regra do trajeto limitado.

— O presidente privilegia um grupo pequeno da população brasileira para a manutenção de um hobby ou um esporte em detrimento da segurança pública — diz.

Ivan também chama atenção para o aumento no limite de munições para arma de uso da população em geral — chamas de “armas de uso permitido” — de 50 para 5000 munições por ano. As armas de colecionadores, atiradores e caçadores, assim como agentes das Forças Armadas e de segurança, possuem restrições próprias de munição na categoria “uso restrito”.

— Quantos tiros essas pessoas precisam dar para defesa pessoal? Se a pessoa tem três armas, ela terá o direito de adquirir 1500 munições para cada. Um policial militar em São Paulo, por ano, pratica com 700 tiros. Me parece que há um afago na indústria de armas, para venda de munições.

Para Alexandre Fuccille, professor da Unesp e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed), a liberação de armas não tem refletido em diminuição da violência.

– Os exemplos pelo mundo mostram que o êxito (na diminuição da violência) se deu por mudanças de melhoria social, inclusão social, mas também por meio de inteligência e monitoramento. Isso sim é importante para combater o crime organizado e o crime transnacional, e não armar a população e achar que ela vai responder satisfatoriamente.

De O Globo