Filosofia, a inimiga pública número 1 do ‘novo’ Brasil

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Deveria ser impossível, mas é fácil na verdade entender o desprezo que o governo Bolsonaro nutre pela Filosofia.

Temos um presidente que devolve respostas simples para os mais complexos problemas do Brasil e do mundo, respostas que satisfazem as inquietações de seus eleitores, hoje educados por meio de fake news no Whatsapp, sectários youtubers e pela tal “mídia alternativa”, um eufemismo para um jornalismo tosco que prescinde de um dos princípios mais elementares da ética jornalística: fundamentar-se no que seja factual, ou seja, restringir-se aos fatos.

Neste universo de linguagem simplificada e rasa, qualquer resposta sofisticada e problematizadora é descartada como uma excentricidade de acadêmicos ideologicamente enviesados.

Um presidente eleito sustentando a retórica de que “governaria sem viés ideológico” dota agora todos os seus atos e falas com uma esmagadora e constrangedora carga ideológica. Bolsonaro adora repetir a conveniente citação bíblica “Conheça a verdade e a verdade vos libertará”, como se ele detivesse e defendesse esta verdade libertadora, mas esquece-se de um versículo bem mais apropriado a seu caso: “por que vês o cisco no olho de teu irmão, mas não reparas na trave no teu olho?”

Ideologia é assim, só a vemos turvando o olho do outro.

Esta política de apontar os erros e falhas de seus inimigos o conduziu ao poder, e é esta atitude que mantém a sua base mobilizada e inflamada. “Os inimigos estão por todos os lados e nós, que conhecemos a verdade e somos livres, vamos destruí-los de uma vez por todas para que o Brasil não sucumba diante da ameaça vermelha.” Bem-vindos de volta à Guerra Fria!

Esta polarização político-ideológica, tão característica do mundo pré-Queda do Muro de Berlim, caiu como uma luva para este discurso simplificador do Bolsonaro: de um lado estão os justos – cristãos conservadores armamentistas não necessariamente muito democráticos – e do outro, os maus – comunistas comedores de criancinhas que trabalham dia e noite para a destruição da civilização ocidental, e aqui você reúne o PT, o PSOL, o MST, George Soros e até Barack Obama.

Os professores de Filosofia certamente engrossam as fileiras inimigas destes anacrônicos comunistas, ousando ensinar Marx, Gramsci e filósofos da Escola de Frankfurt a seus incautos alunos, doutrinando-os para se tornarem militantes nesta guerra cultural. Pois, para Bolsonaro e seu novo ministro da Educação, é exatamente para isto que servem os cursos de Filosofia, para formar comunistas malévolos.

Não surpreende que o guru ideológico deste governo seja o mais anti-intelectual dos pensadores, o Rasputin da Virgínia, o autoproclamado filósofo que nutre um desprezo absurdo pela quase totalidade dos filósofos que se imortalizaram nesta Terra. Em suas “aulas”, que no fundo nada mais são que sessões ególatras e ataques virulentos contra seus desafetos, não poupa insultos a Foucault, Nietzsche, Marx (principalmente a Marx), nem Popper se salva, a quem o guru chama de “cretino”. Para ele, o Iluminismo foi um tremendo equívoco, o bom mesmo era a Idade Média, para onde retornaremos se não encontrarmos meios para deter esta onda obscurantista e fundamentalista.

A Filosofia se tornou a inimiga número um.

Por quê?

Porque esta sim é libertadora, porque empreende a busca infatigável pela verdade, cônscia de que a verdade é sempre ou provisória ou inalcançável mesmo. Jamais a verdade poderia ser revelada, já que ninguém a detém. Na Filosofia, não há respostas prontas, nem simplórias. Ela propõe a dúvida e reitera a permanente reflexão. E disto eles realmente têm medo.

Da Carta Capital