Financial Times diz que Bolsonaro busca consolidar dinastia no poder

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Um é conhecido como “pitbull”. O outro está envolvido em um escândalo de corrupção. O terceiro é um direitista entusiasta das armas que busca expandir um movimento populista por todo o Brasil e pela América Latina.

Depois de quatro meses de governo do presidente Jair Bolsonaro, seus três filhos emergiram como uma força poderosa que está mudando a política brasileira.

Isso alimentou temores de que eles estejam exercendo influência política indevida e buscando consolidar uma nova dinastia política, em um país com um histórico longo e contencioso de política familiar.

“Os filhos dele têm uma influência sem precedentes”, disse Aline Souza, analista da consultoria política Prospectiva. “O governo Bolsonaro já rompeu com os moldes tradicionais de governança. Um exemplo disso está exatamente no relacionamento dele com os filhos.”

“A palavra correta é dinastia”, acrescentou Esther Solano, professora de ciência política na Universidade Federal de São Paulo.

“A situação que temos é a de que votamos em alguém para presidente mas na verdade os filhos dele detêm poderes governamentais. Temos um clã familiar no governo”, ela acrescentou.

Um motivo para que a questão seja controversa é que Flávio, Carlos e Eduardo —os três filhos de Bolsonaro, por ordem de idade— vêm falando sem medir palavras desde a posse de seu pai em janeiro.

Nos Estados Unidos, Ivanka Trump e Jared Kushner, filha e genro do presidente Donald Trump, mantêm perfil discreto, comparado ao dos filhos de Bolsonaro, que subiram ao palco político brasileiro com uma combinação de invectivas na mídia social e presença visível na formação de políticas.

“Eles têm a palavra final sobre tudo. Isso é um fato. O presidente não confia em outras pessoas”, disse o comentarista político William Waack. “Não é fofoca. Bolsonaro mesmo fala publicamente sobre o quanto seus filhos são importantes.”

Eles exercem o poder de muitas maneiras, de ditar publicamente as prioridades políticas a falar em nome de seu pai, disse Malu Gatto, professora assistente brasileira no University College de Londres.

“Eles são vistos como representantes de seu pai, por muita gente no governo”, ela acrescentou.

Criados em bases militares, os filhos de Bolsonaro começaram a usar armas de fogo aos cinco anos de idade, de acordo com seu pai, capitão reformado do Exército que foi eleito presidente por maioria esmagadora em outubro. De lá para cá, eles se transferiram ao campo da política, e levaram com eles uma mentalidade de atirar primeiro e fazer perguntas depois.

Carlos Bolsonaro, 36, vem ocupando posição central na política brasileira; sua lealdade feroz ao pai lhe valeu o apelido “pitbull”. Oficialmente vereador no Rio de Janeiro, Carlos coordenou a campanha de seu pai nas mídias sociais, durante a eleição, e recebe muito crédito por ter ajudado o candidato, no passado uma figura isolada, a expandir dramaticamente sua base política.

Ele se tornou uma espécie de porta-voz extraoficial do presidente brasileiro, recorrendo à mídia social para atacar potenciais adversários, entre os quais, recentemente, o vice-presidente Hamilton Mourão.

Em um tuíte na semana passada, Carlos atacou Bill de Blasio, prefeito de Nova York, depois que o presidente brasileiro decidiu não visitar a cidade. A decisão surgiu como resultado de protestos de ambientalistas, de defensores dos direitos dos gays e do prefeito DeBlasio em pessoa, contra a decisão da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos de honrar Bolsonaro em um evento de gala na cidade.

“Jair Bolsonaro precisa impedir que qualquer pessoa ocupe uma posição centrista. Ele só conseguirá manter o poder se não houver centristas para desafiá-lo. É isso que Carlos está fazendo. Ele dá forma ao debate”, disse Eduardo Mello, professor na Fundação Getulio Vargas.

O papel de Carlos na política interna é complementado na frente internacional por seu irmão mais novo, Eduardo.

Deputado federal e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, Eduardo na prática vem exercendo o papel de chanceler, viajando nos últimos meses aos Estados Unidos, Hungria e Itália para criar relacionamentos com outros populistas de direita.

Seu escritório em Brasília é decorado com balas de fuzil emolduradas, bonecos de Ronald Reagan e Donald Trump e um boné com o lema “Trump 2020”.

Em fevereiro, ele prometeu “recuperar a soberania surrupiada pelas forças elitistas globalistas progressistas”, ao ser nomeado como líder latino-americano do The Movement, a organização política populista criada pelo ideólogo americano Steve Bannon.

Ele também recebeu grandes elogios de Trump, ao orquestrar um encontro entre o americano e Jair Bolsonaro em março.

“Eduardo Bolsonaro tem uma agenda de política externa muito forte. A visita à Casa Branca foi muito simbólica. Foi ele, e não o ministro das Relações Exteriores, que acompanhou o pai na ocasião”, disse Souza.

Flávio, o filho mais velho, optou por manter um pouco mais de discrição. Desde a posse de seu pai, o senador pelo Rio de Janeiro se viu envolvido em um escândalo persistente de corrupção relacionado a pagamentos suspeitos, que em determinados momentos atraiu mais atenção do que o governo de Jair.

“Existe uma briga interna no governo [em Brasília]. Há pessoas que querem trabalhar dentro do sistema e há pessoas que querem derrubar o sistema. Meu entendimento é que os filhos são os principais líderes da segunda facção”, disse Mello. “Bolsonaro não confia em muita gente, e por isso se cercou de parentes.”

De acordo com um assessor do presidente, que falou sob a condição de que seu nome não fosse citado, “os filhos não vão se afastar do pai”, e o pai “não vai defender publicamente as pessoas que estão sendo atacadas por seus filhos”.

“Há tanto interesses racionais quanto emoções irracionais em ação quanto a isso”, disse o assessor.

Os filhos não responderam a pedidos de comentários.

Muita gente acredita que os Bolsonaros tenham consolidado sua posição na lista de dinastias políticas latino-americanas, que inclui os Kirchner, de esquerda, na Argentina, e os Fujimori, de direita, no Peru.

O vice-presidente Mourão aponta que, embora a política brasileira sempre tenha tido clãs familiares influentes, nenhum se espalhou pelos escalões mais altos do poder como os Bolsonaros.

“Já tivemos clãs familiares… Era uma coisa limitada à política estadual e a algumas posições no governo federal. Mas jamais tivemos um caso como esse”, disse ele recentemente ao Financial Times.

Porque é impossível demitir um filho do posto de filho, os analistas predizem que a influência deles continuará a crescer até que surja uma intervenção de outra facção dentro do governo, por exemplo as Forças Armadas.

“Em geral, os resultados de dinastias como essas nunca são bons para os países”, disse Mauricio Santoro, professor de relações internacionais na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Da FSP