Mudança nas regras da Lei Rouanet não gera apagão cultural

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Mesmo com as mudanças em curso, a Lei Rouanet deve permanecer o principal mecanismo de incentivo à cultura no Brasil. Representantes do setor cultural avaliam que a magnitude das mudanças é bem menor do que se imaginava quando Jair Bolsonaro, um dos mais ferrenhos críticos ao mecanismo de incentivo, foi eleito.

O que se desenhava como apagão cultural no horizonte, preocupando museus e orquestras, por exemplo, foi alarme falso para alguns, embora o desmonte de programas de incentivo das empresas estatais tenha enxugado parte das verbas do setor.

Instituídas pelo Ministério da Cidadania em abril, as novas regras diminuíram o limite máximo de captação de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão por projeto, mas a nova regra contempla tantas exceções que pouco mudará na prática. Planos anuais de instituições, projetos na área de patrimônio cultural e museus, por exemplo, ficaram de fora do limite máximo estabelecido.

“Fico feliz que o ministério tenha contemplado a situação específica dos museus e do patrimônio porque são áreas que de fato demandam especificidade”, diz o diretor institucional da Pinacoteca, Paulo Vicelli. “A exceção aos planos anuais e plurianuais deve fazer com que a programação do museu não seja prejudicada.”

José Olympio Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo, concorda e afirma que a preservação dos planos anuais é positiva para instituições sem fins lucrativos. “A mudança representa um aperfeiçoamento da norma”, acredita. Segundo ele, a Bienal não trabalha com busca de novas formas de financiamento por causa das transformações na Rouanet.

Também fazem parte das exceções a conservação, a construção e a implantação de equipamentos culturais e a manutenção de salas de cinema e teatro em municípios com menos de 100 mil habitantes —as novas regras não determinam valor máximo para esses casos.

A instrução normativa também permite que outros projetos tenham um limite mais folgado, de R$ 6 milhões —óperas, festivais, concertos sinfônicos, desfiles festivos e corpos artísticos estáveis. Datas comemorativas nacionais, eventos literários e exposições de artes visuais também terão o teto ampliado.

“O setor ainda está tentando entender como as regras vão funcionar”, afirma Cristiane Olivieri, advogada especializada no mercado cultural.

Para ela, os impactos serão sentidos com mais força no segundo semestre. “A maior parte da captação é feita no final do ano, e muitos produtores não terão espaço para apresentar novos projetos por causa dos limites.”

A Rouanet, aliás, representa uma fatia pequena de todos os instrumentos de renúncia fiscal no país: 0,5% do que o Brasil deixa de arrecadar em impostos com programas de incentivo.

De acordo com pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas sob encomenda do Ministério da Cultura, entre 1993 e 2018 ela foi responsável por movimentar quase R$ 50 bilhões. O número supera o valor da renúncia fiscal concedida pelo governo federal, que totalizou R$ 31 bilhões desde 1993, em valores corrigidos.

Ainda assim, a lei e o próprio setor se tornaram alvos de Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Críticos da Rouanet denunciaram o suposto rombo dos cofres públicos e artistas que “mamam nas tetas do governo”. Parte da sociedade e da classe política chegou a defender a extinção do mecanismo de renúncia fiscal.

O temor de desmonte do setor ganhou força no início do governo, quando o Ministério da Cultura foi extinto e transformado em secretaria especial do Ministério da Cidadania, comandado por Osmar Terra.

Em seguida o governo federal determinou a revisão da política de investimentos em cultura de empresas estatais, e em abril a Petrobras anunciou o corte de patrocínio de 13 eventos culturais de 2019, como a Mostra de Cinema de São Paulo, o Festival do Rio, o Festival de Brasília e o Anima Mundi.

“A Lei Rouanet foi usada para cooptar parte dos artistas ‘famosos’ num projeto de poder. Em meu governo, sua utilidade será para artistas em início de carreira”, tuitou Bolsonaro, em março. Mas assim como fez em outras decisões, o presidente parece ter voltado atrás.

No dia a dia, as novas regras podem levar a uma queda do número de projetos por ano —cada proponente poderá ter o valor máximo de R$ 10 milhões aprovados. “Antes, os produtores aprovavam três ou quatro projetos para conseguir viabilizar um. Agora vão precisar fazer tiros certos”, afirma Olivieri.

Um setor atingido pelas mudanças deve ser o de espetáculos musicais, que terão de se enquadrar ao teto. Segundo produtores, isso poderia inviabilizar produções de grande porte no país.

“O alardeado limite de R$ 1 milhão não é um ajuste: é o encerramento de uma atividade que movimenta uma multidão de profissionais da área de entretenimento”, escreveu o produtor e diretor de musicais Claudio Botelho em artigo publicado pela Folha no último mês de abril.

Da FSP