No pacto de Bolsonaro, um se acha mais esperto do que o outro

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O esotérico café da manhã destinado a celebrar compromisso com a assinatura futura de um certo “pacto federativo” entre chefes de Poderes da República, celebrado na manhã da terça (28) com a pompa de um armistício, enseja ao menos duas leituras.

Ambas estão subordinadas, contudo, à mesma ideia: a de que sua visão dos fatos vai se sobrepor à dos aderentes da outra. Em resumo, é uma confraria de espertezas concorrentes, e sabemos o que acontece quando todo mundo se acha esperto. Vejamos:

1. Visão bolsonarista – Num interessante caso de marketing autorrealizável, o presidente estimulou radicalismos, voltou atrás e, quando viu que não fracassara nas ruas do domingo (26), passou a cobrar “a velha política” a dar alguma resposta. Ela ficou quieta, mas topou ir ao encontro de Bolsonaro para o tal café da manhã do “pacto”. Para o bolsonarismo, isso é um dos maiores troféus colhidos em seus parcos meses de empurra-empurra institucional.

Para os mais alarmistas, é possível ver no gesto de apaziguamento de Judiciário e Legislativo uma emulação farsesca e tropical do acordo assinado entre as medrosas potências europeias e Adolf Hitler em 1938, quando o ditador já beliscava territórios vizinhos e teve a cabeça acariciada pelo premiê britânico Chamberlain em nome da “paz em nosso tempo”.

Antes que algum desocupado nos acuse de chamar Bolsonaro de nazista, reforçamos que isso é apenas uma comparação de tática e estratégia política. O resultado para os pacificadores do Acordo de Munique de 1938 foi o morticínio de 1939-45, para não falar no planeta trincado do pós-guerra. Sob essa ótica, Bolsonaro avançaria sobre os outros Poderes.

Sem alarmismo, mesmo admitindo que estamos com falta de Churchills para consertar erros, essa visão de seus apoiadores dará gás para as franjas mais radicais do projeto bolsonarista. Reformas, isso todo mundo que pensa defende em algum grau; as maluquices que pululam por outras áreas da administração e o desgoverno no atacado são outra história.

2. Visão institucional. Aqui, os chefes do Legislativo e do Judiciário viram na abertura de Bolsonaro uma oportunidade para tentar engolir a agenda presidencial para depois regurgitá-la a seu gosto. Cabe aqui o parêntese já feito pelo cardeal Clóvis Rossi: que diabos estava fazendo lá Dias Toffoli, já que presidente uma corte que poderá analisar itens das reformas que talvez venham?

O ministro vem trabalhando há meses com a perspectiva de uma erosão institucional tão grande que necessite de intervenção coordenada, então pelos padrões de normalidade política brasileira não é exatamente uma surpresa. Mas é bastante anormal, e reforçará a autopropaganda bolsonarista de adesão generalizada ao governo.

Enfim, essa leitura vê Rodrigo Maia e o centrão, com Davi Alcolumbre a reboque e o PSDB dando uma mãozinha, fazendo o barco andar apesar das bolsonarices e sem maiores rupturas. Há muita torcida, até de gente bem intencionada. O dito mercado, que caiu em si após ter achado que Bolsonaro seria a salvação de seus resultados neste ano, já comprou a ideia de algum parlamentarismo branco.

Maia proclamou essa intenção reiteradas vezes nas últimas semanas. Resta saber se o presidente, ainda dono da caneta no sistema brasileiro, aceitará resignadamente tal roteiro.

Da FSP