Reitor da UFF declara: Não dá para fazer pesquisa de alto nível sem luz e água

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Reitor da UFF (Universidade Federal Fluminense), o professor Antonio Claudio Lucas da Nóbrega diz ver com apreensão a decisão do MEC (Ministério da Educação) de contingenciar 30% dos recursos destinados às universidades federais. “Não há como ter pesquisa de alto nível se não tenho luz e água no laboratório”, disse em entrevista ao UOL.

Os cortes, ele pontua, vêm acontecendo desde 2014, época da gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Mas agora é um “novo momento”, afirma. “E um mais grave ainda, em cima de algo que já estava grave.”

O bloqueio diz respeito às chamadas despesas discricionárias, que envolvem custos como água, luz, obras de manutenção e pagamento de serviços terceirizados, como limpeza e segurança. Mas, segundo Nóbrega, existe uma “integração” destas com as demais despesas da universidade. “A gente pode ter, por exemplo, impactos de número de vagas oferecidas para o próximo vestibular, pode ter dificuldades no funcionamento no segundo semestre.”

A polêmica nas federais teve início após uma declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de que o MEC iria cortar os recursos de universidades que não apresentassem desempenho acadêmico esperado e, ao mesmo tempo, estivessem promovendo “balbúrdia”.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Weintraub citou a UFF, a UnB (Universidade de Brasília) e a UFBA (Universidade Federal da Bahia) como alvo dos cortes. “A universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo”, disse o ministro.

As instituições reagiram, afirmando que ocupam posições de destaque em rankings nacionais e internacionais e que defendem a livre manifestação do pensamento. Após repercussão negativa, o MEC mudou o tom e passou a afirmar que o bloqueio orçamentário vale para todas as universidades federais.

Ao UOL, Nóbrega afirmou que a universidade cumpre o que diz a Constituição, que estabelece o direito à livre manifestação. “Não tem por que mudar nada e não tem nada para mudar”, disse. Leia a entrevista a seguir.

UOL – Como a UFF recebeu a notícia do contingenciamento de verbas?

Antonio Claudio Lucas da Nóbrega – Nós vínhamos acompanhando o sistema financeiro [o Siafi, Sistema Integrado de Administração Financeira], que vinha atualizando informações desde a semana passada. Mas, como ele estava em constante modificação, assumimos que era algo preliminar.

Na segunda-feira, foi definitivamente fechado o sistema com aquela informação. Mas não recebemos nenhuma comunicação do MEC. Havia apenas essa informação no sistema. Mas, como nenhum lugar dizia se era a informação definitiva, nós não tínhamos como assumir que era aquilo que aconteceria. Quando ele deu entrevista, indagado, o ministro confirmou que era.

Considerando um cenário em que o corte de 30% se confirme, quais devem ser os primeiros serviços a serem cortados pela universidade?

Na verdade, nós não definimos as aplicações financeiras dessa maneira. Temos que priorizar as ações mais básicas. Isso é decidido com a comunidade, mas a responsabilidade é da administração. Por exemplo, os itens mais básicos, como água, luz etc., a gente atende em prioridade. Então, na verdade, acaba tendo um impacto em todas as atividades da universidade. Não vamos interromper água, por exemplo, e continuar pagando luz. Não faz sentido.

O que ocorre, e é importante enfatizar isso, é que esse corte de 30% já vem em cima de um orçamento que era insuficiente. Esse corte é chamado de contingenciamento. Porque, na verdade, é um bloqueio de um crédito que já estava aprovado na lei para as universidades, pela LOA [Lei Orçamentária Anual]. É um contingenciamento que existe a possibilidade de, mais para a frente, ser descontingenciado. Mas, mesmo descontingenciando esses 30%, o nosso orçamento já era insuficiente para atender a nossa necessidade.

Quer dizer, já estamos sofrendo esses impactos. Além de termos uma dívida estrutural. Temos, por exemplo, em serviços terceirizados, alguns atrasos. Nós tivemos que redimensionar todos os contratos. Por enquanto conseguimos evitar interrupção de serviços, com racionamentos.

Quais racionamentos?

Interrompemos todos os telefones celulares, inclusive do reitor. A gente fala com os telefones pessoais. A gente não usa recurso público para pagar telefone celular, mesmo reconhecendo que é fundamental para as nossas atividades.

No pagamento das empresas terceirizadas, como já estamos sofrendo, a renovação é difícil, nossas bibliotecas tiveram um horário restrito. Algum espetáculo de teatro, por exemplo, precisou ser cancelado por falta de segurança.

São prejuízos que não interferem na atividade global até agora. Mas, com um corte de 30%, aconteceria um aprofundamento dessas dificuldades.

A mobilidade dos alunos para trabalho de campo, viagens acadêmicas dos professores. A gente vai enxugando de uma forma geral. Não tem como parar de pagar água e luz, senão você para tudo. Aí vai ter que pactuar alguma restrição de serviços oferecidos.

A permanência estudantil pode ser afetada de alguma forma por esse contingenciamento?

Certamente. Há até uma afirmação [por parte do MEC] de que não seriam impactados recursos do chamado Pnaes [Plano Nacional de Assistência Estudantil], somente os discricionários, que são esses outros gastos. Mas claro que tudo é integrado.

No restaurante universitário, para ele funcionar, tem recursos do Pnaes para o alimento. Mas a água, a luz, os funcionários terceirizados, são pagos também com recursos discricionários, não só do Pnaes. Então, poderá ter um impacto também.

Quais podem ser as consequências gerais para a UFF caso esse corte seja mantido?

O que eu acho é o seguinte: é importante a gente olhar que a universidade é muito grande, muito ativa há muitos anos. Ou seja, a gente continua tendo uma carteira de realizações muito grande. Nossa apreensão é que temos um potencial enorme para contribuir com a sociedade, entende?

Não é uma questão de que eu queira recursos para a universidade. É porque a gente compreende que o nosso papel claro que não é, digamos assim, mais importante do que tudo. Mas que, historicamente, em todos os países, é uma instituição fundamental para o desenvolvimento do país. Essa é a preocupação.

A gente ter um corte de 30% e, como eu lhe falei, em cima de algo que já era insuficiente, naturalmente diminui a capacidade de realizar da universidade. A gente pode ter, por exemplo, impactos de número de vagas oferecidas para o próximo vestibular, pode ter dificuldades no funcionamento no segundo semestre.

Considerando a qualidade de ensino oferecida pela UFF, de que forma ela pode ser afetada por esse contingenciamento?

Não há como ter pesquisa de alto nível se não tenho luz e água no laboratório. O que é interessante é que a universidade é muito resiliente. Os docentes, os alunos, os técnicos são muito entusiasmados com a descoberta do mundo, de novos caminhos.

Hoje nós sofremos muito. Os cortes financeiros não estão acontecendo só agora, é importante destacar. Esse é um novo momento, e um momento mais grave ainda, em cima de algo que já estava grave. Os orçamentos da universidade estão fundamentalmente congelados desde 2014. O investimento em ciência e tecnologia vem caindo desde então. E ainda assim, apesar desse impacto, a universidade aumentou sua qualidade nos rankings internacionais.

Claro que existe um limite, que existe uma inércia. Todo o investimento nos anos anteriores gerou uma certa capacidade de infraestrutura laboratorial e tudo mais para se continuar produzindo.

A nossa universidade, por exemplo, está em nove municípios do Rio de Janeiro e mais o município de Oriximiná, no Pará, que é uma experiência lá com a Amazônia. Em todas as grandes regiões do estado, tem UFF. Não só formando gente, estamos produzindo projetos que impactam no regional, produzindo política pública local, avaliação de barragens, descobrimento de doenças, desenvolvimento econômico e interação com as empresas locais, atendimento da população carente, assistência financeira e jurídica. Imagina uma universidade tendo que reduzir tudo isso, qual o impacto na sociedade? Na produção econômica do estado?

A declaração do ministro Weintraub foi que os cortes atingiriam UnB, UFF e UFBA, que se enquadrariam em caso de “balbúrdia” e falta de desempenho. Na terça à noite, o MEC passou a falar que o corte vai ser para todas as universidades. Qual a sua avaliação sobre esse episódio como um todo?

Como reitor, sendo responsável por uma instituição tão grande, tão importante, com dezenas de milhares de pessoas, a expectativa sempre é de poder ter um grau de interlocução, não só com o governo federal, mas com todos os órgãos.

Se há necessidade de o governo produzir um corte aqui ou ali por causa de um déficit fiscal grande, a nossa expectativa, como agentes públicos, é que sejamos chamados para conversar sobre esses problemas.

Ficamos apreensivos por ver uma notícia na imprensa que confirmava um número, que estava apenas no sistema, sem que houvesse uma comunicação do ministério. Tudo bem que o ministério não é obrigado a fazer isso. Mas a nossa expectativa, particularmente em um momento de crise, é que se busque a interlocução máxima. Esse tem sido nosso trabalho. Inclusive, quero deixar reforçado que continuo aberto, estou pedindo uma audiência com o ministro e o secretário da Sesu [Secretaria de Educação Superior].

Vou para Brasília porque eu quero apresentar a universidade ao ministro. Pode ser que ele não tenha sido apresentado à universidade no seu todo, porque a universidade é muito grande. Se eventualmente tem atividades aqui e ali que incomodem uma pessoa ou outra, pode ser que isso aconteça, porque em um país livre nem tudo o que alguém faz o outro vai gostar –desde que se tenha o limite da legalidade, da preservação do espaço público e da segurança das pessoas.

Quanto ao corte, ficamos satisfeitos, por um lado, que o ministério não vá mais estabelecer um critério que não seja técnico e explicitamente colocado. Mas lamentamos que, em vez de retroceder no corte, tenha avançado. É preocupante.

A UFF pretende mudar a orientação aos alunos em relação a eventos que ocorrem na universidade ou sobre livre manifestação de opinião?

O que nos baliza não são as pessoas. São as instituições, as leis, as regras e a nossa Constituição. Então independe de governos o que eu tenho que fazer com a universidade. Entende? Não é uma disputa de pessoas. Não existe disputa. Nós somos agentes públicos. O ministro tem a função dele, os reitores temos as nossas. Nós trabalhamos em um sistema de educação, no caso de nível superior, para um resultado que é o desenvolvimento do país, como está colocado na Constituição.

Eu entendo que nós temos que simplesmente cumprir a lei e a Constituição. Está estabelecido, lá no artigo 5º, o direito à livre manifestação. Vai continuar acontecendo de acordo com a Constituição Federal. Não tem por que mudar nada e não tem nada para mudar.

O que tem para mudar, na minha opinião, é nós aperfeiçoarmos a nossa compreensão do que acontece na sociedade. O ministro, que vem de outra área, apesar de professor universitário, aparentemente não tem essa experiência de uma universidade federal grandiosa. Vamos identificar se tem algum problema aqui ou ali –mas problema do ponto de vista de aperfeiçoar a gestão. A gente reconhece. Somos um organismo vivo, e portanto estamos sempre em transformação.

Agora, se alguém pensa, eventualmente, que no meio de tantos eventos, teve algum problema, a gente corrige –não dentro de um ponto de vista da liberdade de expressão, mas, se causou algum dano ao patrimônio, alguém cometeu alguma irregularidade ou crime. Isso se apura e se tomam as providências.

Não vou dizer que a UFF é perfeita e não tem problemas. Claro que tem, ela está incluída em uma sociedade que tem problemas. Mas de jeito nenhum tem algo a corrigir do ponto de vista do comportamento da livre manifestação.

Do UOL