Cem anos após a aprovação do voto feminino, EUA ainda não priorizam políticas públicas para mulheres

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“O direito ao voto dos cidadãos dos Estados Unidos não pode ser negado por motivo de sexo.”

Em 4 de junho de 1919, o Congresso americano aprovava a emenda constitucional número 19, que permitiu às mulheres irem às urnas escolher seus representantes pela primeira vez na história.

Cem anos depois, porém, mesmo com recorde de deputadas e senadoras alçadas ao Parlamento, os EUA não priorizam políticas públicas para mulheres e têm um governo marcado por ataques de Donald Trump a movimentos feministas.

A retórica ofensiva do presidente foi reforçada pela articulação de republicanos para tentar rever conquistas como a legalização do aborto.

Eleitas no ano passado, as 127 mulheres no Congresso (102 na Câmara e 25 no Senado) representam apenas 25% das 535 cadeiras do Legislativo, mas podem ser a chave para tirar o país de estatísticas preocupantes.

Segundo o Fórum Econômico Mundial, os EUA estão atrás de outras 50 nações quando o assunto é diminuir lacunas entre homens e mulheres e contabilizam a maior taxa de mortalidade materna entre os países desenvolvidos.

Para Cathy Russell, embaixadora dos EUA para assuntos globais de mulheres no governo Barack Obama, é preciso criar um departamento exclusivo às mulheres dentro da Casa Branca se o país quiser reverter o quadro.

Na sua avaliação, como Trump negligencia a causa feminina, é o Congresso quem deve atuar para formar um órgão federal que trate de temas que vão desde o assédio até a igualdade salarial entre os gêneros.

“O Congresso pode agir para arrumar isso. O Legislativo, recém-empossado com número recorde de mulheres, deveria estabelecer um departamento federal destinado a mulheres e a famílias que coordenaria outros. A agência seria parte do gabinete presidencial, como o diretor de inteligência nacional”, propôs Russel em artigo publicado na semana passada no jornal USA Today.

Trump tem somente três mulheres em seu primeiro escalão —as secretárias Elaine Chao (Transportes) e Betsy DeVos (Educação) e a diretora da CIA, Gina Haspel— e já menosprezou adversárias pelo fato de serem mulheres.

Durante a campanha eleitoral de 2016, por exemplo, o republicano afirmou que Hillary Clinton, que disputava com ele a Presidência dos EUA, aproveitava de sua condição feminina para conquistar o eleitorado.

“Se Hillary fosse homem, não acho que ela teria 5% dos votos”, disse Trump à época —ele perdeu para a democrata no voto popular.

Sua equipe, porém, sabe que é preciso reverter o descontentamento das mulheres se o presidente quiser ser reeleito em 2020.

Conselheiros da Casa Branca afirmam, inclusive, que estudam lançar uma campanha focada em grupos específicos, entre eles as mulheres, para tentar melhorar a imagem de Trump.

Uma das apostas é destacar o apoio que o presidente dá ao repasse de US$ 500 milhões (R$ 2 bilhões) nos próximos dez anos para financiar pesquisas e tratamento de câncer na infância, apesar de esta não ser uma política que atinja as mulheres de forma direta.

A ex-assessora de Obama explica que, durante a administração do democrata, quando também não havia um ministério ou agência exclusivos para o público feminino, políticas públicas eram desenvolvidas de forma integrada nos departamentos de Estado, Trabalho, Justiça, Saúde, entre outros.

Em 2009, além do órgão dirigido por Russel, Obama criou uma espécie de conselho para mulheres e meninas na Casa Branca, que hoje foi esvaziado.

“Os EUA abdicaram de sua liderança na promoção política e econômica das mulheres no cenário global e, ao mesmo tempo, ignoram amplamente esses problemas no próprio país. O que era uma questão de coordenação no governo Obama se transformou em uma crise total”, afirma Russel.

“A reorganização do governo nunca é fácil. Mas essa administração mostrou o que acontece quando mulheres e crianças são colocadas no fim da lista de prioridades.”

No entanto, a história mostra que esse tipo de mudança na sociedade pode ser lenta.

Levou pelo menos sete décadas para que as mulheres se organizassem e conquistassem o direito ao voto nos EUA.

O movimento sufragista começou a ganhar força em 1840, mas somente em 1919 —após protestos, prisões e até a revisão da posição do presidente da época— o Congresso aprovou a emenda à Constituição que dava a elas o direito às urnas.

Precisou ainda de pouco mais de um ano para que a norma fosse ratificada por 36 dos 50 estados e virasse uma lei nacional, em agosto de 1920.

Para a historiadora Elizabeth Cobbs, foi o racismo, e não o sexismo, que determinou esse longo atraso.

“Em 1919, as mulheres tinham vencido os argumentos de que seu voto iria ferir a fertilidade feminina, a masculinidade dos homens e a vitalidade da nação. Em vez disso, precisaram lidar com alegações de que, ao conceder o direito ao voto às mulheres negras, estariam correndo risco de recomeçar a guerra civil no país”, escreveu em artigo no The Washington Post.

Neste ano, às vésperas da corrida presidencial, há pelo menos seis mulheres entre os 23 pré-candidatos democratas que querem chegar à Casa Branca.

As senadoras Elizabeth Warren, de Massachusetts, e Kamala Harris, da Califórnia, são duas das mais proeminentes, mas nenhuma delas tem uma política específica para mulheres como principal bandeira de campanha.

Da FSP