Extorsão da Lava Jato: Tacla Duran diz que “pagou para não ser preso”

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“Não é muito tempo sem operação?”, perguntou o então juiz Sergio Moro ao procurador Deltan Dallagnol em 31 de agosto de 2016, segundo o site The Intercept. “É sim. O problema é que as operações estão com as mesmas pessoas que estão com a denúncia do Lula. Decidimos postergar tudo até sair essa denúncia, menos a op do taccla [Tacla Durán] pelo risco de evasão, mas ela depende de articulação com os americanos (Que está sendo feita)”, responde o procurador da Lava Jato.

No dia seguinte à divulgação do diálogo, o ex-advogado da Odebrecht Rodrigo Tacla Duran recebeu o UOL no lobby de um hotel de Madri, onde vive desde que deixou o Brasil em decorrência da Operação Lava Jato. “Paguei para não ser preso”, diz ele à reportagem, apontando uma suposta extorsão no valor de US$ 5 milhões feita quando seu nome veio à tona na investigação.

Investigado pela Lava Jato, Tacla Duran diz ter pago uma primeira parcela de US$ 612 mil ao advogado Marlus Arns, mas afirma que se recusou a pagar o restante. Ele foi preso em novembro de 2016, ao chegar a Madri, e ficou detido por 70 dias. Consultado pela reportagem, Arns não comentou as acusações.

A força-tarefa da Lava Jato insiste que o brasileiro é um “fugitivo”, mas a Interpol retirou qualquer alerta contra Tacla Duran. Na Espanha, ele vive em liberdade.

As declarações dadas ao UOL também constam de um documento enviado ao Ministério Público da Suíça pelos advogados de Tacla Duran. Na carta, a defesa relata que seu cliente foi vítima de extorsão para que não fosse detido ou envolvido em delações premiadas de outros suspeitos da Operação Lava Jato. No Brasil, os procuradores da força tarefa rejeitam a versão, e apontam que Tacla é acusado de mais de cem delitos.

Datado de 28 de janeiro de 2019, o documento, obtido pelo UOL, foi uma resposta a questionamentos feitos pela Suíça ao brasileiro, com base em transferências que ele realizou a partir de uma conta no país europeu para o Brasil.

“Tacla foi extorquido e ameaçado […] e temor por sua vida o levou a pagar uma parte da extorsão. O advogado Marlus Arns, que recebeu o pagamento -dinheiro que é apontado como uma das justificativas para o bloqueio das autoridades suíças– já tinha trabalhado com a mulher do [ex] juiz Sergio Moro, sendo outro sócio o advogado Carlos Zucolotto Junior, que também foi sócio da mulher de Moro, e que hoje trabalha com lobista profissional”, dizem os advogados à Suíça, associando a extorsão ao tráfico de influência dentro da operação. Zucolotto já foi alvo de acusações de Tacla Duran.

Tacla Duran atuou como advogado da Odebrecht entre 2011 e 2016. A Lava Jato, no entanto, o acusa de movimentar mais de R$ 95 milhões para a Odebrecht e outras empresas em vários países do mundo, além de lavar por meio de suas empresas cerca de R$ 50 milhões.

Para sustentar seu argumento, o brasileiro cita um contrato que assinou com o advogado no Brasil, além de notas de imprensa por parte da Operação Lava Jato de 27 de agosto de 2017, em que o nome de Marlus Arns não consta como sendo o de seu advogado.

Ao longo dos últimos anos, Tacla Duran foi denunciado pelo MPF em Curitiba por uma série de crimes, como lavagem de dinheiro e corrupção. Ele também foi alvo de conversas entre o ex-juiz e hoje ministro da Justiça Sergio Moro e o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, publicadas pelo site The Intercept.

A 13ª Vara de Curitiba pediu a extradição de Tacla Duran para o Brasil, mas foi negado pela Espanha em julho de 2017. Considerado foragido pelo Brasil, hoje Tacla vive em liberdade em Madri.

Ao UOL, o Ministério Público da Suíça informou que Tacla Duran tem um status de “pessoa prestando informação”, uma figura jurídica existente no Código Penal do país. “No contexto dos processos criminais em andamento pelo Escritório do Procurador-Geral da Suíça no caso Petrobras-Odebrecht, no presente a pessoa mencionada [Tacla Duran] tem o status de “pessoa prestando informações”, disse Berna.

O processo criminal aberto na Suíça, portanto, não seria contra ele. Ainda assim, o MP explica que “o Escritório Federal de Justiça da Suíça delegou ao Ministério Público um pedido de cooperação legal mútua por parte da Fiscalia Especial contra a Corrupção e Criminalidade Organizada, em Madri, Espanha, para execução”. “Essa execução está sendo realizada”, indicou. “Dentro do quadro desse pedido, fundos foram congelados”, apontou, lembrando que presunção de inocência se aplica. Até o momento, a Suíça não transferiu dados para a Espanha.

Na resposta aos suíços, o escritório EquiNord, International Law Counsellors, que representa Tacla Duran, ataca frontalmente o ex-juiz e hoje ministro da Justiça Sérgio Moro e a Operação Lava Jato.

A defesa argumenta que Moro “vulnerabilizou os direitos fundamentais de Tacla Duran e o devido processo legal, agora mesmo tenta dar continuidade a sua perseguição como atual ministro da Justiça –e responsável pela autoridade central de cooperação internacional do Brasil, o órgão que tramita todos os expedientes de cooperação internacional do Brasil–, enviando e reenviando cartas rogatórias internacionais conflituosas a diversos países”.

De acordo com as investigações da Lava Jato, Tacla Duran é um dos operadores da Odebrecht em repasses de propina. Tecla Duran foi alvo de um mandado de prisão na 36ª fase da Lava Jato, realizada ainda em novembro de 2016. À época, Tacla Duran já estava fora do país.

Além disso, ele é réu em um processo que investiga um esquema envolvendo obras de mais de R$ 1,8 bilhão do Consórcio Pipe-Rack, no Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), além de réu em outro processo que apura crimes de corrupção contra a Petrobras e investigação envolvendo concessão e rodovias no Paraná. Em 11 de abril de 2018, o então juiz Sérgio Moro decidiu pela transferência de parte deste processo para as autoridades espanholas.

Apesar das críticas, os suíços indicaram que atenderam a um pedido de cooperação e, em 15 de novembro de 2018, bloquearam contas em nome de Rodrigo Tacla Duran. Segundo sua defesa “todos os fundos e contas bancárias foram declaradas às autoridades tributárias do país de residência fiscal do beneficiário final”.

Na carta dos advogados, eles chamam a atenção para o pagamento realizado entre uma conta na Suíça e outra em Curitiba, coração da Lava Jato. Na carta de resposta, os advogados do brasileiro explicam como o “mecanismo de extorsão” consistia em fazer pagamentos a advogados que, por sua vez, garantiriam a redução de uma multa que o suspeito eventualmente tivesse de pagar num acordo de delação premiada, em Curitiba e “a ser aceito pelo juiz Sergio Fernando Moro”.

Ao classificar os fatos de “altamente questionáveis”, os advogados alertam que as autoridades brasileiras jamais investigaram as denúncias apresentadas por Tacla.

Uma delas se refere à atuação do advogado Marlus Arns. Nas contas rastreadas pelos suíços, pagamentos foram encontrados com o advogado em Curitiba. Isso teria ocorrido, segundo a defesa, “em virtude de um contrato para negociar acordo e defender Rodrigo Tacla Duran”.

O pagamento, portanto, seria parte dessa suposta extorsão. O temor de ser preso o levou a pagar “uma cota da extorsão”.

A defesa insiste que houve “tráfico de influência”, com o qual se chegou a acordos de delação. Caso contrário, o suspeito era preso. “É assim que o advogado Marlus Arns, entre outros, praticava a extorsão denunciada”, explica a carta apresentada aos suíços.

O documento também revela como o contrato entre Arns e Tacla Duran foi assinado em 16 de junho de 2016, para que ele o defendesse. A data é anterior ao procedimento aberto contra o brasileiro em Curitiba. “Nesta data, Rodrigo Duran Tacla já vinha sofrendo a extorsão e deveria aceitar essas condições e iniciar os pagamentos para que não fosse preso”, disse.

Ao blog, Tacla insiste que “havia um mecanismo de extorsão”. “Se você não pagasse, era preso”, disse. Segundo ele, o valor dos US$ 5 milhões era “combinado”. “Eu paguei a primeira parcela. Quando parei de pagar, fui preso”, disse.

O brasileiro ainda afirma. “Decidi parar de pagar por perceber que não ia acabar, não ia ter fim”.

Tacla afirma que apenas esteve com Marlus Arns em uma ocasião e, enquanto esteve preso na Espanha, em nenhum momento o advogado o visitou. Ele ainda afirma que apenas o advogado sabia que ele faria uma viagem dos EUA para a Espanha, quando ele seria preso. Sua ideia era retornar aos EUA.

No documento entregue aos suíços, a defesa de Tacla Duran ainda cita artigos de imprensa no Brasil em que apontam como Marlus Arns trabalhou em casos em Curitiba ao lado da esposa de Sérgio Moro.

Em 2018, a Interpol, agência de investigação internacional, tirou o nome de Tacla da lista de procurados internacionais do órgão. A pedido da defesa, a agência suspendeu o alerta vermelho que existia em seu nome desde setembro de 2016 a pedido da Justiça brasileira.

Tacla Duran apresentou três argumentos à Interpol para justificar seu pedido para que o alerta vermelho em seu nome fosse retirado: seu caso havia sido em parte transferido do Brasil para a Espanha, os direitos a um devido processo legal no Brasil não teriam sido cumpridos e, para completar, a Espanha rejeitou sua extradição ao país.

No documento da Interpol, também obtido pelo UOL, Tacla Duran apresentou “evidências, que eram facilmente verificáveis por meio de uma pesquisa de fontes abertas”, de que Moro “falou publicamente sobre ele durante uma entrevista” sobre o caso colocando em suspeição a imparcialidade do juiz da Lava Jato em Curitiba. O caso faz referência à entrevista concedida por Moro ao Roda Viva, da TV Cultura.

“A comissão então considerou que as alegações apresentadas [por Tacla Duran], diante do comportamento do juiz responsável por presidir sobre seu caso no Brasil, apontam que há dúvidas suficientes sobre o fato de uma violação do Artigo 2 da Constituição da Interpol, que pode ter existido”, apontou a agência em documento. O artigo 2 se refere à necessidade de que a instituição promova a cooperação entre as polícias de diferentes países, sempre que a Declaração Universal de Direitos Humanos seja respeitada.

Em nota ao UOL, a Força-Tarefa da Lava Jato diz que Tacla Duran falou “inverdades”, e que elas “não revelam mais do que a total falta de limites de um criminoso foragido da Justiça, acusado da prática de mais de 100 delitos de lavagem de dinheiro, cujo patrimônio –ilicitamente auferido– encontra-se bloqueado no Brasil e no exterior”.

“Diante da absoluta impossibilidade de enfrentar os fatos criminosos que lhe são imputados, Rodrigo Tacla Duran tenta desesperadamente atacar aqueles que o investigam, processam e julgam, no intuito de afastar o seu caso das autoridades que atuam na Operação Lava Jato”, diz a nota do MPF.

Os procuradores lembram que Tacla Duran ainda é alvo de uma ordem de prisão. A extradição do advogado ao Brasil foi solicitada, mas “não ocorreu apenas por ausência de promessa de reciprocidade pelo governo brasileiro”.

Tacla Duran foi acusado pela Lava Jato pelos crimes de lavagem de dinheiro e de pertinência à organização criminosa. Segundo a Lava Jato, ele já foi denunciado em pelo menos cinco ações penais. Os recursos ilícitos obtidos por Duran no exterior, oriundos da Odebrecht, foram bloqueados por autoridades estrangeiras e permanecem nessa condição.

A assessoria da Odebrecht afirmou que “a empresa não está comentando especulações”.

Tacla Duran sustenta há anos que a Lava Jato negocia paralelamente delações premiadas com os investigados e que os softwares internos utilizados pela Odebrecht (Drousys e MyWebDay) foram adulterados para favorecer os 77 delatores da empresa.

A denúncia mais grave foi direcionada ao advogado Carlos Zucolotto Junior, que nutre laços estreitos com Sergio Moro – ele foi seu padrinho de casamento e já foi sócio de Rosangela Moro em um escritório de advocacia.

Segundo o acusador, Zucolotto teria oferecido a Duran, entre março e abril de 2016, a possibilidade de redução de pena e de multa em troca de pagamento via caixa 2, conforme relatado pela coluna da jornalista Mônica Bergamo. Dali em diante, o advogado intensificou suas críticas à operação e reforçou as supostas relações espúrias entre delatores, procuradores e os juízes da Lava Jato.

Agora, Duran acusa outro advogado, Marlus Arns -que já trabalhou como advogado do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) — de ter o extorquido em US$ 5 milhões para amenizar suas penas na Lava Jato.

A cronologia de Duran na Lava Jato:

16.jun.2016 – Marlus assume a defesa do advogado da Odebrecht, Tacla Duran.

5.jul.2016 – Moro concorda com o pedido de prisão preventiva de Tacla Duran. O advogado é acusado de lavar cerca de R$ 50 milhões por meio de suas empresas e de prestar serviços ao Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, ala da multinacional designada para os atos ilícitos. O documento é colocado em “sigilo nível 4” por Moro até o mandado de prisão ser expedido, o que acontece somente em novembro.

18.ago.2016 – Tacla Duran participa de reunião com autoridades dos Estados Unidos para esclarecer informações sobre corrupção no Brasil e em países latino-americanos. O encontro, segundo relatado ao UOL, teria também a participação da Força-Tarefa da Lava Jato, mas os procuradores não compareceram.

31.ago.2016 – Moro e Deltan Dallagnol conversam sobre Tacla Duran, segundo o site The Intercept. O procurador afirma que uma operação para prendê-lo depende de uma “articulação com os americanos” e que já estaria “sendo feita”.

10.nov.2016 – É deflagrada a Operação Dragão, desdobramento da Lava Jato que tem como principal alvo Tacla Duran. Ele não é encontrado porque estaria nos Estados Unidos. Seu nome é colocado na lista de fugitivos da Interpol. Este processo corre, atualmente, em segredo de Justiça.

18.nov.2016 – Tacla Duran é preso em Madri, pela polícia espanhola, e permanece detido por pouco mais de dois meses.

12.mai.2017 – MPF realiza nova denúncia contra Tacla Duran, desta vez em separado, levando em consideração o processo que responde na Espanha e o processo de extradição que está sendo negociado com aquele país.

28.jul.2017 – Justiça da Espanha nega extradição de Tacla Duran. No mesmo dia, em entrevista ao El País espanhol, alega que a Odebrecht ofereceu 15 anos de salários pagos para ele entrar no grande acordo firmado pela empresa e a Operação Lava Jato; revela também que mantinha, no segundo semestre de 2016, conversas com o Departamento de Justiça em Washington.

27.ago.2017 – A colunista Mônica Bergamo confirma com Tacla Duran a publicação de trechos de um livro que ele estaria escrevendo. Posteriormente apagado, o texto fazia menção às supostas negociações com o advogado Carlos Zucolotto Junior. Zucolotto – amigo de Moro e ex-sócio de Rosângela Moro –teria oferecido a Duran, segundo ele acusa, a possibilidade de redução de pena e de multa em troca de pagamento via caixa 2, e cita ainda que “DD”, supostamente Deltan Dallagnol, poderia ser envolvido na negociação.

29.ago.2017 – Moro recusa o testemunho de Tacla Duran em um dos processos onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu. Moro diz que qualquer colaboração de Duran “não é digna de crédito.” Outros três pedidos no mesmo sentido são negados por Moro.

6.jun.2018 – Em depoimento por meio de videoconferência à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Duran, entre outras acusações, disse que o software utilizado pela Odebrecht para organizar as propinas teria sido adulterado para favorecer os 77 delatores da empresa.

4.ago.2018 – Alegando parcialidade de Moro, a defesa de Tacla Duran consegue retirar seu nome da lista de procurados da Interpol.

19.fev.2019 – Tacla Duran volta a ser citado na 60ª fase da Operação Lava Jato, que prendeu Paulo Preto (PSDB), e fez buscas contra o ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira Filho. Lava Jato aponta supostas relações entre Duran e o operador do PSDB nos casos de lavagem de dinheiro da Odebrecht.

 

Do UOL