Governo ignora estudo contra internação compulsória e denúncias de maus tratos

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Leia o artigo de João Victor Chaves, advogado e colaborador do Blog da Cidadania.

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No último dia 06/06, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei 13.840/2019, que instituiu alterações nas políticas de combate ao tráfico e consumo de drogas. Entre as novidades, está a possibilidade de internação forçada de dependentes químicos, conforme a previsão do novo artigo 23-A da Lei de drogas.

A medida é vista como ultrapassada por especialistas da área médica em função do baixo índice de sucesso e dos altos custos com medicamentos, exames, internação e acompanhamento médico.

Diretrizes da Organização Mundial de Saúde contêm considerações críticas ao modelo, dadas as muitas experiências já neste sentido adotadas mundo afora.

Entusiasta da medida, o ministro Osmar Terra (MDB-RS) recentemente ignorou estudos científicos da Fiocruz, que custaram R$7 milhões aos cofres públicos, e apresentaram conclusão oposta às determinações trazidas pela nova legislação.

Ex-ministro do governo Temer, Terra possui longo histórico de militância pela criminalização do consumo de drogas e internação forçada de usuários. Recentemente, o Intercept revelou que diversas clínicas abusam de maus tratos aos pacientes. No governo Temer, o setor foi beneficiado por um investimento de R$90 milhões, que teve como principal articulador Osmar Terra. Ele também contemplou com um cargo na Secretaria de Cuidado e Prevenção às Drogas o psiquiatra Quirino Cordeiro Junior, notório defensor das comunidades terapêuticas.

Para sustentar suas posições de combate à descriminalização do uso de drogas, Terra constantemente faz referência ao psiquiatra Ronaldo Laranjeira, alvo de denúncias de irregularidades em contratos firmados por organizações sociais na área de saúde junto ao governo do estado de São Paulo.

Na capital paulista, há muito se discute qual modelo é mais adequado para lidar com o problema da “Cracolândia”, espaço onde há livre comércio e consumo de drogas. O ex-prefeito e atual governador João Doria tentou utilizar manobras jurídicas para adoção de internações forçadas, mas foi derrotado judicialmente. A proposta de Doria também contava com o apoio e a colaboração de Laranjeira.

Do ponto de vista jurídico, o modelo também é questionável e é discutido no Supremo Tribunal Federal o recurso extraordinário 635659, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, com a possibilidade de descriminalização de drogas para consumo próprio. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do falecido ministro Teori Zavascki em 2015 e havia expectativa de que fosse retomado no último dia 05 de junho, mas foi novamente adiado após a realização de uma reunião entre o presidente do Supremo, Dias Toffoli, e Jair Bolsonaro.

Três ministros já apresentaram seus votos, e a principal tese é de que a pena imposta pelo Estado para quem consome drogas não pode ser maior do que o prejuízo já causado pela própria substância.

Após o acordo entre Toffoli e Bolsonaro, entretanto, não há previsão para que o tema seja recolocado em pauta para julgamento.