Internação involuntária de dependente químico é política higienista

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Menos de 15 dias atrás, a Prefeitura de São Paulo instituiu uma nova política de drogas, que reformulou o programa Redenção e passou a oferecer aos dependentes químicos moradias temporárias aliadas aos cuidados médico e social.

Ao admitir a aplicação de estratégias de redução de danos, que não têm a abstinência como prerrogativa para o tratamento da dependência química, São Paulo divergia abertamente das diretrizes do governo federal.

Cinco dias antes, o Senado havia aprovado projeto de lei de autoria do ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB-RS), que alterou a política nacional de drogas, privilegiando a abstinência como estratégia de tratamento.

Depois de tramitar por seis anos na casa, o PLC 37/2013  foi objeto de uma série de manobras pouco ortodoxas que aceleraram repentinamente sua votação, ignorando substitutivos já aprovados em duas comissões. Parecia mágica.

É intrigante, portanto, o anúncio do coordenador do programa paulistano, Arthur Guerra, de que a prefeitura quer fazer parcerias com as esferas estadual e federal para a realização de internações involuntárias de usuários problemáticos de drogas.

A internação involuntária é aquela feita contra a vontade do paciente, e a pedido de terceiro. Em geral, ocorre nos  casos em que o paciente dá sinais de autoagressão ou agressão ao outro ou tem ideias suicidas, delírios ou alucinações.

Trata-se de medida prevista no cardápio de intervenções permitidos pela lei 10.216, de 2001, conhecida como lei da reforma psiquiátrica.

É realizada pelo governo do estado, por meio de seu programa, o Recomeço.

Dados do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), equipamento no qual se baseia a política de drogas paulista, evidenciam tratar-se de medida de uso mais restrito.

Entre janeiro e abril de 2017, 25,2% foram encaminhados para algum tipo de desintoxicação em hospital público ou instituições conveniadas. Desses, 82% foram internados de maneira voluntária, e 18%, de maneira involuntária.

O desejo de acabar com a cena aberta de uso de crack que há décadas domina parte da região central foi compartilhado por sucessivas administrações. Ainda que, do ponto de vista da saúde, abordagens distintas tenham sido tentadas, a polícia é escolhida de maneira recorrente como suposto remédio.

Especialistas já apontaram que a existência da cracolândia é uma questão socioeconômica e de abandono muito mais do que de dependência química. Levantamentos já apontaram que cerca de 60% dos usuários de drogas ali presentes são egressos do sistema prisional, que não têm perspectiva nem acolhimento.

Resta saber se as internações involuntárias agora almejadas pela prefeitura estarão a serviço dos imperativos do tratamento ou de uma política higienista que, no fundo, quer apenas esconder o problema da cracolândia.

Da FSP