“Já tive de substituir gente. Sempre explico o porquê. Mas tem pessoas cujo estilo não é esse”

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Uma semana após sua demissão da Secretaria de Governo da Presidência da República, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz criticou o governo de Jair Bolsonaro por perder tempo com “bobagens” quando deveria priorizar questões relevantes para o país.

“Tem de aproveitar essa oportunidade para tirar a fumaça da frente para o público enxergar as coisas boas, e não uma fofocagem desgraçada. Se você fizer uma análise das bobagens que se têm vivido, é um negócio impressionante. É um show de besteiras. Isso tira o foco daquilo que é importante. Tem muita besteira. Tem muita coisa importante que acaba não aparecendo porque todo dia tem uma bobagem ou outra para distrair a população, tirando a atenção das coisas importantes. Tem de parar de criar coisas artificiais que tiram o foco. Todo mundo tem de tomar consciência de que é preciso parar com bobagem”, disse Santos Cruz.

Antes de sua saída, Santos Cruz foi criticado de forma contundente por Olavo de Carvalho e Carlos Bolsonaro, filho do presidente. Sem mencionar nomes, ele comentou os ataques recebidos nas redes sociais.

“Não é porque você tem liberdade e mecanismos de expressão, Twitter, Facebook, que você pode dizer o que bem entende, criando situações que atrapalham o governo ou ofendem a pessoa. Você discordar de métodos de trabalho é normal, até publicamente. Discordâncias são normais, de modo de pensar, modo de administrar, modo de fazer política, de fazer coordenação. Mas, atacar as pessoas em sua intimidade, isso acaba virando uma guerra de baixarias” afirmou o general.

Diferentemente da expressão facial esboçada nas centenas de fotografias tiradas durante os quase seis meses em que ocupou uma sala no Palácio do Planalto, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz abriu a porta de sua casa sorridente. Na manhã de terça-feira 18 de junho — cinco dias depois de ter sido transformado em ex-ministro pelo presidente Jair Bolsonaro —, ele havia acabado de chegar de uma visita ao quartel, onde fora ver seus cavalos de estimação. Vestia camiseta preta com o logotipo da Polícia Militar do Acre (que ganhou de presente enquanto comandava a Secretaria Nacional de Segurança Pública, em 2017), calças jeans e coturnos de couro marrom. A sala é ampla, há uma bicicleta na varanda, o tapete é felpudo e as esculturas são de vidro, uma decoração sóbria que mistura móveis de uma época passada com badulaques modernos. Na cozinha, sua mulher, Dora Regina Gondim Cruz, ajudava uma funcionária a organizar o almoço.

Aos 67 anos, dez dos quais como general de divisão do Exército, penúltimo degrau na hierarquia da caserna, Santos Cruz comandou milhares de homens em duas guerras civis para as quais as forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) foram chamadas. Atravessou campos deflagrados entre obuseiros no Congo e encarou tiroteios a curta distância no Haiti, até voltar à reserva, ser nomeado ministro, entrar na mira da ala ideológica que orbita o clã Bolsonaro e acabar defenestrado — segundo o próprio general, sem qualquer explicação do presidente.

“Não falei mais com ele ( Bolsonaro ) depois disso”, disse-me o general, recostado no sofá. “Ele resolveu me substituir por alguma razão que é ele que tem de dizer, tem de ser perguntada para ele. Se tivesse pedido demissão, diria a razão. Como foi ele que demitiu, tem de perguntar para ele. Mas é uma prerrogativa do presidente. Substituir ministro é uma coisa normal, não é coisa excepcional. Não perguntei o porquê para facilitar as coisas. A partir da hora que decidiu, não vou ficar gastando tempo para discutir o porquê. É mais uma obrigação da pessoa explicar. Não é só direito meu saber, como também é obrigação da pessoa explicar. Ele não explicou.”

Santos Cruz foi nomeado por Jair Bolsonaro para comandar a Secretaria de Governo da Presidência em 1º de janeiro, mas fora escolhido dias depois do segundo turno das eleições, em outubro passado. Estava em Bangladesh ministrando um treinamento de 15 dias às tropas de lá quando recebeu o convite de Bolsonaro, por telefone. “Acredito que tenha sido pela ligação que eu tinha com ele”, contou. “Conheço Bolsonaro desde os 20 e poucos anos de idade, praticávamos esportes juntos.” Ambos se conheceram na 2ª Região Militar, em Campinas. Tornaram-se mais próximos na Vila Militar, na Zona Norte no Rio de Janeiro, quando suas famílias viviam em casas vizinhas e suas mulheres revezavam-se na tarefa de levar os filhos para a escola. Como Bolsonaro à época, Santos Cruz é pai de três filhos, dois homens e uma mulher, e avô de quatro netos. Tão longa amizade, contudo, parece ter sofrido uma trinca depois que o guru do clã, Olavo de Carvalho, endossado pelo filho 02 do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, passou a fritar o ministro até que a demissão fosse consumada.

Discreto, Santos Cruz nunca respondeu aos ataques. Grosseiro e vulgar, Olavo de Carvalho chegou a chamar o general de “seu merda” e “bosta engomada” nas redes sociais. Dias depois das críticas, ainda foi agraciado pelo governo com a Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco, o mais alto grau de condecoração oficial.

“Não se comenta o incomentável”, disse a ÉPOCA, por telefone, no dia seguinte, quando também deu um aviso: “É preciso ter noção de que tudo tem consequências”. A maneira que foi demitido revela, segundo ele, o estilo do presidente. “Meu estilo é de conversar e explicar o porquê. Já vivi 48 anos de vida profissional, já tive de substituir gente. Sempre explico o porquê. Mas tem outras pessoas cujo estilo não é esse.”

Diferentemente de Gustavo Bebianno, que foi afastado da Secretaria-Geral da Presidência em fevereiro, o ex-ministro parece já ter virado a página. Depois de Bebianno e Ricardo Vélez Rodríguez, tirado da Educação, ele foi a terceira baixa na Esplanada. “Não tem frustração nenhuma”, disse. “Ser ministro não é carreira, ser ministro é uma situação temporária. Pode durar quatro anos ou seis meses, tanto faz. Não fui lá para curtir função de ministro. E também não sou um cara de grandes emoções, tanto que o pessoal me sacaneia um pouco na mídia porque eu estava sempre com a mesma cara, não é? ( risos ). Se eu estivesse lá trabalhando, estaria contente, trabalhava com satisfação, mas também não é porque saí que estou infeliz. Minha variação de humor é muito pequena. É uma questão de personalidade. Tem gente que sente mais as coisas, sente euforia por estar numa posição de destaque. Eu não tenho esse negócio. Para mim, é mais ou menos padrão.”

Natural de Rio Grande, no extremo sul do Rio Grande do Sul, Santos Cruz entrou para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas, aos 15 anos. Mais de 50 anos depois, passou pelos Estados Unidos, foi adido militar na Rússia, comandou 23 mil soldados da ONU no Congo e 13 mil no Haiti e combateu pessoalmente no front. “No Haiti, era combate urbano. As coisas aconteciam muito perto de você. Completamente diferente do combate no Congo, que era em campo aberto”, contou. A abertura do cerco dos rebeldes africanos do movimento M-23 na cidade de Goma, que durou quase dez dias, foi um marco na carreira do general. Por várias ocasiões, tiros passaram perto dele e também teve de apertar o gatilho. Nunca foi atingido. Não sabe se atingiu: “Você atira e no meio do tiroteio às vezes não sabe o resultado. A intensidade dessas ações era muito forte. O volume de fogo, muito grande. Não dá para ver. A parte de combate é uma coisa que só quem está no meio mesmo sabe. É coisa da vida profissional. A correnteza do rio empurra, você faz o que tem de fazer”.

Questionado sobre os fatos que precederam sua saída do primeiro escalão, o general comentou que não era o momento de falar — mas que isso talvez mudasse no futuro. Não quis “entrar em detalhes”. “Tem de saber, nesta vida, a hora em que fala e a hora em que não fala”, disse. “Calar a boca, às vezes, é muito importante. Se muita gente aí ficasse de boca fechada, ajudaria muito. Por isso, estou quieto. Mas, quando passar essa fase, vou escrever alguma coisa”, disse, sem detalhar. “Claro que tenho algumas impressões pessoais. Fico com elas por enquanto. Não é o caso de exprimi-las. Isso não ajuda, só atrapalha. Tenho minhas ideias, imagino alguma coisa, mas não vou falar nada. Imaginar coisas é criar tumulto. Sou um cara muito preto no branco. Aquilo que desconfio pode não ser verdade. Aquilo que imagino pode não ser verdade. A pessoa tem de saber que aquilo que ela pensa pode ser verdade ou não. Quanto menos fumaceira você fizer, melhor para enxergar a realidade.”

Sem mencionar nomes, Santos Cruz provocou: “Você vê a quantidade de especulações que existe? Até as coisas boas do governo não aparecem porque é uma fumaceira danada. É tanto tiroteio bobo que você acaba não escutando a música. Não é característica minha, por exemplo, ficar fuçando em Twitter”, disse. “Tem gente que passa o dia inteiro nisso aí. Eu não tenho essa característica. Meu desejo é que o governo dê certo”, continuou.

Seguiu-se, então, uma longa, cifrada e dura crítica do ex-ministro a um dos hábitos mais frequentes do clã mandatário do país nos últimos meses, o uso do Twitter: “Vejo esse governo como uma grande oportunidade de dar certo, porque o Brasil foi absolutamente roubado. A oportunidade de reverter isso é muito grande, mas não pode se perder por besteira. Ficar discutindo bobagem em vez de colocar o foco sobre as coisas boas que cada ministério está fazendo. Estamos com seis meses de governo, e quais são as principais conversas? As pessoas vêm me perguntar do filósofo, do Twitter do outro que xingou o outro … Espere aí, não é?”, afirmou.

Ele se ajeitou na poltrona da sala, fez uma pequena pausa e continuou: “Estou dizendo que tem de aproveitar essa oportunidade para tirar a fumaça da frente para o público enxergar as coisas boas, e não uma fofocagem desgraçada. Se você fizer uma análise das bobagens que se têm vivido, é um negócio impressionante. É um show de besteiras. Isso tira o foco daquilo que é importante. Tem muita besteira. Tem muita coisa importante que acaba não aparecendo porque todo dia tem uma bobagem ou outra para distrair a população, tirando a atenção das coisas importantes. Tem de parar de criar coisas artificiais que tiram o foco. Todo mundo tem de tomar consciência de que é preciso parar com bobagem. Na minha interpretação, tem muita bobagem. E a população quer e precisa de resultados. Evito dizer o nome de pessoas, porque não é o caso. Essas brigas pessoais, invenções de notícia, xingamentos contra o presidente da Câmara. Veja: o presidente da Câmara é uma pessoa importante, ele é que faz a pauta do que será votado no Brasil em termos de legislação. Você pega essas brigas por Twitter… Não é porque você tem liberdade e mecanismos de expressão, Twitter, Facebook, que você pode dizer o que bem entende, criando situações que atrapalham o governo ou ofendem a pessoa. Você discordar de métodos de trabalho é normal, até publicamente. Discordâncias são normais, de modo de pensar, modo de administrar, modo de fazer política, de fazer coordenação. Mas, atacar as pessoas em sua intimidade, isso acaba virando uma guerra de baixarias. Não é o que interessa para o Brasil. O Brasil não pode continuar discutindo esse nivelzinho de coisa. Tem de levantar a cabeça e ver a big picture. Outra coisa: você não pode se comunicar por via pública. Se você tem alguma coisa contra a pessoa, você tem de falar individualmente. O que acontece é que os recursos todos de tecnologia estão fazendo muita gente esquecer que a melhor maneira de você se comunicar, principalmente entre pessoas públicas, não é de maneira pública. É pessoalmente. Não estou falando de A ou B. Estou falando do tanto de discussões públicas que se veem por aí”.

Coisas boas e importantes, na concepção do general, era o que estava fazendo no governo ao decidir preencher cargos comissionados, que oferecem salários mais altos, com servidores de carreira, de maneira que os funcionários antigos se sentissem valorizados — e as vagas ocupadas por eles anteriormente fossem extintas, o que acabava contribuindo para o enxugamento da máquina pública. Era tornar a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) mais “informativa” e menos “ideológica” — “tal qual era na era Lula”, disse. E, claro, a reforma da Previdência: “Além da parte matemática, de equilíbrio de contas, pode ser um símbolo de virada administrativa. E depois viria uma boa reforma tributária para descentralizar isso daí, para deixar dinheiro na ponta da linha e não ficar trazendo tudo para Brasília e depois distribuindo”, afirmou, repetindo um raciocínio que foi mantra do ministro da Economia, Paulo Guedes, durante a campanha.

Os seis meses que passou no governo foram suficientes para que o ex-ministro formasse impressão própria sobre os males da República. “É uma ilusão você pensar que vai realizar tudo centralizando as coisas. Nossa cultura enxerga muito o presidente. Mas, se você for ver, o presidente tem uma série de limitações. O Brasil enxerga o presidente, os governadores e os prefeitos como os caras que vão resolver tudo, e eles têm um monte de limitações. Todo mundo tem sua Assembleia Legislativa, seu Poder Judiciário. E essa centralização acaba trazendo também a centralização do dinheiro. O prefeito lá do fim do mundo tem de vir aqui para pedir. Para mim, não pode ser centralizado aqui, porque a vida do cidadão brasileiro não acontece em Brasília, acontece lá no município. Aqui centraliza tudo, centraliza o dinheiro, centralizam-se todas as decisões.”

O general também vê desarmonia entre os Poderes: “A harmonia pode ser melhorada, sem dúvida nenhuma. Acho que precisa e deve ser melhorada”. Foi quando seu celular tocou pela sexta vez. Do outro lado da linha, jornalistas interessados em fazer perguntas ao ministro recém-demitido. Ele não atendeu.

A demissão veio minutos depois do meio-dia da quinta-feira 13 de junho. Incomodado pela dor nas costas, que foi piorando ao longo dos anos em que costumava saltar por cima de troncos e atravessar lagos sobre o lombo de um cavalo, Santos Cruz pegou o elevador do terceiro para o quarto andar. Reuniu cerca de 20 funcionários mais próximos para comunicar a decisão do presidente. Não houve festa de despedida, choradeira nem aplauso. Mas houve alguma empatia. “Gosto muito do pessoal”, contou. “Fiz amigos ali.” Mais tarde, telefonou para a mulher, que visitava a família em Campinas, e contou a novidade. “Não tem drama nenhum”, afirmou. Os dramas logo foram levantados pela imprensa. Estaria Carlos Bolsonaro realmente envolvido na demissão do ministro?

“Não sei ( se houve influência de Carlos ). Não tenho nem ideia e prefiro não falar nada porque eu não vou falar do filho do presidente. Da mesma forma que disse que não vou falar nada sobre Olavo de Carvalho, também não vou falar nada sobre Carlos Bolsonaro. A dimensão dos problemas do Brasil é muito maior”, afirmou.

Depois que a notícia se espalhou, logo surgiu a versão segundo a qual o general havia barrado a destinação de centenas de milhares de reais a um programa televisivo de Olavo de Carvalho na EBC, o que teria sido a gota d’água para o presidente: “É mentira, é pura invenção”, disse Santos Cruz, ao revelar a ÉPOCA que pensava em manifestar-se publicamente sobre o boato. “Estava até pensando em fazer uma notinha dizendo: ‘Olha, isso aí é mentira’. Independentemente de ser Olavo de Carvalho ou não. Mas aproveite e publique que é mentira. Nunca teve esse tipo de conversa.” Mais tarde, quase às 10 da noite, ele enviou a nota. Nela, dizia: “As informações divulgadas, via WhatsApp, de que, quando ministro responsável pela SEGOV, eu teria bloqueado ou divergido sobre um possível pagamento de 320 ou 400/420 mil reais pela SECOM ou de discordância sobre possíveis programas a serem veiculados na EBC são absolutamente mentirosas”.

Tampouco correspondem à verdade, ele disse, os rumores de que um embate com o secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, teria contribuído para a exoneração. Consta que o motivo da contenda teria sido a intransigência do secretário de governo com a ideia de gastar verbas públicas com blogs simpáticos ao governo. “Fabio nunca falou comigo sobre isso”, disse. “Se existe a ideia, comigo não comentou. Nada de recurso foi destinado ( a blogs ) neste ano e até a hora em que saímos não havia nada previsto.”

Santos Cruz conheceu Wajngarten ao atender uma ligação do presidente em abril deste ano. Bolsonaro pediu para que o empresário judeu fosse nomeado chefe da Secom. Em quase dois meses em que trabalharam juntos, notou no novato uma intensa disposição para gastar tempo fora do gabinete. “É um cara que viaja muito com o presidente”, disse. “O perfil dele é mais de relações institucionais, não é tão administrativo. Vai com o presidente ver o jogo, vai com o presidente para Israel, vai com o presidente para não sei onde… para tudo que é canto.”

Ele negou qualquer rusga com Wajngarten. Ao menos, de início. “Nunca houve discussão nenhuma, não tive muito tempo para trabalhar com ele. Pouco tempo de avaliação.” Santos Cruz fez longas pausas. “Não tem nada de destaque negativo no relacionamento.” No fim, concluiu: “Mas isso aí não vou comentar agora, para não ser antiético, não é? Tem hora certa para você falar as coisas. Pode ter havido pequenas coisas, no dia a dia, mas nada significativo. Absolutamente dentro da normalidade”. Também não lhe foi oferecida pelo presidente Bolsonaro vaga no governo como alternativa à demissão, conforme um ministro-general do alto escalão havia adiantado ao colunista Guilherme Amado, de ÉPOCA. “Se ele ( Bolsonaro ) falou isso, não sei. Mas não foi oferecido. E eu também não aceitaria”. Por quê? “Depois que você é ministro, não vai sair da situação de ministro para executar outra função. Vai sair da condição de ministro para ser subordinado em outro ministério? É inapropriado, não é?”

Na tarde em que foi demitido, Santos Cruz alternou a arrumação do gabinete com a redação de uma carta, veiculada na imprensa, na qual agradeceu a sete categorias e pessoas — servidores, parlamentares, governadores e prefeitos, jornalistas, autoridades do Poder Judiciário, instituições públicas e, por último, o presidente Jair Bolsonaro e sua família, para quem desejou saúde, felicidade e sucesso. “Os mais importantes são os servidores, não é?”, disse Santos Cruz, indagado sobre o motivo de ter listado o presidente na última linha. “Os mais importantes são aqueles com quem você trabalha, por isso eles aparecem em primeiro. Os outros não estão em ordem de prioridade. Você deve suas realizações não a você, mas àqueles que trabalham com você. Às secretárias, ao cara que serve o cafezinho, o cara que atende as pessoas que chegam, o motorista, todo mundo é importante.”

Santos Cruz foi lembrado de que, entre as pessoas com quem trabalha, também está o presidente: “Quando estava no quartel, falava o seguinte: ‘Se eu morrer, não tem problema nenhum, se eu não for porque estou doente, não vai acontecer nada, mas, se o cozinheiro faltar, vai dar uma encrenca lascada e a comida não vai ficar pronta’. Você não pode esquecer que as pessoas mais importantes não são as de cima, e sim aquelas que estão na base de qualquer organização. Inclusive, presidente se troca de quatro em quatro anos. Ministro, você troca na hora que você quiser. Agora, tira o pessoal técnico de baixo para você ver se a coisa não dá uma encrenca lascada”. Ele prosseguiu: “Se as coisas não dão certo, não é por conta dos servidores, é por conta, às vezes, da condução política. A qualidade dos servidores é uma coisa que precisa ser divulgada. O Brasil tem ótimos servidores. Não dá certo por causa de erro de condução. Não do mandatário do país, mas de condução política em geral, do primeiro escalão”.

Na condução da Segov, Santos Cruz foi criticado por interlocutores do governo que viram nele uma barreira intransponível em negociações políticas, como se quisesse transferir a Brasília a rigidez típica da caserna. A pecha, ele rejeita. “Meu relacionamento com senadores, deputados, essa turma toda, com governador, prefeito, sempre foi muito bom”, disse. “O que é ser flexível, não é? Isso aí é simples. Você tem de saber o que você quer e quais são os princípios que você usa. Outra coisa é que você tem de dar atenção. E terceiro é que você tem de dizer quais são os limites de sua negociação. Porque o político está acostumado a negociar. A vida dele é negociando. Então, se você diz a ele ‘Olha, meu limite é daqui até aqui’, ele aceita e negocia com você dentro dos limites que você estabeleceu. Pode não ficar muito contente, mas está acostumado. Você dá atenção. Na política, não pense que o mais importante é atender o pleito. O mais importante é atenção e educação. São as coisas que o político mais valoriza. É muito raro te pedirem uma coisa que não possa ser estudada. Vão pedir coisas normais. É a emenda dele que não está andando… dinheiro da barragem que está construindo. Se você der atenção, o relacionamento institucional é facílimo. Você resolve 70% das coisas.”

Longe do Planalto, Santos Cruz vai dedicar-se à agenda, já cheia de compromissos. Entre os dias 27 e 29 de junho, participará do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, em São Paulo. Nos dias 10 e 11 de julho, irá a Nova York palestrar sobre as missões de paz que comandou durante uma conferência na sede da ONU. No âmbito pessoal, seus planos são as podas de árvores e o “serviço de lavoura” na chácara da família, a 50 quilômetros de Brasília. “A vida tem um monte de coisa importante para fazer. Cuidar dos meus cavalos é importante, cuidar da família. Ninguém é tão limitado para ficar vivendo por uma coisa só.”

Sobre a até então longeva amizade com Bolsonaro, Santos Cruz acredita que as coisas não serão como antes. “Não tem nem chance de cultivar essa amizade”, disse, creditando o motivo da fala à lógica. “Ele está no governo como presidente da República. Não tem nem oportunidade de que isso seja cultivado porque a pessoa está em outras atribuições que tomam muito a vida da pessoa. Deixa governar. Tomara que dê tudo certo.” Santos Cruz afastou qualquer hipótese de desavença: “Para mim, ele continua sendo a mesma pessoa. Não estamos aqui falando de uma briga pessoal, e sim de uma substituição funcional”. Se encontrar o presidente, o general disse, não vai tocar no assunto da demissão. “Sobre isso, jamais”, afirmou. “De jeito nenhum.”