Janaína quer aprovar projeto que promoverá mais cesáreas desnecessárias

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Uma das principais promessas de campanha da deputada Janaina Paschoal (PSL-SP) está tramitando como projeto de lei na Assembleia Legislativa de São Paulo e vem sendo alvo de críticas entre diversas bancadas femininas da Casa. Trata-se da medida que pretende garantir à gestante a possibilidade de optar pela cesárea, sem a necessidade de indicação clínica, a partir da 39º semana de gestação, no sistema público do estado.

Pautada pela presidência da Alesp nesta semana e adiada consecutivamente em duas sessões do plenário, a votação para decidir se a proposta tramitaria em regime de urgência enfrentou resistência dedeputadas de diferentes partidos que eram contra o PL e seu processo acelerado de tramitação.

“Tivemos falas contra a medida e contra o regime de urgência de deputadas do PSOL, da REDE e do PSDB e do PRB envolvidas com a área da saúde. Foi uma coisa muito bonita de acompanhar, de ver que um projeto discutido por mulheres tinha essa união suprapartidária e que os homens não estavam engajados na discussão”, conta a deputada da REDE Marina Helou.

Elas se retiraram antes da sessão

Na última quarta-feira (5), após uma investida frustrada de adiar a primeira votação do requerimento por falta de quórum – a maioria das parlamentares presentes se retiraram no início da sessão -, as deputadas retornaram ao plenário para debater o PL e sua tramitação.

“Na visão da deputada (Janaina Paschoal), a medida deve ser aprovada em regime de urgência porque ela entende que já se discutiu bastante e tem certeza que é um bom projeto, mas na nossa visão ele precisa ser discutido por todas as pessoas da Casa e nas comissões que são de direito”, defende Helou.

Outra parlamentar que se pronunciou durante as sessões foi a deputada Mônica da Bancada Ativista, do PSOL. “A gente concorda, Janaina, que é um tema superimportante, todas nós estamos nesse coro, da gente se debruçar sobre quais condições as crianças nascem neste país e como as mulheres dão à luz, mas a gente tá dizendo que não vai ser assim, como um projeto votado em regime de urgência, sem a participação das mulheres mães, sem a participação de médicas e sem a participação de profissionais da saúde, que a gente vai resolver o problema”, pontuou.

Sobre a união das deputadas no plenário para barrar a tramitação acelerada do projeto, Mônica seguiu: “A gente tem mulheres de muitas matrizes ideológicas, a gente tem mulheres aqui de muitas situações econômicas e financeiras, mães ou não, dispostas a discutir a violência obstétrica. Nós estamos dispostas a construir políticas públicas eficientes que não sejam apenas uma ação que nos coloque mais riscos na situação atual do SUS, na situação atual das mulheres mães.”

Janaína não vai recuar

Em uma de suas falas durante a sessão de ontem (6), Janaina afirmou que não recuará com seu projeto de lei e defendeu que mulheres devem ter o direito de decidir sobre suas vias de parto.

“Sendo a cesariana, tanto quanto o parto normal, um procedimento médico lícito, não me parece adequado que a mulher não tenha o direito de falar sobre o seu próprio corpo, sobre a maneira que ela quer trazer seu filho ao mundo, e me parece uma crueldade que ainda hoje nós neguemos às nossas mulheres o direito à analgesia”.

No início da sessão, o discurso da autora do projeto se direcionou à oposição: “As esquerdistas que expliquem por que defendem tanto uma suposta liberdade das mulheres pobres de impedirem seus filhos de nascer (aborto), mas negam a essas mulheres o conforto de escolher a via de nascimento”.

“Eu sinto muito que você leve essa discussão pra um lugar de duvidar de mim e de outras mulheres aqui, como a Analice (Fernandes – PSDB), a Edna (Macedo – PRB), a Maria Lucia Amary (PSDB), que são mulheres de espectros políticos totalmente diferentes, então eu sinto muito que você tenha levado a discussão pra esse ponto”, rebateu Helou.

Não é ser contra cesáreas

Em entrevista à Universa, Helou defende ainda que não é contra as cesáreas e que hoje já existe legislação em vigor no estado de São Paulo que assegura o direito da mulher ao parto humanizado nos estabelecimentos públicos de saúde do estado. Trata-se da lei 15.759, de 2015, que entre outras medidas, prevê “a oportunidade de escolha dos métodos natais por parte da parturiente, sempre que não implicar risco para sua segurança ou do nascituro”.

“Ontem, ela (Janaina Paschoal) se colocou em abertura para emendas no projeto dela, mas acho que a gente precisa avançar pra melhorar um projeto que já existe. Essa nova lei é desnecessária e, mais do que isso, do jeito que está redigida, acaba incentivando a cesárea como melhor opção. E a gente sabe por todas as orientações de saúde de todos os organismos do mundo que a cesárea não é a melhor opção e deveria ser uma indicação médica para situações de riscos e não ser incentivada enquanto política pública”, defende Helou.

Se colocada em pauta novamente pela presidência da Alesp, a votação do regime de urgência para a tramitação do projeto poderá acontecer na próxima semana. Caso o parecer seja favorável ao requerimento, a medida passará ao Congresso de Comissões (encontro de diversas comissões para votar medidas com mais rapidez) e, se aprovado, deve ir a plenário ainda em junho para a votação final.

Cenário brasileiro*

De acordo com um estudo publicado no final do ano passado pela revista Lancet, baseado em dados da Organização Mundial da Saúde e do Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Brasil é o segundo país com a maior taxa de cesáreas do mundo. Enquanto a OMS estabelece em até 15% a proporção recomendada, entre as parturientes brasileiras esse percentual chega a 57%.

À revista Lancet, o Congresso Mundial de Ginecologia e Obstetrícia, reunido no Brasil, atribui a epidemia de cesáreas à existência de equipes médicas menos competentes para acompanhar os partos normais difíceis, à comodidade de programar o dia do parto, aos maiores benefícios econômicos para as clínicas, entre outros.

O estudo aponta também uma ligação estreita entre as cirurgias e a faixa de renda e de educação das mulheres. No Brasil, por exemplo, onde a maioria das cesáreas se dá em gestações de baixo risco, 54,4% deste tipo de partos são feitos em mulheres de nível educacional elevado, frente a 19,4% de nível mais baixo.

O documento destaca que as cesáreas são indispensáveis quando se apresentam complicações, como hemorragias, sofrimento fetal ou posição anormal do bebê. Entretanto, também representam riscos como uma recuperação mais complicada para a mãe e problemas nos partos seguintes (gravidez ectópica, desenvolvimento anormal da placenta, entre outros).

A fim de limitar o excesso de cesáreas, o Congresso Mundial de Ginecologia recomenda, entre outras alternativas, aplicar uma tarifa única para todos os partos, obrigar hospitais a publicar suas estatísticas, informar melhor as mulheres e melhorar a formação para partos normais.

De Uol