Justiça Militar ouve testemunhas de defesa de militares que fuzilaram carro no Rio

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Foto: Sergio Moraes | Reuters

Um mês depois de ouvir as testemunhas de acusação, a Justiça Militar vai interrogar nesta quinta (27) e nesta sexta (28) as testemunhas de defesa dos 12 militares acusados de disparar mais de 200 tiros contra o carro da família do músico Evaldo Rosa dos Santos, morto no dia 7 de abril.

Os disparos, que aconteceram em uma área militar em Guadalupe, na zona oeste do Rio de Janeiro, também feriram o sogro de Evaldo e o catador de material reciclável Luciano Macedo, que estava a pé e tentou socorrer as vítimas, mas morreu 11 dias depois.

O processo ainda está na fase de colher depoimentos e apresentar provas, laudos e outros documentos, portanto ainda não há data prevista para o julgamento do caso. Nesses dois dias, serão ouvidas cerca de 15 pessoas, segundo o advogado de defesa Paulo Henrique de Mello.

Os reús estarão presentes, mas só devem falar em juízo no final do processo. Nove deles chegaram a ficar presos preventivamente por um mês e meio, porém foram soltos por decisão do Superior Tribunal Militar (STM) em 23 de maio e aguardam em liberdade.

Quem decide pela condenação ou absolvição é o chamado Conselho Especial de Justiça, formado pela juíza federal Mariana Aquino e quatro militares do Exército sorteados, sempre acima dos réus na hierarquia militar. Após a sentença, acusação ou defesa ainda poderão recorrer ao STM e, em questões constitucionais, ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Os 12 militares respondem por dois homicídios qualificados (crime que prevê pena de 12 a 30 anos de prisão), tentativa de homicídio qualificada (que pode chegar à mesma punição, dependendo da gravidade) e omissão de socorro (de um a seis meses ou multa, mas também pode ser ampliada).

Em condenações acima de dois anos, soldados, cabos e sargentos são automaticamente excluídos das Forças Armadas. Já os oficiais, como um dos reús que é tenente, respondem a um processo de “declaração de indignidade e de incompatibilidade para com o oficialato” no STM.

O caso de Guadalupe está correndo na Justiça Militar porque foi enquadrado com um crime doloso contra a vida, cometido por militares contra civis, em um contexto que envolve a segurança de uma instituição ou missão militar, conforme o Código Penal Militar.

O Ministério Público Federal (MPF) chegou a abrir uma investigação paralela, porém ela foi interrompida por determinação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), após contestação do Ministério Público Militar (MPM).

No dia 25 de maio, foi realizada uma primeira audiência para ouvir oito testemunhas de acusação na sede da Justiça Militar no Rio, na Ilha do Governador. Prestaram depoimento a viúva do músico, Luciana Nogueira, o sogro dele, Sérgio de Araújo, uma amiga do casal que também estava no veículo alvejado, a viúva do catador Luciano e outras quatro pessoas presentes no episódio.

A sequência dos fatos relatados por eles corroborou a sustentação da denúncia de que não houve resistência vinda dos ocupantes carro atingido e de que ocorreram duas sequências de disparos, uma delas com o carro de Evaldo já parado. As duas viúvas também disseram que os militares “debocharam” dos seus pedidos de socorro.

Segundo o Ministério Público Militar, os militares efetuaram 257 tiros de fuzil e pistola durante a ação, dos quais 62 alvejaram o veículo em que estava a família. Eles teriam confundido o carro com o usado por criminosos num assalto que haviam presenciado minutos antes.

De acordo com a denúncia, os acusados viram os ladrões fugindo num Ford Ka branco, veículo semelhante ao usado por Evaldo e sua família. Nesse primeiro momento, os militares dispararam contra os criminosos em fuga e, segundo a Promotoria, já atingiram o carro errado. Um desses tiros de fuzil acertou as costas do músico, e o veículo passou a ser conduzido por seu sogro, sentado no banco do carona.

O carro ainda rodou cerca de cem metros antes de perder velocidade e parar em frente a um bloco de apartamentos. Os três ocupantes do banco de trás desceram, buscando refúgio no prédio, e o catador Luciano se aproximou para socorrer o ferido.

Os militares, que já teriam perdido de vista o veículo dos assaltantes, viram então o Ford Ka da família parado. “O tenente [Ítalo da Silva] Nunes e, na sequência, os demais denunciados, deflagraram uma excessiva quantidade de disparos de fuzil e de pistola contra o veículo e contra Luciano”, diz o texto.

Ao correr em direção ao prédio Minhocão, o catador foi alvejado no braço direito e nas costas e caiu ao chão. Evaldo, já desacordado, foi atingido mais oito vezes pelas costas. Seu sogro, Sérgio, agachou-se entre o banco do carona e o painel, mas acabou sendo atingido com três tiros de raspão nas costas e no glúteo direito.

Foram recolhidos neste segundo local de disparos 82 estojos de projéteis deflagrados. Não foram encontradas armas com as vítimas nem vestígios disparos na viatura militar ou no seu entorno.

“A conduta dos denunciados desrespeitou o padrão legal de uso da força e violou regras de engajamento previstas para operações análogas, em especial o emprego da força de forma progressiva e proporcional e a utilização do armamento”, concluíram as promotoras Najla Palma e Andrea Ferreira.

No dia dos primeiros depoimentos, o advogado dos réus, Paulo Henrique de Mello, afirmou que a denúncia foi prematura e ainda faltam muitas diligências para haver uma conclusão. Ele sustenta que os militares não praticaram crime e agiram no estrito dever legal, para proteger um terceiro, a vítima do assalto.

Da FSP