Brasil pode ser punido internacionalmente por decisão de Toffoli

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Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O Brasil pode ser punido internacionalmente em razão da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de suspender processos judiciais que utilizam dados bancários compartilhados sem autorização prévia da Justiça.

Esta é a interpretação de integrantes do Ministério Público Federal (MPF) que vêm acompanhando de perto os efeitos da decisão de Toffoli, proferida em resposta a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o 01 do presidente Jair Bolsonaro.

A possibilidade de punição, inclusive, é discutida no gabinete da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e pode ser mencionada em eventual contestação da procuradora-geral à decisão do presidente do STF.

Integrantes do MPF ouvidos pelo GLOBO apontam que algum tipo de punição pode partir do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), uma entidade internacional criada há 30 anos por países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e outros associados.

O Brasil integra voluntariamente o Gafi, que tem um conjunto de 40 recomendações para combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.

Na avaliação do pesquisador Guilherme France, do Centro de Justiça e Sociedade do curso de Direito da Fundação Getulio Vargas Direito, no Rio de Janeiro, a decisão pode ter impacto na retomada do crescimento da economia brasileira. Ele recorda que o compartilhamento dos dados sem aval da Justiçal é uma norma editada pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), que reúne 35 países.

– O Gafi tem uma lista de países que não cumprem as normas. A inclusão do país nessa lista gera impactos graves para a economia desse país. Mas, antes mesmo, o Gafi faz pronunciamentos públicos dizendo que o país não está cumprindo e o mercado financeiro interpreta como um país que está com vulnerabilidade no sistema financeiro.

France explica as agências de classificação de risco como Standard & Poor’s (S&P), a Fitch e a Moody’s usam o cumprimento das normas editadas pelo Gafi para emitir as notas dos países.

– Se o Gafi o fizer uma declaração pública criticando essa decisão (do ministro Toffoli), isso pode ser levado em consideração pelas agências de rating e prejudicar a retomada do crescimento brasileiro. Acredito que o ministério da Economia pode se preocupar com o impacto dessa decisão – afirmou France.

Periodicamente, o Gafi faz avaliação dos países membros acerca da implementação de medidas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.

O Gafi foi criado em 1989 e é uma organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro. No início, o foco principal era sufocar as organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas. Depois do atentado de 11 de setembro nos EUA, o grupo também voltou esforços contra o terrorismo internacional.

Em fevereiro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, esteve uma reunião do grupo em Paris, França, onde fica a sede do Gafi junto com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Econômico (OCDE).

Guilherme France explica ainda que a própria lei antiterrorismo no Brasil foi editada em 2015 também a partir de uma pressão junto às instituições econômicas quando a situação da economia brasileira já dava sinais de problema. Segundo ele, na ocasião, o então ministro da economia, Joaquim Levy, apoiou a medida que enfrentava resistência de setores do PT tentando se antecipar a perda da nota de grau de investimento que, à época, o Brasil possuía. Em setembro daquele ano, porém, a S&P foi primeira a tirar o selo de bom pagador do Brasil. Em seguida, a Fitch e Moody’s, fizeram o mesmo.

Não esperar decisão judicial é praxe

A participação brasileira ocorre principalmente por meio do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), um órgão que existe há duas décadas exatamente para atuar no controle de lavagem de dinheiro. O Coaf foi diretamente impactado pela decisão de Toffoli.

Três das 40 recomendações internacionais estabelecem atribuições para órgãos como o Coaf. A orientação é que esses conselhos possam analisar e agir, comunicando os órgãos de investigação quando detectarem operações estranhas que apontem para lavagem de dinheiro. Na decisão que beneficia o filho de Bolsonaro, investigado por suposto esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o presidente do STF determinou a suspensão de inquéritos e procedimentos do Ministério Público – tanto o Federal quanto os estaduais – que utilizem relatórios do Coaf sem autorização da Justiça.

A praxe, no entanto, é que o Coaf encaminhe relatórios de inteligência financeira, os chamados RIFs, sem a necessidade de uma decisãojudicial. É esta, inclusive, a natureza do órgão. Desde 1998, os bancos são obrigados a informar ao Coaf movimentações acima de R$ 10 mil e que apontem sinais de irregularidades. Foi assim que se teve conhecimento, por exemplo, da atuação de Fabrício Queiroz, ex-motorista e ex-assessor de Flávio Bolsonaro. Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão em suas contas, com a participação de funcionários do gabinete de Flávio na Alerj. O Ministério Público passou a investigar, então, o suposto esquema de desvio de dinheiro público do gabinete.

Lentidão no cumprimento de recomendações

Segundo as fontes do MPF ouvidas pela reportagem, o Brasil já vinha sendo considerado pelo Gafi como “lento” no cumprimento das recomendações da entidade, exatamente em razão da grande dependência a decisões judiciais para avanço das investigações, como no caso de uma quebra de sigilo bancário, por exemplo. O entendimento é que, agora, com a decisão de Toffoli, o país recuou a um cenário de dez anos atrás.

Integrantes do MPF creem ser possível que o Gafi faça uma declaração pública contra a decisão do presidente do STF, ou mesmo que o Brasil passe a integrar uma “lista cinza” de países tolerantes com a lavagem de dinheiro. Gestos nesse sentido podem dificultar na concessão de créditos ao país, num momento em que o Brasil tenta integrar oficialmente a OCDE – o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já deu uma declaração de apoio à entrada brasileira na organização.

Em fevereiro, o ministro da Justiça de Bolsonaro, o ex-juiz federal Sergio Moro, participou de reunião do Gafi em Paris. Representantes do Coaf, da Polícia Federal (PF) e do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) também estiveram presentes.

Na ocasião, o Ministério da Justiça divulgou a informação de que “o governo brasileiro conseguiu se manter no Gafi” em votação feita pelo órgão internacional. Havia uma ameaça de suspensão, segundo o ministério, revertida em razão de aprovação de projeto de lei pelo Congresso que amplia os bloqueios de bens de organizações terroristas e de lavagem de dinheiro.

De O Globo