Bretas: “Recebo advogados e procuradores, mas não darei conselhos a ninguém”

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Foto: Fernando Frazão | Agência Brasil

Juiz responsável pelos casos da Lava Jato no Rio, Marcelo Bretas diz receber frequentemente advogados ou procuradores para conversas individuais em sua sala, na 7ª Vara Federal Criminal do Rio.

Bretas afirma que advogados até tentam arrancar conselhos seus sobre passos a seguir na defesa de seus clientes – mas “ninguém dá dicas”, afirma, sobre a conduta dos juízes. “Ninguém dá dicas”, reitera.

“Não tem nenhum tipo de aconselhamento, de direcionamento. Isso não existe”, afirma em entrevista à BBC News Brasil.

O juiz federal se nega a comentar o teor das mensagens vazadas que foram atribuídas ao ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, então juiz da Lava Jato em Curitiba, e a procuradores da força-tarefa. O material suscitou críticas à proximidade entre as partes e questionamentos sobre a parcialidade de Moro como juiz.

Bretas diz não poder fazer juízo de valor a respeito das mensagens – publicadas pelo site The Intercept Brasil e veiculadas também pelo jornal Folha de S.Paulo e pela revista Veja – porque, a seu ver, as questões “da ilegalidade e da veracidade” dos diálogos “ainda não estão superadas”. “Ou é legal ou é ilegal. Se é ilegal, é lixo”, afirma.

O juiz conversou com a BBC News Brasil em sua sala na 7ª Vara Federal Criminal do Rio, na qual é titular desde 2015, e ficou conhecido como o “Sergio Moro” do Rio – tendo prendido figuras como o ex-governador Sérgio Cabral, o empresário Eike Batista e, em medida preventiva em março, o ex-presidente Michel Temer.

Tinha a Bíblia sobre a mesa, como de costume; e, na parede, diplomas emoldurados de cursos que fez e da palestra que proferiu no ano passado na Universidade Harvard, nos EUA.

Bretas falou sobre a especulação gerada em torno do seu nome depois que o presidente Jair Bolsonaro indicou a possibilidade de indicar um juiz evangélico para o STF. “Só quem está lembrando de mim é a imprensa”, diz; sua atuação nas redes sociais, uma válvula de escape para o cerceamento à liberdade pessoal que veio com a atuação na Lava Jato (onde pode ser “mais Marcelo, e menos Bretas”); e sobre sua proximidade do governador do Rio, Wilson Witzel, a quem chama de Wilson, e com quem postou fotos no Sambódromo e no Maracanã. Apesar da sensibilidade política dos casos que julga, não considera a proximidade comprometedora.

“As pessoas pegam e veem, é o Marcelo e o governador. Eu não vejo isso. Para mim é o Marcelo e o Wilson”, afirma. “Mas qualquer coisa que eu faça vai ser usado contra mim”, constata.

Nascido em 7/7/1970, Bretas completou 49 anos no domingo e confessou uma predileção pelo número 7. “Não tem nada a ver com sorte ou azar, mas eu gosto. aqui é a 7ª vara… Marcelo tem 7 letras… Eu gosto. Por nada, eu só gosto.”

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil – Quando o senhor começou a atuar nos casos da Lava Jato no Rio, passou a ser chamado de ‘Sergio Moro carioca’. Como vê essa comparação hoje?

Marcelo Bretas – Nunca mudou. Eu sempre vi o Moro como um bom juiz, esforçado e trabalhador, e isso sempre foi para mim um elogio. Eu nunca quis ser chamado disso, mas vi as pessoas querendo me agradar, querendo me elogiar. Então não fiquei chateado. Não sou vaidoso do tipo, “quero deixar a minha marca. Não quero ser o Sergio Moro, quero ser o Marcelo Bretas”. Eu sempre vi como elogio, nunca tive problema.

BBC News Brasil – O hoje ministro Sergio Moro está enfrentando a crise da chamada Vaza Jato, com o vazamento de mensagens atribuídas a ele e a procuradores da força-tarefa em Curitiba que indicam proximidade indevida. Como o senhor avalia as mensagens que vieram à tona? Acha que indicam uma conduta inadequada da parte de Moro como juiz?

Bretas – O que posso falar é o seguinte. Há dúvidas sérias se esse material que está sendo veiculado é verdadeiro, e eventualmente se é editado. Se colocam-se ou tiram-se coisas dali para criar um clima de disputa política, de ataque à Lava Jato, às condenações de alguns políticos. Há dúvidas sobre a seriedade desse material. A primeira coisa a fazer antes de discutir qualquer coisa é saber se aquilo é verdadeiro. Que o jornalista preserve a fonte, mas apresente o original para que seja periciado. Na Justiça é sempre assim.

BBC News Brasil – Mas isso não é uma maneira de tirar o foco do conteúdo das conversas? Três veículos de imprensa examinaram o material e afirmam a sua autenticidade, que foi confirmada também por um procurador.

Bretas – Você está dizendo que basta a palavra da imprensa? Apesar de respeitar o trabalho da imprensa, não acho que deva ter a última palavra para afirmar se isso é verídico ou não.

Se você não sabe se aquilo é verdadeiro, não adianta discutir nada mais. Nenhuma discussão séria pode ser feita sem que se tenha certeza de que aquilo foi uma conversa realmente ocorrida.

Você não pode estimular esse tipo de crime. Daqui a pouco vai existir uma indústria de hackeamento e de gravações clandestinas no meio político porque, embora não sirva para fins criminais, politicamente pode ser usado por qualquer um contra qualquer um. Muitas pessoas estão ávidas para usar essas conversas em processo, para soltar preso, anular condenações. Isso é um estímulo à prática criminosa de hackers e de violação ao direito à privacidade. Isso é inadmissível.

BBC News Brasil – O caso gerou questionamento sobre a suposta proximidade entre Moro e procuradores da força-tarefa em Curitiba, e despertou atenção sobre a relação de juízes com as partes de um processo. O senhor tem diálogo frequente com os procuradores da força-tarefa da Lava Jato no Rio?

Bretas – Diálogo, sim. Não só com procuradores, com advogados inclusive. Houve um ministro do Supremo, o Joaquim Barbosa, que criticava muito isso. Essa possibilidade de os advogados despacharem no gabinete dos ministros, dos juízes. Essa prática é comum no Brasil inteiro. Todos os dias recebo advogados.

Obviamente que eu não vou dar nenhum tipo de aconselhamento. É uma conversa entre o juiz e o representante de uma parte. Da mesma forma, também converso com procuradores. E até com mais frequência, porque um grupo de procuradores cuida de muitos processos.

Essas conversas com um advogado ou um procurador são comuns. Isso é a rotina de toda a Justiça brasileira, e sempre foi assim.

BBC News Brasil – O senhor já deu dicas, já orientou condutas dos procuradores?

Bretas – Não, ninguém dá dicas. Ninguém dá dicas.

Vou confidenciar uma coisa. É comum o advogado vir aqui pedir dicas: “Estou pensando em fazer isso, o que o senhor acha?” Eu digo, “senhor advogado, o senhor não me leve a mal, mas não posso dizer o que o senhor deve fazer”.

Até por ingenuidade advogados perguntam isso, de boa fé. Mas eu obviamente não posso fazer isso (dar dicas). Se eu adiantar o que eu vou fazer, um advogado maldoso pode até vender essa informação para outra pessoa.

Da mesma forma, nenhum dos procuradores pergunta. “A gente vai ter prisão ou vai ter só busca?” Não existe isso. Eles apresentam o pedido e eu vou analisar. E aí eu concordo ou não concordo. Não tem nenhum tipo de aconselhamento, de direcionamento. Isso não existe.

BBC News Brasil – As mensagens vazadas indicam que haveria algum tipo de direcionamento e aconselhamento do juiz Moro em relação aos procuradores de Curitiba. Isso é normal?

Bretas – Eu não faço juízo de valor sobre isso. O primeiro ponto é a questão da licitude. No mundo jurídico, não existe algo ser ilícito para alguns casos, e lícito para outros. Ou é legal, ou é ilegal. Se é ilegal, é lixo.

Me parece que as questões da ilegalidade e da veracidade ainda não estão superadas. Só aí vamos à questão do que está propriamente dito, do que aquilo significa.

E nisso eu não posso me manifestar, porque não é matéria afeta à minha competência. Tanto que recentemente recebi uma intimação da CNJ (Conselho Nacional de Justiça), de Brasília, porque mencionei um caso abstrato de uma violência, um suposto estupro de um jogador.

Eu não comentei o caso, mas disse que aquele caso repercutiria em outros. Fui genérico. Mas mesmo com esse comentário genérico, eu tive que me explicar perante o CNJ, o corregedor (ministro Humberto Martins). Fiz a minha explicação.

Mas se eu responder à sua pergunta, o que eu acho disso, eu vou incidir na mesma conduta e eventualmente estou sujeito a uma nova reclamação da CNJ, o que não é conveniente.

BBC News Brasil – Essa postagem causou bastante polêmica. Foi vista como um posicionamento público do senhor a favor do Neymar.

Bretas – Você pode extrair dali que eu estaria sendo favorável, mas naquele caso eu não disse que ele tem razão, não disse que a mulher estava errada.

Eu disse que é importante investigar esses casos, para que não pairem dúvidas, porque esse tipo de dúvida prejudica muitos casos que acontecem pelo Brasil, e outros casos em que não há dúvida de que a mulher está sofrendo a violência.

Fiz um comentário genérico visando casos em geral. Mas isso não foi bem compreendido, e a imprensa fez a sua repercussão. Não foi bem compreendido pelo corregedor, que pediu esclarecimentos, e eu mandei.

BBC News Brasil – O senhor se arrependeu de ter feito o comentário?

Bretas – A gente se arrepende assim… Eu achei que estava contribuindo para o debate. Mas acabei pessoalmente sendo colocado em xeque, e foi colocada em xeque a minha atuação pessoal. A gente pensa, pôxa, eu quis contribuir e acabei tendo aí esse ônus. O ideal seria não ter participado. Mas não que tenha me arrependido do que disse. Foi um comentário genérico, como eu falei.

BBC News Brasil – Nesta semana, outro post do senhor repercutiu como uma defesa ao ministro Sergio Moro. O senhor questionou até quando seria admissível agredir magistrados no Brasil, citando expressões como “juiz justiceiro” e “juiz ladrão”, de que Moro foi xingado no Congresso.

Bretas – O ministro Sergio Moro não precisa da minha defesa. “Juiz ladrão” é um xingamento comum. “Juiz corrupto”. E outros que, para a magistratura, têm um significado pejorativo, como “justiceiro”.

Eu retransmiti uma matéria (sobre a criação de uma vara especializada em lavagem de dinheiro e organizações criminosas no Rio) em que alguns advogados diziam que isso causa surgimento de juízes heróis, justiceiros, donos da verdade, sempre no sentido pejorativo. E eu considerei aquilo uma ofensa. Meu nome é citado, inclusive, nessa reportagem.

E eu fiquei pensando. Eu faço um comentário genérico e tenho que me explicar. Mas posso ser ofendido livremente. E quem fala por nós, juízes? Não, nós temos que ficar quietos.

BBC News Brasil – Incomoda o senhor ser chamado de juiz herói, justiceiro?

Bretas – Ah, sim, incomoda, porque visa a minimizar a importância do meu trabalho. Olha só. Tudo que eu faço aqui é submetido a um tribunal no Rio de Janeiro. Depois a um outro tribunal em Brasília. E depois ao STF.

Se uma decisão minha chega até um ministro do Supremo, é porque ela se manteve perante o tribunal do Rio de Janeiro e o tribunal do STJ. Então no tribunal do Rio também são desembargadores heróis? São justiceiros? O ministro do STJ que manteve a minha decisão ele também seria um justiceiro?

Então abstrai-se disso tudo e volta-se à crítica ao juiz herói. Por que ao juiz de primeira instância? Porque é a parte mais fraca. É o soldado do sistema Judiciário. Mas se uma decisão está sendo discutida no STF, é porque ela foi mantida por várias outras autoridades do Judiciário, e aparentemente é uma decisão plausível, não é nenhuma aberração jurídica.

BBC News Brasil – O senhor é alvo de críticas de advogados criminais que consideram que o senhor abusa de expedientes como a condução coercitiva e prisão preventiva.

Bretas – Vou responder sobre as prisões, já que as conduções coercitivas acabaram. Muitas das prisões cautelares, preventivas, ou temporárias, são mantidas por desembargadores, por ministros do STJ. Então eu não posso aceitar a crítica. Um advogado, por definição, advoga. Ele fala em nome da defesa.

BBC News Brasil – Mas a decisão de prender o ex-presidente Temer, por exemplo, não foi mantida, e recebeu críticas.

Bretas – Sim, foi muito criticada. Eu discordo de um questionamento técnico. Essa decisão cautelar antes da ação penal é prevista em lei. Foi uma decisão que eu tomei, e alguns dias depois o desembargador (do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Antonio Ivan Athié) pensou diferente e decidiu diferente.

Mas poucos dias depois, a turma (a Primeira Turma do TRF-2), que é maior que o desembargador, desautorizou sua decisão e restaurou a minha decisão. Então o que esses advogados teriam a falar sobre a decisão da turma? Nada? Eles preferem criticar o juiz de primeira instância. As críticas são sempre dirigidas ao juiz, mas desconsideram que muitas decisões são mantidas acima do juiz.

Aí foi para Brasília e depois mudou… (o STJ decidiu pela soltura de Temer). O sistema é assim, cada juiz, desembargador, ministro, decide como entende correto. Não é uma receita de bolo.

BBC News Brasil – O senhor já proferiu sentenças condenatórias contra figuras poderosas, como o ex-governador fluminense Sérgio Cabral e o empresário Eike Batista, além da prisão preventiva de Temer. Como é lidar com processos de tanta visibilidade?

Bretas – É sempre muito difícil, porque a gente não é treinado para isso. Por mais que você não busque a exposição pública, ela é inevitável.

O que posso dizer é que tenho feito o meu melhor para não me contaminar com questões políticas. Evito qualquer tipo de atividade na minha vida pessoal que possa abrir brechas para alguma crítica ao meu trabalho como juiz.

Além de juiz, eu tenho a minha vida particular. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Mas quando se está processando pessoas conhecidas, de notoriedade pública, é comum que os acusados usem alguma crítica da pessoa do juiz para tentar diminuir a importância do processo, ou tirar o foco do processo para colocar em questões pessoais que não tem nada a ver, que não deveriam contaminar o processo. Temos visto isso sempre que políticos respondem a ações penais.

Daí existe uma preocupação pessoal muito grande de evitar qualquer manifestação pública desnecessária, qualquer aparição pública em um lugar que não seja condizente ou conveniente com a função. Ou seja, compromete-se muito a minha liberdade pessoal para não permitir que o processo seja contaminado com discussões públicas ou políticas.

BBC News Brasil – Mas o senhor explicita publicamente sua proximidade do governador do Rio, Wilson Witzel, com quem já postou fotos em jogos de futebol, no Sambódromo, ou voando juntos para prestigiar a posse do presidente Jair Bolsonaro. Isso não seria comprometedor?

Bretas – Normalmente tenta-se usar isso contra mim. Mas qualquer coisa que eu faça vai ser usada contra mim. Com o tempo, eu aprendi a me permitir um pouco mais. Não é muito apropriado, mas é como se eu me permitisse correr alguns riscos. Mas não é isso. Não acho que estou correndo riscos.

Ali, quando eu posto uma foto (ao lado de Witzel) no Maracanã. Antes de ele ser governador, é meu amigo. Eu e o Wilson nos conhecemos há cerca de 15 anos. Se fosse outro amigo, talvez não desse a repercussão que deu. Mas é o governador. Quando olho para ele, antes de ver o governador eu vejo um amigo de muitos anos.

Quando estava indo para a posse, a mesma coisa. Fomos eu e minha esposa, ele e a esposa dele. Quatro amigos indo para uma solenidade. Ali foi o Marcelo postando um passeio com um amigo. Mas é aquilo. As pessoas pegam e veem, é o Marcelo e o governador. Eu não vejo isso. Para mim, é o Marcelo e o Wilson.

BBC News Brasil – Mas o senhor julga processos de muita sensibilidade política. Por exemplo, especula-se que algum momento um processo envolvendo o ex-prefeito Eduardo Paes, rival do Witzel, possa estar em suas mãos. Essa proximidade não seria comprometedora?

Bretas – Eu jamais julgaria algo com relação ao Wilson, por ser meu amigo. Primeiro que não tenho competência. Como governador, ele não responde na primeira instância. Não tem nenhuma situação em que eu teria que julgá-lo.

Eu o trato como amigo, e se algum dia ele estiver na iminência de vir para a minha jurisdição, a mim caberá dizer, olha, é meu amigo, nesse caso eu não participo. Isso para mim é muito claro.

BBC News Brasil – Mas e casos de interesse político para o Witzel, como por exemplo se o Paes fosse réu?

Bretas – Mas aí você quer entrar dentro da alma das pessoas e imaginar. A lei determina que eu não posso ter relação de amizade ou inimizade com o réu. Agora as pessoas querem divulgar essa dúvida. Ah, o juiz não pode julgar alguma coisa envolvendo um amigo, ou um inimigo, de um amigo. Se for assim, não vai ter fim nunca. Há casos de pessoas que eventualmente julgam até casos que envolvem afilhado de casamento, né? E não se dão por suspeitos ou impedidos (referência ao ministro do STF Gilmar Mendes que foi padrinho de casamento da filha do empresário do setor de ônibus do Rio Jacob Barata Fillho, a quem mandou soltar da prisão três vezes).

Aí na primeira instância querem ir mais longe, e quer dizer que um juiz não poderia julgar porque a pessoa X seria inimigo do seu amigo. Bom, então vai ficar muito difícil conseguir um juiz que julgue alguma coisa no Brasil. Eu discordo disso.

BBC News Brasil – O governador Witzel tem sido acusado de estimular uma política de abate na segurança pública, defendendo o uso de atiradores de elite para “atirar na cabecinha” de criminosos. Já sofreu uma denúncia na Organização dos Estados Americanos (OEA) e questionamentos formais no Ministério Público. Dada a sua proximidade dele, como se posiciona diante dessa política?

Bretas – Eu não tenho nenhum tipo de aconselhamento. Não conversamos sobre esse assunto. O mundo político não toca no mundo jurídico. Eu não falo a língua do político. Eu não sei se esse discurso é bom para ele politicamente. Ajuda ele ou piora? Eu não sei. Então eu não me meto. Não digo, fale isso ou não fale isso.

Ele vestiu a camisa do mundo político, ele fala essa língua, eu não falo. E juridicamente ele tem o mesmo conhecimento que eu tenho.

Ele sabe muito bem, porque foi juiz, a implicação daquilo que ele está fazendo, ou determinando, que as polícias façam, como agem, e tudo mais. Se eu concordo com o que ele falou ou não, acho que não é devido (dizer). Não acho conveniente responder a sua pergunta, se eu acho isso correto ou não.

Só posso dizer que eu não trato isso com ele, nunca tratei. Ele faz as declarações que achar que tem que fazer. E acabou. Ele tem assessoria jurídica competente para isso. Não me pergunta o que eu acho.

BBC News Brasil – O presidente Jair Bolsonaro já indicou desejo de nomear um ministro evangélico para o STF, e o senhor já foi apontado como um possível candidato. Como vê essa possibilidade?

Bretas – Ser lembrado numa hora dessa é honroso. Mas eu preciso confessar que só quem está lembrando de mim é a imprensa (risos). Quem indica não é a imprensa, né? É o presidente da República. Ele mencionou que seria um evangélico, e começaram a apontar para mim. O simples fato de ter sido lembrado já me deixa feliz, mas nada além disso.

BBC News Brasil – É algo que o senhor gostaria?

Bretas – Eu e todos os juízes do Brasil. Quando o ministro (do STF Luiz) Fux foi indicado pela então presidente Dilma (Rousseff), ele disse a mais pura verdade. Lembrou que todo soldado sonha em ser general. É o topo da carreira, um sonho que todo mundo acalenta. Mas não tem nada que você possa fazer para acontecer, a não ser sonhar. Não existe campanha. Se quiser agradar um, vai desagradar outro.

Eu não virei evangélico porque ele (Bolsonaro) falou que queria um evangélico. Eu sempre fui evangélico. Você não fica atrás da nomeação. Não fica buscando isso. É uma conjuntura política, pode ser que aconteça, pode ser que não.

BBC News Brasil – Ser ou não evangélico influi na postura de um juiz, ou de um ministro?

Bretas – Eu entrei na magistratura e já era evangélico. Nunca fui questionado pela minha opção religiosa. Tenho aqui mais de 20 servidores e estagiários e nunca perguntei qual é a orientação religiosa, ou sexual, de ninguém.

Não é ponto importante para ser magistrado ser de religião A ou B. Por acaso, eu sou evangélico. Acho que cada um tem que ser respeitado nesse traço individual. É uma escolha pessoal. Não deve ser discriminado e nem promovido por isso.

BBC News Brasil – O senhor já citou versículos da Bíblia em decisões como juiz, e diariamente cita trechos do livro nas redes sociais. Não vê problemas em expressar sua religiosidade como magistrado?

Bretas – A minha religiosidade nas redes sociais eu sou livre para expressar. Aquilo ali é um ambiente pessoal, não tenho que dar satisfação. As pessoas pouco instruídas falam, “ah, o Estado é laico”. Mas estou no meu Twitter pessoal.

Eu já mencionei (a Bíblia) em duas ou três decisões. Qual é a explicação que eu dou? A Bíblia é composta de uma parte histórica e outra religiosa. Mencionar um princípio, um texto inteligente dito por Salomão, ou por Davi, eu não acho ofensivo. Nunca disse que a vontade de Deus é esta ou aquela.

Mencionei um princípio de Salomão (na decisão que autorizou a operação Calicute, que prendeu o ex-governador Sérgio Cabral em 2016). Diz mais ou menos assim – quando não se punem os malfeitos, as pessoas continuam praticando atos errados.

Eu acredito nesse princípio na vida. Eu defendo isso. Eu acho que é inteligente. Está em Eclesiastes. Não vejo problema em mencionar. Isso é cultura, gente.

BBC News Brasil – Quando começou a atuar na Lava Jato, o senhor se dizia avesso à visibilidade pública, mas se tornou muito ativo nas redes sociais. Sua postura mudou?

Bretas – Eu sempre fui (avesso). Mas de um tempo para cá, vi que não adianta. As pessoas me conhecem, nas ruas, onde vou. Então tive que me acostumar com isso. Eu não busco isso, mas fui aceitando. Não tem como lutar contra.

Depois de tanto tempo de restrições, de privações – e aí já se vão quatro anos mais ou menos (como juiz da Lava Jato) – é como se fosse eu tentando ser eu, Marcelo. Mais Marcelo e menos juiz, menos Bretas.

BBC News Brasil – O senhor vê as redes como um espaço de liberdade?

Bretas – É, mais ou menos isso. Tentando lembrar para mim mesmo que eu não sou só o Bretas, eu sou o Marcelo também. Então eu me permiti um pouco mais.

Visibilidade já há e não tem por que querer mais. Não ganho nada com isso. Se eu estivesse planejando ser político, talvez fosse um ativo no futuro, mas não é o caso, já disse muitas vezes.

Não existe interesse, não tem por que fazer. Interpretando a mim mesmo, eu tenho impressão que foi isso, sim – eu querendo mostrar para mim mesmo que eu devo ser um pouco mais Marcelo, e menos Bretas.

Da BBC