Crise democrática leva Duvivier de volta à Folha

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A crise da democracia brasileira, protagonizada por Bolsonaro, fez o escritor, roteirista, humorista e ator Gregório Duvivier a voltar a escrever na Folha. Ganha o lado de cá da refrega.

Leia a coluna:

Inferências acerca do leitor de jornal

Querido leitor de jornal, você é, antes de tudo, um excêntrico. Ao contrário do resto do país, você não está no WhatsApp. Isso, por si só, denota, senão persistência, alguma excentricidade. Olhe à sua volta. Se houver alguém, está no WhatsApp. Caso pareça que está trabalhando, deve estar no WhatsApp web, invenção que tem por único objetivo deixar fingir que se está trabalhando. Você tampouco está na labuta, é verdade —mas existem muitas formas de não trabalhar, e de todas elas você escolheu ler um jornal.

Você tampouco está no Instagram, o que faz de você um excêntrico do tipo subversivo. Os excêntricos mainstream, neste exato momento, estão caçando “likes” com fotos de sapato sobre azulejo. Você decerto não está no Twitter, e isso garante que você não é o presidente da República —o que é uma sorte danada. Vale celebrar.

Caso você tenha um jornal de papel nas mãos, alguém tentará inferir que você tem idade avançada. Ledo engano: os leitores mais velhos estão todos no Facebook. Você já deve ter percebido: a rede social de Zuckerberg tomou o lugar do bingo. Você, leitor analógico, não é necessariamente velho, mas certamente é vintage. Você tem nas mãos uma relíquia com os dias contados, como quem segura um canudo de plástico —e não se importa com isso.

Mesmo que você esteja lendo este texto no computador: posso garantir que você é, no mínimo, extravagante. Não bastou ler a manchete. Você clicou num link. Nos dias de hoje, uma percentagem ínfima dos leitores vão além da manchete. E não lembro onde foi que li isso, mas deve ter sido numa manchete.

E mais, de todas as partes do jornal, você está lendo uma crônica. Isso faz de você um excêntrico subversivo do tipo diletante. Se bem lhe conheço, você não perde tempo com nada que pode servir para alguma coisa.

Você parou um tempo do seu dia pra ler um texto que não informa nem edifica, escrito por um sujeito que não estudou para isso. E mais: você chegou ao fim —a duras penas, talvez, mas chegou. Pode ser um sinal dos tempos, mas hoje em dia fico emocionado com esse tipo de coisa. Olha só que coisa bonita: nós dois aqui, perdendo tempo juntos. É para você, meu igual, meu irmão, que volto a escrever aqui na Folha. Uma coisa eu garanto: não vai lhe acrescentar nadinha. Eu sei que você gosta. Caso contrário não estaria aqui, conversando comigo nesse não-lugar do espaço-tempo —enquanto o mundo desaba ao redor.

Da FSP