Franceses afirmam: Bolsonaro deveria ver sociologia como expertise a serviço da política

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Foto: Ulf Andersen/Aurimages /AFP

Sob ataque no governo Jair Bolsonaro (PSL), as ciências sociais são alvo de um entendimento equivocado da parte do presidente brasileiro e de outros mandatários atuais, dizem os sociólogos franceses Luc Boltanski e Arnaud Esquerre.

Para eles, que participam nesta semana do congresso da SBS (Sociedade Brasileira de Sociologia), em Florianópolis, o erro está em assimilar o exercício crítico inerente a essas disciplinas como algo nocivo à práxis do poder, inconveniente à real politik.

Os dois são ligados ao renomado Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) francês e assinaram juntos os livros Enrichissement – Une critique de la marchandise (2017; enriquecimento – uma crítica da mercadoria) e Vers l’extrême – Extension des domaines de la droite (2014; rumo ao extremo – extensão dos domínios da direita).

“O problema é não vê-las como uma expertise a ser usada para embasar ações e políticas de governo”, afirma Esquerre. “Essa desconfiança é muito presente na Europa hoje e está se fazendo sentir agora no Brasil.”

Boltanski lembra que, na França, a sociologia ganhou espaço na época da Guerra Fria, em paralelo com a política de desenvolvimento econômico dos sucessivos governos. “Sua função era ajudar o governo a fazer os investimentos certos, fornecer ferramentas.”

Hoje, prossegue ele, a economia —e só ela— serve de bússola aos administradores.

“A sociologia voltaria a ter prestígio se a ecologia estivesse no topo das preocupações dos governantes. Em países onde a ecologia é rechaçada, e a crise climática, negada, esse campo de conhecimento é pouco útil, é considerado inoportuno”, diz, referindo-se indiretamente à gestão Bolsonaro.

Na França, explica Boltanski, os sociólogos costumam ser interpelados por alas mais tradicionalistas do catolicismo e do islã “por supostamente promover a indiferenciação entre homens e mulheres e a deturpação da masculinidade” —a tal “ideologia de gênero”.

Em outubro de 2018, às vésperas do segundo turno da eleição no Brasil, o pesquisador foi um dos signatários de um artigo no jornal Le Monde que dizia que uma eventual ascensão de Bolsonaro ao poder ameaçava a democracia e representaria um freio a toda política global ambiciosa em matéria de ambiente ou preservação da paz.

Ele diz não ter acompanhado de perto o primeiro semestre do mandato do líder ultradireitista, mas descreve seu assombro recorrente, nos últimos anos, com o que chama de ataques à democracia “não mais por meio de golpes militares, mas pelo voto de gente que foi enganada”.

“É perturbador tentar entender por que uma maioria seja favorável a Bolsonaro, [Donald] Trump e [Matteo] Salvini [vice-primeiro-ministro da Itália, mas “a” cara do atual governo]. Não posso me impedir de pensar na derrapagem da Europa em direção a regimes autoritários no entre-guerras.”

A programação do 19º congresso da SBS, que se estende até esta sexta (12), pode ser consultada no site do evento.

Da FSP