Mídia se espanta com o monstro que criou

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Leia o artigo de Eduardo Guimarães, editor do Blog da Cidadania.

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Editorial da Folha de SP desta quarta-feira, 31 de julho, me fez, inevitavelmente, voltar no tempo. Mais precisamente: a 2007, dois anos após criar o Blog da Cidadania.

Lembro-me daquele mês de setembro. Havia poucos dias que o ministro Ricardo Lewandoski, do STF, fora monitorado pela Folha de SP em um restaurante enquanto falava ao telefone e dizia, ao interlocutor, que a mídia colocara a “faca no pescoço” do Tribunal para obrigá-lo a indiciar José Dirceu no escândalo do mensalão.

Dizia a matéria da Folha de 30 de agosto de 2007

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc3108200702.htm

“Em conversa telefônica na noite de anteontem, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), reclamou de suposta interferência da imprensa no resultado do julgamento que decidiu pela abertura de ação penal contra os 40 acusados de envolvimento no mensalão. “A imprensa acuou o Supremo”, avaliou Lewandowski para um interlocutor de nome “Marcelo”. “Todo mundo votou com a faca no pescoço.” Ainda segundo ele, “a tendência era amaciar para o Dirceu”.

Poucos dias depois, em 15 de setembro de 2007, eu convocara os leitores do Blog para uma manifestação diante da Folha. Escrevi um manifesto no qual dizia que tudo aquilo terminaria muito mal, e que tiraria a extrema-direita do armário.

O jornal registrou assim o ato em questão:

Ainda ontem, cerca de 90 manifestantes, segundo a PM, participaram de ato batizado de “Movimento dos Sem-Mídia”, em frente ao prédio da Folha.

“Um manifesto -endossado por cerca de 190 pessoas, segundo os organizadores- foi protocolado na portaria do jornal. O ato durou quase duas horas. “A mídia ataca o governo federal em benefício de seus opositores”, discursou Eduardo Guimarães, organizador do protesto”

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1609200705.htm

Resumo da ópera: durante os oito anos seguintes, a mídia fustigou sem parar um grupo político que reduziu a desigualdade, a dívida externa, a pobreza, a miséria, deu programas sociais inéditos ao povo, fez o desemprego cair todo dia durante mais de uma década e o salário médio do trabalhador subir todo dia.

No governo que a mídia atacou sem tréguas, nunca houve um mísero ataque ou cerceamento àquela mídia. Ainda assim, ela fez tudo para derrubar o governo Dilma Rousseff e para encher a bola dos maníacos que, hoje, sustentam o psicopata que descreve editorial do jornal diante do qual eu e meus leitores nos manifestamos.

Leia a Folha lamentando o monstro que ela ajudou a criar

FOLHA DE SP

31 de julho de 2019

Espiral de infâmias

Em declarações, Bolsonaro escancara leviandade e inclinação autoritária

Numa escalada sem precedentes de insultos às normas de convívio democrático, aos fatos históricos, às evidências científicas e aos direitos humanos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) aguçou nos últimos dias as tensões e incertezas em torno de sua administração.

Se no início de mandato declarações e medidas estapafúrdias ainda podiam, com boa vontade, ser vistas como tentativa de satisfazer o eleitorado mais fiel e ideológico, o que se verifica agora é um padrão de atitudes que ofendem o Estado de Direito, reforçam preconceitos e aprofundam as divisões políticas.

Além de expor o despreparo do chefe do Executivo para desempenhar suas funções num quadro de coexistência com as diferenças, a insistência na agressão e na boçalidade revela uma personalidade sombria que parece se reconhecer, com júbilo, nas trevas dos porões da ditadura militar.

As insinuações sórdidas acerca do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz —morto, segundo as investigações, sob a guarda do poder autoritário—, são um exemplo da pequenez e da leviandade a que pode chegar o presidente.

Não espanta, aliás, que tenha classificado como “balela” documentos oficiais sobre abusos cometidos pelo regime. Já eram, afinal, conhecidos seus elogios ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, bem como suas simpatias pelas violações praticadas no submundo dos órgãos de repressão.

Enganou-se, infelizmente, quem esperou que a condição de presidente da República levaria o ex-deputado nanico a moderar o discurso e buscar alguma conciliação.

Pelo contrário, são os traços intolerantes e obscurantistas do mandatário que saltam aos olhos nos ataques e afirmações falsas dirigidos aos jornalistas Miriam Leitão e Glenn Greenwald, nas imposturas acerca do desmatamento da Amazônia, nas ameaças de censura ao cinema, no tratamento injurioso aos nordestinos e no desdém pelo massacre de presos no Pará.

Talvez transtornado com as críticas à indicação vexatória de um filho à embaixada em Washington, ou com as investigações que envolvem outro, Bolsonaro aprofunda a estratégia populista e acentua a retórica de confrontação.

Com índices de aprovação aquém dos obtidos por seus antecessores em igual período do mandato, o presidente desperta crescente apreensão quanto a seu desempenho nos anos vindouros.

Para alguns analistas, os destemperos verbais já começam a fornecer munição para um eventual enquadramento em crime de responsabilidade, por procedimentos incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.

Não se vê nenhum movimento nesse sentido, e a perspectiva de reforma da Previdência dá fôlego ao governo. Entretanto a recente espiral de infâmias não poderá se perpetuar sem consequências.