MPF denuncia sem provas filho de ex-reitor da UFSC que se suicidou

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Foto: Caio Cezar | Folhapress

O Ministério Público Federal de Santa Catarina denunciou o professor universitário Mikhail Vieira Cancellier e outras 12 pessoas ligadas à UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) por participação em um suposto esquema de desvio de verbas federais de programas de educação à distância.

Mikhail, acusado de peculato, é filho de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, ex-reitor da UFSC que se suicidou após ser preso pela Polícia Federal no âmbito da Operação Ouvidos Moucos. Em 2 de outubro de 2017, Cancellier se jogou do último andar de um shopping center de Florianópolis. Na ocasião ele não era acusado de desvios, mas sim de obstrução de justiça.

Sua prisão foi determinada pela juíza Janaína Cassol Machado, que saiu de licença um dia após a decisão, que aconteceu em 14 de setembro daquele ano. Um dia depois, a juíza Marjôrie Cristina Freiberger, que substituía Cassol, analisou o caso e decidiu soltá-lo imediatamente. Cassol é quem analisará se aceita a denúncia feita pelo procurador André Bertuol, que assina a acusação contra os professores e outros supostos envolvidos.

A prisão de Cancellier em 2017 foi uma solicitação da delegada Erika Mialik Marena, responsável pela Ouvidos Moucos e que antes da delegacia de Florianópolis chefiou a Lava Jato, em Curitiba. Erika saiu do caso após o suicídio do reitor, transferida para Sergipe.

O seu substituto, o delegado Nelson Napp, foi responsável pelo relatório final da operação. Napp disse  que Cancellier só não foi indiciado porque havia morrido e aponta seu filho como um dos beneficiados pela suposta quadrilha.

A conclusão de Napp sobre a participação de Mikhail Cancellier em um esquema de corrupção é baseada em transações financeiras que aconteceram entre agosto e outubro de 2013 e que totalizaram R$ 7 mil.

O professor da UFSC Gilberto Moritz, amigo de Luiz Carlos Cancellier, fez as transferências para a conta de Mikhail naqueles meses. Cancellier não era reitor na ocasião, mas coordenava alguns projetos acadêmicos e Moritz era bolsista em pelo menos um deles. O delegado, então, associou uma coisa à outra.

“Comenta-se que os recursos transferidos para Gilberto Moritz foram oriundos do projeto Especialização Gestão Organizacional e Administração em RH (TJ), coordenado por Luiz Carlos Cancellier, sendo este o ordenador de despesa do referido projeto. Após o recebimento dos recursos, Gilberto Moritz transferiu para Mikhail Vieira de Lorenzi Cancellier filho do ex-reitor Cancellier) o valor de R$ 7.102”, diz o relatório final da Polícia Federal.

O procurador André Bertuol não apresentou novas provas que incriminassem Mikhail, mas chegou à mesma conclusão do delegado de que ele teria se beneficiado de um suposto esquema.

“Valendo-se das facilidades proporcionadas pela fragilidade das rotinas de controle e transparência da UFSC e Fundações de Apoio, desviou em proveito próprio e alheio valores recebidos da Funjab [Fundação José Arthur Boiteux], ao receber uma bolsa simulada que seu pai, Cancellier, concedeu ao também denunciado Moritz.”

Segundo o MPF, Cancellier teria repassado R$ 7.102 para Moritz por meio da Funjab “a título de bolsas por suposta prestação de serviços”. Dias depois, Moritz teria repassado o mesmo valor para Mikhail, o que configuraria uma “simulação de bolsas sem a devida contraprestação”.

O procurador não aponta uma prova de que a bolsa foi simulada ou de que o dinheiro era originário dela.

Em depoimento, Mikhail disse não saber os motivos da transferência e afirmou não ter relação acadêmica ou comercial com Moritz. Na época das transações financeiras ele tinha 25 anos e era ajudado financeiramente pelo pai.

Os fatos investigados pela Polícia Federal aconteceram de 2008 a 2017. Cancellier assumiu o cargo em maio de 2016, mas é o único reitor acusado tanto pela PF quanto pela Procuradoria. Seus antecessores nesse período, Alvaro Toubes Prata (2008 a 2012) e Roselane Neckel (2012 a 2016), não são alvos.

Para o MPF, a “incapacidade de manifestação” do filho de Cancellier sobre as transferências daria robustez à caracterização das manobras ilegais. Para comprovar sua tese, André Bertuol anexa uma ilustração com bonecos identificados como o ex-reitor Cancellier, seu filho Mikhail e Moritz, com três setas ligando os personagens representando a triangulação financeira.

A delegada Erika Mialik Marena, que foi a responsável pela Ouvidos Moucos, hoje comanda o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), cargo que ocupa a convite do ministro da Justiça, Sergio Moro, com quem trabalhou na Lava Jato.

Em março de 2019 ela também foi nomeada para a função de conselheira no Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão que ganhou notoriedade no final de 2018 após detectar movimentação bancária atípica de Fabrício Queiroz, ex-assessor de senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) em seu mandato como deputado estadual.

O advogado Edward Carvalho, representante de Mikhail, diz que a denúncia é um ataque à memória do pai.

“Quebraram seu sigilo bancário e o que encontraram foi aquilo, R$ 7 mil de transferência em três meses. Ele já provou sua inocência durante o inquérito. Infelizmente agora vai ter que provar a inocência numa ação penal”, afirma.

O MPF disse à reportagem que não fará manifestações adicionais em relação ao caso.

Da FSP