PAULO WHITAKER / Agência O Globo

NYTimes: Bolsonaro já levou 1.330 milhões de m² da Amazônia

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O jornal norte-americano New York Times publicou neste domingo (28) uma reportagem sobre a relação entre o aumento da destruição da floresta Amazônica (lado brasileiro) com as políticas do governo Bolsonaro. O resultado é desesperador e inédito.

“Sete meses após assumir o Planalto, é isso que vem acontecendo. A Amazônia brasileira perdeu mais de 1.330 milhões de quilômetros quadrados de cobertura florestal, desde que Bolsonaro assumiu o poder. Um aumento de 39% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com dados oficiais”.

Leia a reportagem na íntegra, traduzida:

Sob o líder de extrema-direita do Brasil,

as proteções amazônicas são cortadas e as florestas caem

A destruição da floresta amazônica no Brasil aumentou rapidamente desde que o novo presidente de extrema direita do país assumiu e seu governo reduziu os esforços para combater a extração ilegal de madeira, pecuária e mineração.

Proteger a Amazônia esteve no centro da política ambiental do Brasil nas últimas duas décadas. Em um ponto, o sucesso do Brasil em desacelerar a taxa de desmatamento tornou-se um exemplo internacional de conservação e o esforço para combater a mudança climática.

Mas com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, um populista que foi multado pessoalmente por violar as regulamentações ambientais, o Brasil mudou substancialmente de rota, recuando dos esforços que fez para desacelerar o aquecimento global ao preservar a maior floresta tropical do mundo.

Enquanto fazia campanha para a presidência no ano passado, Bolsonaro declarou que as vastas terras protegidas do Brasil eram um obstáculo ao crescimento econômico e prometeram abri-las à exploração comercial.

Sete meses de governo

Sete meses depois, isso já está acontecendo.

A parte brasileira da Amazônia perdeu mais de 1.330 milhas quadradas de cobertura florestal desde que Bolsonaro assumiu o cargo em janeiro, um aumento de 39% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com a agência do governo que rastreia o desmatamento.

Somente em junho, quando a estação mais fria e seca começou e o corte de árvores se tornou mais fácil, a taxa de desmatamento aumentou drasticamente, com aproximadamente 80% mais cobertura florestal do que em junho do ano passado.

O desmatamento da Amazônia está aumentando à medida que o governo de Bolsonaro recua com medidas de fiscalização, como multas, advertências e apreensão ou destruição de equipamentos ilegais em áreas protegidas.

Uma análise de registros públicos do New York Times descobriu que tais ações de fiscalização pela principal agência ambiental do Brasil caíram 20% durante os primeiros seis meses do ano, em comparação com o mesmo período de 2018. A queda significa que vastas extensões da floresta tropical podem ser derrubado com menos resistência das autoridades da nação.

As duas tendências – o aumento do desmatamento e a crescente relutância do governo em enfrentar atividades ilegais – são preocupantes para pesquisadores, ambientalistas e ex-autoridades que afirmam que o mandato de Bolsonaro pode levar a enormes perdas de um dos recursos mais importantes do mundo.

Desmatamento descontrolado

“Estamos enfrentando o risco de desmatamento descontrolado na Amazônia”, oito ex-ministros do Meio Ambiente do Brasil escreveram em uma carta conjunta em maio, argumentando que o Brasil precisava reforçar suas medidas de proteção ambiental, não enfraquecê-las.

Bolsonaro rejeitou os novos dados sobre o desmatamento, chamando as mentiras de seu próprio governo de “mentiras” – uma afirmação que os especialistas chamam de infundada. Durante uma reunião com jornalistas internacionais na semana passada, o presidente chamou a preocupação com a Amazônia de uma forma de “psicose ambiental” e argumentou que seu uso não deve ser para estrangeiros.

“A Amazônia é nossa, não sua”, disse ele a um jornalista europeu.

A posição do governo Bolsonaro tem atraído fortes críticas dos líderes europeus, injetando uma irritação a um acordo comercial fechado no mês passado entre a União Europeia e um bloco de quatro países sul-americanos, incluindo o Brasil.

Durante uma recente visita, Gerd Müller, ministro de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, disse que proteger a Amazônia é um imperativo global, especialmente considerando o papel vital da floresta tropical na absorção e armazenamento de dióxido de carbono, essencial para o esforço de desacelerar o aquecimento global. E quando as árvores são cortadas, queimadas ou intimidadas, o dióxido de carbono volta diretamente para a atmosfera.

Financiamentos

A Alemanha e a Noruega ajudam a financiar um fundo de conservação de US $ 1,3 bilhão para a Amazônia, mas o governo Bolsonaro questionou sua eficácia, levantando a possibilidade de que o esforço possa ser suspenso.

“Sem florestas tropicais, não há solução para o clima”, disse Müller durante um evento em São Paulo.

Durante a campanha, Bolsonaro prometeu acabar com o Ministério do Meio Ambiente. Ele finalmente descartou o plano sob pressão do setor agrícola do país, que temia que a medida incitasse um boicote aos produtos brasileiros.

Poucas semanas antes de sua posse, o Brasil abruptamente saiu de seu compromisso de sediar uma cúpula global sobre mudanças climáticas. Então, quando ele assumiu o cargo, o governo de Bolsonaro cortou o orçamento da principal agência ambiental em 24%, parte de uma redução de custos mais ampla em todo o governo.

Ele denunciou multas ambientais como uma “indústria” que precisa ser fechada. E seu governo disse que pretende enfraquecer a autoridade dos agentes de proteção ambiental para queimar veículos e outros equipamentos pertencentes a madeireiros e mineradores em áreas protegidas.

Bolsonaro rejeitou críticas internacionais a suas posições, argumentando que os pedidos para preservar grandes partes do Brasil fazem parte de um plano global para impedir o desenvolvimento de seu país. Neste mês, ele acusou os líderes europeus de pressionar por uma conservação mais forte da Amazônia, porque eles esperam desenvolvê-la no futuro.

“O Brasil é como uma virgem que todo pervertido do lado de fora quer”, disse ele.

Já foi líder

O Brasil já havia tentado se apresentar como um líder na proteção da Amazônia e no combate ao aquecimento global. Entre 2004 e 2012, o país criou novas áreas de conservação, aumentou o monitoramento e retirou créditos governamentais de produtores rurais que foram apanhados arrasando áreas protegidas. Isso trouxe o desmatamento ao nível mais baixo desde que a manutenção de registros começou.

Mas sofreu reveses antes. Enquanto a economia mergulhava em uma recessão em 2014, o país tornou-se mais dependente das commodities agrícolas que produz – carne bovina e soja, que são as causas do desmatamento – e do poderoso lobby rural. O desmatamento começou a subir novamente.

Bolsonaro prometeu acabar com as barreiras remanescentes para o desenvolvimento de terras protegidas. Ele também falou ironicamente sobre o trabalho de fiscalização da agência ambiental, que ele experimentou em primeira mão.

Em 25 de janeiro de 2012, agentes ambientais interceptaram um pequeno barco de pesca em uma reserva ecológica no estado do Rio de Janeiro que o Sr. Bolsonaro, então legislador federal, estava a bordo. Ele discutiu com os agentes por cerca de uma hora e ignorou suas exigências de que ele fosse embora, disse José Augusto Morelli, o agente responsável pela equipe.

Bolsonaro se recusou a se identificar, disse Morelli. Mas o agente tirou uma foto de Bolsonaro, que usava um maiô branco parecido com uma Speedo.
Bolsonaro nunca pagou a multa, que foi rescindida pouco depois de ele ser empossado como presidente em janeiro. No final de março, Morelli foi rebaixado, decisão que ele considera uma forma de retaliação à multa de 2012.

A recusa do Sr. Bolsonaro em pagar a multa é comum. Quase cinco por cento das multas ambientais no Brasil são contestadas na justiça, um processo que muitas vezes se arrasta por vários anos.

O desastre Ricardo Salles

Agora, o ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, quer criar um mecanismo que daria a um painel do governo o poder de reduzir ou suspender penalidades ambientais, preocupando ex-funcionários que dizem que isso enfraqueceria a fiscalização ainda mais.

Salles, que não respondeu a vários pedidos de entrevista, reconheceu as deficiências das agências de fiscalização ambiental encarregadas de policiar a atividade comercial em áreas protegidas. Mas ele argumentou que o sistema havia sido esvaziado pelos governos anteriores.

Quanto ao meio ambiente, Salles disse que o governo está priorizando problemas urbanos, como a modernização dos sistemas de gerenciamento de esgoto e tratamento de esgoto, que ele disse estarem em um estado “vergonhoso”.

Outras autoridades do governo de Bolsonaro responderam ao forte aumento do desmatamento com uma mistura de negação e defesa.

Com uma abordagem diferente, Onyx Lorenzoni, chefe de gabinete de Bolsonaro, apontou o que chamou de tentativas do exterior para moldar a política ambiental do Brasil.

“Não somos ingênuos”, disse Lorenzoni. “Existe uma visão no mundo, patrocinada por organizações não-governamentais, que relativiza a soberania do Brasil sobre a Amazônia.”

Mas, ele advertiu em uma recente reunião com os repórteres: “Aqui está uma pequena mensagem: ‘Não brinque com a gente'”.

De New York Times (in english)