Para juristas, portaria de Moro é só ‘ensaio’; Glenn não se enquadra

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Publicada ontem pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, a portaria 666 tem pouca margem para permitir a deportação de Glenn Greenwald, do site Intercept Brasil, na avaliação de juristas ouvidos pelo UOL.

Em meio à divulgação de mensagens atribuídas a Moro pelo site fundado por Glenn, a portaria foi classificada de “terrorismo” pelo jornalista norte-americano.

O texto regula o “impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”.

Mas a portaria cita “suspeitos” de terrorismo, tráfico de drogas, exploração sexual e torcidas organizadas” – nenhuma categoria aplicável a Glenn.

Glenn em situação regular

Segundo Thiago Amparo, professor de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o jornalista norte-americano não poderia ser atingido pela portaria por não estar vivendo no Brasil em situação irregular e tem família no país (marido e filhos brasileiros), como determina a Lei de Migração, que estabelece as regras para a permanência de estrangeiros no Brasil, seja turista ou migrante.

“Outro ponto é o direito constitucional de proteção do sigilo da fonte do jornalista. Ele não pode ser expulso se o que ele fez foi proteger a fonte, mesmo que o material usado tenha sido obtido de forma ilegal”, diz Amparo.

O professor lembra ainda que há jurisprudência que determina que não há irregularidade por parte do jornalista ao usar o material conseguido ilegalmente que tem uma relevância pública. O criminoso seria, nesse caso, quem conseguiu a informação –no caso envolvendo Moro, as mensagens do Telegram que o ministro não reconhece a autenticidade.

O próprio projeto de lei anticrime impulsionado por Moro e suas 10 medidas contra a corrupção preveem que a exclusão da “ilicitude da prova” se ela for “necessária para provar a inocência do réu ou reduzir-lhe a pena”. A advogada constitucionalista Vera Chemim tem um entendimento diferente em relação ao uso de informações obtidas de forma ilegal. “Glenn tem direito ao sigilo da fonte. Mas se ele sabia que a informação dada a ele era ilícita, aí é uma questão da Polícia Federal investigar. Independentemente do direito ao sigilo da fonte, é preciso investigar se o jornalista sabia que era algo ilícito. Se a polícia conseguir provar a ligação, complica para o jornalista”, diz a advogada.

Vera lembra ainda que a violação da intimidade e vida privada de uma autoridade pública, como foi o caso de Moro e Bolsonaro, pode ser enquadrada na lei de Segurança Nacional.

“Isso estaria incluído no ‘ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal’ de suspeitos”, e a portaria é generalizada”, explica.

Amparo lembra ainda que não existe a “deportação sumária” na Lei de Migração. “Uma das ilegalidades da portaria é que ela estabelece uma outra forma de retirada do país sendo que a lei não dá essa previsão.

A deportação, de acordo com a lei, só é feita quando a pessoa está em situação irregular e depois de todo um procedimento que dura cerca de 60 dias”, explica o professor.

A expulsão, segundo Amparo, é feita segundo a lei quando a pessoa cometeu crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão. No caso de crime comum, depende da gravidade do crime e depois de o estrangeiro ser julgado. A portaria de Moro ainda prejudicaria o direito de defesa, segundo Amparo, já que ela abriria uma brecha para que qualquer pessoa considerada suspeita seja deportada de forma “sumária”. Para a execução, de acordo com a medida, bastaria “informação de inteligência proveniente de autoridade brasileira ou estrangeira” ou “investigação criminal em curso”.

De UOL