Weintraub reunirá reitores: privatizar as federais deve ser pauta

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Foto: Reprodução

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, recebe na tarde desta terça-feira (16) reitores de universidades federais para apresentar uma proposta de mudança nas instituições da rede federal de ensino. Batizada de Programa Future-se, a proposta tem como objetivo aumentar a eficiência das universidades mantidas pelo governo federal, mas a ideia do Ministério da Educação (MEC) é torná-la pública apenas na manhã de quarta (17).

A reunião com reitores vai acontecer depois de uma reunião do Conselho de Governo especificamente sobre “inovações nas universidades”, com a participação de membros da Secretaria de Educação Superior (Sesu) do MEC, que estão por trás da nova proposta. Na manhã desta terça (16), o ministro disse em uma rede social que apresentaria o programa aos ministros, mas não deu detalhes.

Procurada pelo G1 nesta segunda-feira (15), a assessoria de imprensa do Ministério da Educação disse não ter detalhes sobre o conteúdo da proposta, ou da pauta da reunião que acontece na tarde desta terça entre o ministro e os reitores. Reitores convidados para o encontro também disseram que não foram informados sobre o assunto da reunião.

Por enquanto, as únicas informações oficiais foram antecipadas por Weintraub em suas redes sociais ou em conversas com jornalistas.

Mas fontes ouvidas pelo G1 afirmam que uma das alternativas em estudo pelo governo é mudar a legislação para permitir que as universidades, caso tenham interesse, possam alterar sua natureza jurídica e funcionar parcial ou totalmente sob a gestão de entidades privadas, ainda que sem fins lucrativos e com função social.

Eficiência e adesão voluntária

Embora tenha evitado detalhar a proposta, desde domingo (14) o ministro afastou, em mais de uma ocasião, rumores de que a ideia envolva a cobrança de mensalidade dos estudantes ou a privatização do ensino superior federal. “Não há privatização alguma!”, disse Weintraub em uma rede social na noite de domingo. “O que a gente vai fazer: eficiência”, reiterou ele durante um compromisso oficial em Florianópolis nesta segunda (15).

Ainda em Santa Catarina, Weintraub afirmou que a motivação por trás da nova política para o ensino superior é melhorar a gestão das universidades e institutos para reduzir gastos e usar essa sobra para aumentar os recursos direcionados à educação básica.

“A gente vai priorizar eficiência e a primeira infância. São os países que deram certo que fizeram isso”, afirmou o ministro.

No domingo, ele também deu outra pista sobre o programa, dizendo que a adesão será voluntária por parte das instituições. “A adesão das universidades será voluntária, permitindo separar o joio do trigo…as que quiserem ficar no atual modelo, poderão ficar…”, afirmou ele.

Reprodução de tuíte do ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicado na segunda-feira, 14 de julho. — Foto: Reprodução/Twitter

Mudança da natureza jurídica

Fontes ouvidas pelo G1 afirmaram que a ideia de propor esse novo modelo às universidades e institutos federais deve passar pela mudança da natureza jurídica delas. A medida já havia sido estudada em gestões anteriores do MEC, mas nunca foi levada adiante.

Atualmente, a maior parte das universidades e institutos são autarquias, e algumas são fundações públicas, ou seja, entidades da administração pública indireta.

Isso quer dizer que elas dependem do orçamento público federal, mas têm autonomia para executar essa verba – no caso das instituições federais de ensino superior (Ifes), historicamente a definição e execução orçamentárias seguem uma matriz de referência, criada em parceria entre as próprias instituições e o MEC.

Caso fossem entidades da administração pública direta, as universidades não seriam responsáveis pela execução de seu orçamento, e dependeriam do MEC para definir detalhes como renovação de contratos de serviços terceirizados ou compra de papel para as impressoras de um laboratório.

Além desses dois tipos de administração, há ainda opções de gestão administrativa de caráter privado, mesmo que sem fins lucrativos e subordinadas a condições semelhantes da gestão pública, como, por exemplo, empresas públicas e organizações sociais, as chamadas OS.

Modelos de gestão privada

Mudar a natureza jurídica das universidades federais não era uma pauta discutida concretamente durante a gestão do ministro Ricardo Vélez, no início deste ano, mas já havia sido estudada durante o governo de Michel Temer, segundo pessoas que já passaram pela pasta. Nenhuma proposta concreta, porém, chegou a sair do papel na gestão passada.

Já no governo de Dilma Rousseff, uma iniciativa de criar uma entidade sob a supervisão do MEC, mas de direito privado, acabou se concretizando em dezembro de 2011.

  • Empresa pública, mas com personalidade jurídica de direito privado

Trata-se da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), criada por lei como uma “empresa pública dotada de personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio”.

A EBSERH foi pensada para gerenciar os diversos hospitais existentes nas universidades federais. Os chamados “hospitais universitários” servem dois propósitos: o primeiro é apoiar na formação prática dos estudantes de medicina daquela universidade, e o segundo é oferecer atendimento na área da saúde para a população.

Atualmente, 40 dos 50 hospitais universitários já se encontram sob a gestão da EBSERH, sendo que 18 deles estão em “gestão plena”, e funcionam com o CNPJ da empresa. Os recursos, porém, são públicos e vêm de duas fontes: o Sistema Único de Saúde (SUS), e o próprio MEC.

  • Organização Social (OS)

Já as organizações sociais (OS) são entidades de caráter privado, mas que ganham esse status social caso cumpram uma série de requisitos, como eficácia comprovada e fins sociais. Esse modelo já foi adotado em áreas como a saúde e a cultura, mas ainda não foram disseminadas no setor educacional.

A melhoria, no caso da saúde, já foi atestada em alguns casos, como em hospitais da periferia da cidade de São Paulo que, hoje, são geridos por OS criadas por grupos hospitalares privados de excelência, que disputaram os contratos de gestão e hoje oferecem atendimento gratuito de alta qualidade.

Por outro lado, diversos casos de corrupção envolvendo contratos entre o setor público de saúde e as OS já foram revelados. Só em 2019, houve registros de superfaturamento, desvio de verbas ou pagamento de propina em mais de um hospital no Rio de Janeiro, na Paraíba, no Interior de São Paulo, em Goiás, que foram inclusive alvo da Operação Calvário, da Polícia Federal.

No caso do setor educacional, assim como na saúde, existem inúmeras entidades de caráter privado atuando na educação superior. O próprio ministro da Educação afirmou, nesta segunda-feira em Santa Catarina, que as universidades federais “atendem só 15% do público que faz universidade, os outros 80% é privado”. Porém, um caráter que diferencia a rede pública de ensino superior e a privada é o fato de que a primeira não apenas dá aulas, mas funciona no “tripé” ensino, pesquisa e extensão. Um estudo publicado em 2018 analisou mais de 250 mil artigos científicos produzidos no Brasil e apontou que 95% deles foram publicados por universidades públicas.

Sem acesso aos detalhes da proposta do MEC, uma alternativa apontada por especialistas consultados pela reportagem é que ela possa seguir modelos já praticados no setor da cultura. Como não havia entidades privadas com experiência em gestão cultural, uma solução encontrada em São Paulo nos últimos anos foi a criação de entidades privadas reconhecidas como OS pelos gestores públicos de equipamentos como a Pinacoteca de São Paulo e o Museu Afro-Brasileiro.

Crise de gestão x crise fiscal

Quando entregue às organizações sociais, a gestão das autarquias pode ter diversos processos flexibilizados, ainda que de forma relativa:

  • contratação de novos professores, por exemplo, não precisaria ser feita pelo mesmo tipo de concurso público, mas tampouco poderá ser feita sem qualquer publicidade e processo seletivo, como pode acontecer em uma empresa privada;
  • Os novos funcionários não seriam servidores públicos, mas contratados pela CLT, o que facilita o processo de demissão e reduz os cursos previdenciários, já que eles seriam contratados pelo regime geral da Previdência;
  • compra de produtos ou a contratação de serviços públicos também não precisaria seguir todos os artigos da Lei de Licitações, mas deveria cumprir princípios como publicização do edital, isonomia no tratamento dos concorrentes, competição e escolha da melhor proposta.

Os especialistas consultados pelo G1 explicam, porém, que mudar o modelo de gestão não necessariamente tem impacto positivo na melhoria administrativa, principalmente se o problema não for gerencial, mas sim de falta de recursos financeiros.

No caso das universidades, que têm quase todo o seu orçamento comprometido pela folha de pagamento (um gasto obrigatório), há anos a verba discricionária (não obrigatória) sofre reduções.

Neste ano, um novo contingenciamento atingiu todas as universidades federais.

Sem espaço de manobra, as decisões gerenciais acabam limitadas ao pagamento dos gastos prioritários, uma medida que não deve mudar apenas transformando o modelo jurídico das universidades e institutos.

Do G1