A Distopia da MP Da Liberdade Econômica

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Leia o artigo de João Chaves, advogado e colaborador do Blog da Cidadania.

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A chamada “MP da Liberdade Econômica” tem sido objeto de diversos questionamentos principalmente pelas novas alterações que promove na Consolidação das Leis do Trabalho, apenas dois anos após a reforma trabalhista aprovada pelo governo Temer. Muito se discutiu sobre questões específicas, como a regulamentação do trabalho aos domingos e as dificuldades impostas para responsabilização de sócios de empresas inadimplentes. Estas alterações estão inseridas em um contexto mais amplo, dentro da política econômica proposta pelo ministro Paulo Guedes. A MP ainda introduziu expressamente o “princípio da intervenção mínima nos contratos particulares”, que tem sido aplicada pelo Poder Judiciário, inclusive em ações envolvendo direito do consumidor.

Ocorre que contratos desta natureza são dotados de proteção específica pela lei, cabendo a intervenção estatal para que a distância econômica entre as partes não promova injustiças. A legislação anti-dumping, por exemplo, prevê punições a empresas que cometam reiteradas violações trabalhistas, tributárias e consumeristas com o objetivo de maximizar seus lucros indevidamente. Essas práticas podem configurar concorrência desleal.

A dita “MP da Liberdade Econômica”, com a redação que lhe foi dada, permite uma interpretação mais flexível acerca destes temas e abre margem para que os critérios de punições sejam alterados.

É papel dos órgãos de controle, como Ministério Público e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), operar para evitar abusos neste sentido, ainda que a equipe econômica defenda pouca interferência.

A Constituição consagrou o estado como vetor de distribuição de riqueza, ainda que no Brasil sua atuação tenha gerado consequência inversa, por diversos fatores, como por exemplo a regressividade do sistema tributário.

Por outro lado, a cultura democrática admite algumas flexibilizações em respeito à vontade sufragada nas urnas. As instituições republicanas, portanto, apresentam uma tendência a interpretar algumas normas jurídicas conforme a orientação ideológica do governo eleito, no que não for contrário aos parâmetros constitucionais.

O fator político tampouco pode ser ignorado. Políticos dependem de sua popularidade, de modo que nenhuma teoria econômica é sustentável por quatro anos de mandato se o governante não dispuser de credibilidade e os resultados não forem positivos.

Neste sentido, é evidente que qualquer pessoa que seja alçada à condição de líder máxima de uma nação contém uma rede de apoios regionais, nacionais e internacionais e com Jair Bolsonaro não é diferente. Sua política externa está alinhada à cartilha do norte-americano Steve Bannon, em prejuízo dos interesses nacionais. A influência do astrólogo Olavo de Carvalho também é considerável e confere um verniz de desvario à diplomacia brasileira.

Setores importantes da economia, como o agronegócio, se queixam das dificuldades geradas pelo governo no comércio exterior, com sua retórica agressiva e com a liberação excessiva de agrotóxicos. Existem ainda movimentos de países da União Europeia para suspender a comprar de produtos brasileiros que não cumpram as regras internacionais.

Em verdade, a eficiência de propostas como a Medida Provisória 881 é discutível, e não enfrenta grande parte dos problemas vividos no Brasil. O debate econômico contemporâneo é muito mais complexo do que o tamanho da participação do estado na economia, existem variáveis internas ou externas que podem levar governantes a adotarem medidas consideradas protecionistas por economistas ortodoxos, sobretudo em períodos de crise.

Uma das últimas potências europeias ainda governadas pela chamada “direita republicana”, a Alemanha apresentou números preocupantes no segundo trimestre e deve adotar medidas para proteger a economia.

Outros parceiros comerciais importantes como Argentina e Estados Unidos também enfrentam momentos de dificuldade, o que deve ter reflexo sobre as exportações brasileiras.

Diante da elevada incerteza do cenário externo, não há perspectiva também de que o mercado interno possa minimizar os efeitos da crise, sobretudo em função da ausência de atuação do governo para reduzir o desemprego e as desigualdades sociais. Ao contrário, a política econômica do governo Bolsonaro tem o objetivo de aumentar a competitividade dos produtos brasileiros no exterior com a redução de custos com mão-de-obra, o que reduz também o poder aquisitivo do mercado consumidor interno.

Portanto, as medidas econômicas e as declarações do ministro Paulo Guedes parecem alheias aos problemas reais enfrentados pelo Brasil.