Bolsonaro demitiu conselheiros por represália

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Leia o artigo de Marina Amaral, co-diretora da Agência Pública.

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Ao explicar a razão da demissão de quatro dos sete membros da Comissão de Mortos e Desaparecidos, o presidente Bolsonaro, que assinou o decreto junto com a ministra Damares, disse: “O motivo é [que] mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles botavam terrorista lá, ninguém reclamava”.

“Ao que tudo indica, foi represália”, afirmou a procuradora Eugênia Gonzaga, dizendo em alto e bom som o que todos sabiam: a demissão dela e de três de seus colegas veio em consequência do repúdio que o órgão manifestou a respeito da vergonhosa declaração de Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, assassinado pela ditadura conforme a própria comissão havia atestado no dia 24 passado. Felipe Santa Cruz, junto com 12 ex-presidentes da OAB, está interpelando o presidente da República judicialmente para que explique suas declarações de segunda-feira passada sobre seu pai: “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto. Ele não vai querer ouvir a verdade”. Depois, Bolsonaro acrescentaria que Fernando teria sido vítima de seus próprios correligionários “sanguinários”.

Fernando Santa Cruz era um líder estudantil pernambucano que foi preso três dias depois de seu aniversário de 26 anos, em 1974, no Rio de Janeiro. Integrava a Ação Popular (AP), grupo que nunca esteve envolvido na luta armada, ao contrário do que disse o presidente. Também é mentira insultuosa referir-se a “terroristas” na comissão. A procuradora Eugênia Gonzaga trabalha com mortos e desaparecidas desde os anos 1990, e era menina nos anos de chumbo; a dra. Rosa Cardoso da Cunha é jurista e foi advogada de presos políticos e coordenadora da Comissão Nacional da Verdade; o coronel João Batista da Silva Fagundes – sequer se qualifica como ‘de esquerda’ -, e Paulo Pimenta, deputado do PT-RS, era menino em Santa Maria e entrou na política na época das Diretas Já.

As declarações de Bolsonaro, que podem ser enquadrados como crime de responsabilidade, segundo o jurista Gilson Dipp, provocaram o repúdio não apenas da comunidade jurídica e das organizações de direitos humanos. No Congresso, até parlamentares aliados criticaram a postura do presidente da República. O deputado Vinicius Poit, do Partido Novo, foi massacrado nas redes sociais por se manifestar sobre o tema, e apoiadores de Bolsonaro se atiraram como hienas sobre a vítima da ditadura, espalhando mentiras e piadas cruéis também sobre seu filho, o presidente da OAB, que perdeu o pai aos 2 anos de idade.

Os que se definem como “de direita”, mas não compactuam com crimes, devem traçar uma linha clara de separação dos extremistas como o presidente Bolsonaro. Como bem disse o governador do Maranhão, Flávio Dino, ao repórter Vasconcelo Quadros, o perigo da ruptura democrática está exatamente no destemperado presidente e em seus círculos mais próximos. Não é preciso se comportar como um ogro para ser “de direita”.