Bolsonaro é morte: quem grita pelos animais carbonizados?

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Filhote de cobra carbonizado (Izar Aximoff/BBC)

Quando crimes ambientais acontecem, como os de Mariana e de Brumadinho (sim, crimes, e não “tragédias”, como a imprensa adora anunciar), eu sempre penso nos animais. Sempre.

O ser humano desenvolveu uma capacidade bizarra de se achar o centro do universo, a coisa mais importante que existe na Terra. Discordo. Como os dados comprovam, somos a pior praga do planeta. Puro impacto ambiental e maldade. O que difere desse entendimento é só alento às consciências. Nada mais.

Hoje, li uma reportagem sobre os animais que estão morrendo carbonizados na Amazônia brasileira. Quando morrem pessoas, nós fazemos a contagem, estupefatos. Depois a notícia esfria e a gente se espanta com a próxima aberração que a maldade humana é capaz de produzir (repito, nós vivemos sequências sombrias de CRIMES ambientais, que vitimam animais humanos e não humanos).

Banalizamos a vida. Ignoramos por completo as demais formas de vida. Pra ninguém importam milhões de peixes morrendo asfixiados pela lama. Milhares de animais com fome, sem abrigo, machucados, empacados por dias até morrer.

A maioria não se importa com macaquinhos queimando vivos! Isso, macaquinhos, os mesmos que todo mundo acha fofos nas prisões que convencionamos chamar de zoológicos.

Achamos lindos os animais, mas se eles morrem carbonizados, poucos se lembram deles. Afinal, animais são seres de segunda categoria (3a, 4a, 5a…), que muita gente acha que existe só pra SERVIR o ser humano. Gente louca.

Neste momento, enquanto estamos horrorizados com o céu escuro e com as queimadas, muita gente pensa “ainda bem que não houve vítimas”. Hein? Animais carbonizados não são vítimas? E seu habitat? E aqueles que sobrevivem e ficam esfolados vivos, em puro desespero até morrer?

Pois é… É horrível pensar nisso, né? Mas é a vida como ela é, sob o julgo do ser humano.

 

Política da morte

Bolsonaro, esse ser abjeto que tenho IMENSA dificuldade de chamar de presidente, esteve em uma vaquejada recentemente, fez pouco caso dos ativistas pelos direitos dos animais e referendou a liberação da vaqueja, do rodeio e de outras aberrações consideradas “patrimônio cultural”.

Hipócrita, disse que a lei pensa no “bem estar animal”. Sem dúvida, puxar pelo rabo um bezerro, que corre em pânico, e jogá-lo ao chão não é cultura. É sadismo, é pura maldade.

As lutas dos gladiadores na arena até a morte ou jogar pessoas aos leões para entretenimento eram patrimônios culturais também! Por que raios deixamos isso morrer? Oras, se a gente não está nesse mundo lixo pra evoluir, que raios estamos fazendo aqui?

Bolsonaro é morte. É a antítese que qualquer esforço evolutivo. Ele é a morte da floresta, das crianças sem cadeirinha no carro, dos motoristas sem radares, de quem consome comida envenenada, de quem recorre ao SUS sem verbas, da população armada…

Quem ainda não compreendeu isso está mal informado ou é tão perigoso quanto ele. Tenho medo de gente que está em qualquer um desses dois lados. O primeiro, o mal informado, continua defendendo-o e, assim, fortalece o psicopata. O segundo dispensa comentários.

 

Calar não é opção

Eu tenho desejado o melhor para o Brasil, que já teve dias de mais brilho, esperança e paz. Tá difícil. Hoje só se vê sombra, escuridão; o frio dos porões da ditadura. Cabe somente a nós nos manifestarmos, nos indignarmos, conversarmos com as pessoas próximas, dizer NÃO a todo esse horror.

O desmonte das políticas públicas e dos nossos direitos a gente até conseguirá reverter (vai demorar, mas vai dar pra fazer). Mas tem uma coisa que, uma vez perdida, não se recompõe: nossa humanidade. Quando a gente abriu mão dela, nosso futuro é pura sombra e dor.

Eu prefiro ficar aqui, na solidariedade e na empatia com a dor alheia (incluindo a dos animais, pois acho que a minha vida vale NADINHA mais do que a deles), do que ficar no lugar quentinho da ignorância e da alienação.

Quem escolhe isso já morreu por dentro. A alma se carbonizou, junto com a floresta.

 

Meire Cavalcante é jornalista, educadora e co-editora do Blog da Cidadania.

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Veja matéria da FSP:

‘Animais carbonizados e silêncio no lugar do verde e som de pássaros’: biólogo descreve cenário após queimadas

Izar Aximoff diz que viu filhote de jiboia queimado, bicho-preguiça carbonizado, bromélia queimada

BBC NEWS BRASIL

O biólogo Izar Aximoff estudou a recomposição de florestas no Rio de Janeiro após queimadas. Testemunhou áreas verdes se transformarem em pó preto e o rico som das florestas, em silêncio.

“É muito triste ver a floresta totalmente dizimada. Aquele cenário colorido, com flores, sons de animais, pássaros cantando, bichos se movimentando e cheiro de mata dá lugar ao silêncio, a animais carbonizados, a um cheiro de carne queimada, à desolação. Fica tudo preto e você fica sujo com aquele resíduo de carvão”, descreve o biólogo, lembrando-se do que viu, anos atrás, quando uma área que monitorava em seus estudos voltou a sofrer queimadas.

“Eu vi filhote de jiboia queimado, bicho-preguiça carbonizado, bromélia queimada. Dá vontade de chorar. A perda é de valor inestimável. Muito superior ao das multas aplicadas, quando se encontra o culpado, o que é raro”, compara o biológo especialista no tema em áreas de Mata Atlântica, como o Parque Nacional de Itatiaia.

“Espécies ameaçadas acabam não voltando. A cada queimada, a diversidade é perdida”, disse.

Um filhote de cobra carbonizado por um incêndio florestal
Um filhote de cobra carbonizado por um incêndio florestal – Izar Aximoff/BBC

“E muitas áreas de Mata Atlântica, por exemplo, não conseguem se regenerar sozinhas. É preciso um reforço. Temos as melhores cabeças do mundo na área de reflorestamento, mas a demanda é grande demais”, diz o biólogo, lembrando que a situação é também grave em áreas que ganham menos holofotes como o Cerrado e a Caatinga.

A mesma falta de recursos impede um planejamento mais eficaz na prevenção de novas queimadas. O biólogo diz que, no nível federal, o acompanhamento dos incidentes é melhor do que no estadual e municipal.

“A prevenção é muito mais barata. Mas não há planejamento também por falta de dados. Os gastos após os incêndios são muito maiores. Você tem uso de aeronaves, equipes, sem contar o risco de morte a que esses profissionais estão expostos”, acrescentou.

TATU BEBE ÁGUA

O problema é histórico, mas dados indicam que houve um aumento de queimadas neste ano. O Mato Grosso é o estado mais afetado.

Nas redes sociais, uma imagem de um sargento do Corpo de Bombeiros dando água a um tatu, durante um incêndio, se tornou exemplo das consequências trazidas pelas queimadas aos animais, um impacto nem sempre destacado quando o assunto é o desmatamento.

Na fotografia, o sargento Pedro Ribas Alves é o responsável por dar água ao animal. Ele trabalha na área de perícia de incêndios florestais no interior de Mato Grosso e costuma chegar às regiões afetadas pelo após as chamas serem controladas. “Minha função é fazer um levantamento da área degradada, procurar a origem do incêndio e informar dados para embasar a Delegacia do Meio Ambiente”, conta à BBC News Brasil.

Bombeiro dá água a tatu no Mato Grosso
Bombeiro dá água a tatu no Mato Grosso – Corpo de Bombeiros do MT

“Eu também faço levantamento das presenças de animais na região, para relatar em meu laudo, com o objetivo de mostrar, além da degradação do meio ambiente, como isso afeta a fauna da região”, explica.

No último sábado (17), ele trabalhou em uma propriedade rural de Nova Mutum (a 269 km de Cuiabá), que havia sido tomada por um incêndio que atingiu 772 hectares da fazenda. “O fogo foi causado por problemas na rede elétrica. Uma empresa foi fazer manutenção, ligou a energia, mas a fiação caiu e um cabo deu início à queimada”, relata.

Após fazer análise do local, ele estava saindo da propriedade rural em uma viatura do Corpo de Bombeiros, junto com o colega de profissão, quando avistou o tatu fugindo do incêndio.

“Ele estava andando vagarosamente na área degradada e eu resolvi descer. Já tinha visto alguém dando água para o tatu em uma garrafa térmica no Youtube. Peguei o tatu, que não ofereceu resistência, e ofereci água da minha bolsa de hidratação”, detalha.

“Quando ele percebeu a água, quis tomar e chupar a ponta do cano, mas não tinha forças e também ia acabar sujando o cano. Então, pedi um copo colega e dei água para o tatu”, completa.

O colega que acompanhava o sargento foi o responsável por registrar o momento. “Quando ele me viu ajudando o tatu, logo começou a tirar as fotos”, diz. Alves confessa que se assustou com a repercussão da imagem. “Quando vi, estava correndo o mundo.”