Contratados dos Bolsonaro já receberam R$ 65 milhões

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Foto: reprodução

Jair Bolsonaro tomou posse como deputado federal em fevereiro de 1991. Até janeiro último, quando assumiu a Presidência da República, passaram-se 28 anos e sete mandatos. Nessas três décadas de vida pública, conseguiu colocar seus três filhos mais velhos no mesmo caminho. Primeiro Carlos, vereador desde 2001, depois Flávio, deputado a partir de 2003 e agora senador, e, por fim, Eduardo, deputado federal desde 2015. Os quatro trabalharam sempre em sincronia, compartilhando pautas e assessores.

A atuação conjunta fica evidente a partir de um mapeamento de dados feito por ÉPOCA e pelo jornal O Globo — com base em Diários Oficiais e na Lei de Acesso à Informação — que pesquisou todos os assessores parlamentares da família Bolsonaro desde 1991. O levantamento sobre as 286 pessoas nomeadas nos gabinetes mostrou — a partir de um cruzamento de informações de redes sociais e bancos de dados públicos e privados — que 102 delas têm algum parentesco ou alguma relação entre si. Elas integram 32 famílias diferentes.

De acordo com as folhas salariais das casas legislativas, esse grupo, que representa um terço do total de funcionários parlamentares da família, recebeu em salários brutos corrigidos pela inflação um montante equivalente a R$ 65,2 milhões dos R$ 105,1 milhões pagos ao total de funcionários. Para chegar a esses valores, a reportagem levantou a trajetória funcional de cada um deles e descobriu quanto receberam em cada cargo pelo qual passaram no período. As quantias foram corrigidas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), um dos indicadores oficiais de inflação. Depois de um mês de apuração, a reportagem conseguiu calcular os montantes recebidos por todos os 286 assessores do clã Bolsonaro.

FAMÍLIA BOLSONARO: R$ 21,1 MILHÕES

Em maior quantidade nos gabinetes, a família de Bolsonaro foi a que recebeu o maior valor em salários. Desde 1991, 22 parentes das duas primeiras mulheres do atual presidente tiveram cargos comissionados em seu mandato ou no dos filhos. Esse grupo obteve vencimentos brutos que totalizam R$ 21,1 milhões. Ou seja, de cada R$ 10 pagos em salários aos funcionários, R$ 2 entravam na conta de algum parente do clã.

Um dos primeiros parentes que Bolsonaro nomeou na vida pública foi seu primeiro sogro, João Garcia Braga, ou Seu Jó, o pai de Rogéria Nantes Braga, mãe de seus três filhos mais velhos. Ele constou como seu assessor entre fevereiro e novembro de 1991. Depois da Câmara dos Deputados, Braga também foi nomeado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro por Flávio Bolsonaro, seu neto, em 2003. Constou como servidor até 2007.

Químico aposentado, o avô de Flávio nunca teve crachá de identificação funcional da Alerj e mora com a mulher na mesma ampla casa amarela no bairro Vila Julieta, em Resende, no sul fluminense, desde os anos 80. O casal está entre os 32 membros que fundaram a Igreja Batista Central na cidade, em 1967, templo que funciona até hoje no mesmo local.

ÉPOCA encontrou Braga em Resende quando ele estava saindo de casa, mas, logo após a reportagem se identificar, arrancou com o carro. Procurado por telefone, também não quis falar com a reportagem. Os vizinhos contaram que ele gosta de viajar e pescar, mas nunca ouviram falar que trabalhasse na Alerj. Quando chega o período eleitoral de campanha, ele faz propaganda para os netos e o ex-genro Jair Bolsonaro. Na Alerj, o avô de Flávio teve salários brutos que somam R$ 483 mil, em cifras atualizadas.

Quando Bolsonaro se separou de Rogéria Braga e passou a viver com Ana Cristina Siqueira Valle, em 1998, os pais de Ana Cristina, José Procópio Valle e Henriqueta Siqueira Valle, também se tornaram seus assessores na Câmara. Junto vieram diversos outros integrantes da família Siqueira Valle, para ocupar postos tanto no gabinete do hoje presidente como no de seus filhos Carlos e Flávio. Como ÉPOCA já havia revelado, eles sempre viveram em Resende . Vizinhos e conhecidos dizem desconhecer qualquer atuação deles como assessores parlamentares.

A história de Andrea Siqueira Valle, irmã de Ana Cristina e ex-cunhada de Bolsonaro, é o ponto mais extremo da curva. Fisiculturista, ela mantinha uma rotina de malhação de duas a três vezes por dia na academia Physical Form. Nos intervalos, atuava como faxineira em residências e vivia em uma casa construída no fundo do terreno onde moram seus pais. Entre os gabinetes de Jair, Carlos e Flávio, Andrea somou 20 anos de cargos comissionados e recebeu em salário bruto R$ 2,1 milhões, em valor corrigido pela inflação. Procurada em sua quitinete em Guarapari, no Espírito Santo, Andrea disse, em junho, que não tinha nada a declarar. Mas seguia trabalhando como faxineira e com grandes dificuldades financeiras. “Ela também me ajudou com faxina na academia. Ela faz esse tipo de serviço aqui na academia”, contou Renata Mendes, dona da nova academia que Andrea frequentava no Espírito Santo.

A lista dos parentes de Bolsonaro inclui ainda Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Léo Índio, sobrinho do presidente que foi funcionário de Flávio Bolsonaro na Alerj de 2006 a 2012. Só ele obteve um total bruto atualizado de R$ 697 mil pelo tempo que constou como assessor do primo.

Devido à investigação do Ministério Público do Rio (MPRJ) sobre Fabrício Queiroz e a possível “rachadinha”, como é chamada a devolução ilegal de salários, os sigilos fiscal e bancário de dez parentes de Ana Cristina Valle, Léo Índio e João Garcia Braga foram quebrados com autorização judicial. Todos são alvo da investigação do MPRJ que aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) depois de uma liminar do presidente da Corte, Dias Toffoli, em resposta a um pedido de Flávio, suspender investigações baseadas em compartilhamento de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sem autorização judicial prévia.

FAMÍLIA QUEIROZ: R$ 4,4 MILHÕES

Entre as famílias que mais receberam recursos também estão justamente os Queiroz. Além de Fabrício Queiroz, ex-chefe da segurança de Flávio Bolsonaro , outras sete pessoas com algum tipo de parentesco com Queiroz foram nomeadas no gabinete do filho mais velho do presidente. Em salários brutos, desde 2006 até o ano passado, eles receberam um total atualizado de R$ 4,4 milhões, corrigido pela inflação.

FAMÍLIA OLIVEIRA: R$ 5,6 MILHÕES

Outra família que consta há quase duas décadas na assessoria do presidente é a do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Antonio de Oliveira Francisco. Jorge Francisco, pai do ministro, foi assessor de Bolsonaro de 2001 até o ano passado, quando morreu. Marília Francisco, mãe do ministro, constou nomeada de 2003 a 2015, e o próprio Jorge Antonio foi assessor de Jair Bolsonaro até 2015, quando passou a ser chefe de gabinete de Eduardo Bolsonaro. Ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro, Márcia Salgado de Oliveira, irmã de Marília e tia do ministro, também conseguiu uma nomeação na Alerj no gabinete de Flávio. Ao todo, os quatro integrantes da família obtiveram em vencimentos atualizados brutos R$ 5,6 milhões.

Não há, porém, registro de que a tia do ministro tenha, efetivamente, trabalhado como assessora parlamentar. Moradora de um condomínio de classe média em Mesquita, na Baixada Fluminense, ela permaneceu, no papel, funcionária de 2003 até janeiro deste ano. Ao todo, recebeu em salários brutos corrigidos R$ 1,1 milhão. Ela nem sequer se declarava assessora parlamentar. Em um processo no qual acionou na Justiça uma empresa de telefonia em 2014, Márcia forneceu uma procuração escrita de próprio punho para seu advogado em que informava que sua profissão era “do lar”. Procurada, recusou-se a receber a reportagem. Funcionários do local confirmaram que ela é dona de casa e que sua família mora no lugar há bastante tempo.

O PROCESSO

Procurada por telefone, Márcia se esquivou. Questionada sobre se trabalhou na Alerj, disse que não. Quando a reportagem insistiu, citando seu nome completo e perguntando se ela trabalhou para Flávio, disse: “Não, meu amor, você ligou para a pessoa errada”. Em seguida, desligou o telefone e tirou sua foto do aplicativo WhatsApp, no qual era possível identificar que o número lhe pertencia.

Em sua página pessoal do Facebook, é possível verificar a proximidade que Márcia e sua família, incluindo os pais do ministro, tinham com Fabrício Queiroz, o ex-chefe da segurança de Flávio. Queiroz e a mulher surgem em fotos que ilustram churrascos e festas de família.

FAMÍLIA CRUZ: R$ 1,7 MILHÃO

Além do presidente e de Flávio, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) também tinha como prática nomear os parentes de seus assessores. Desde o início das investigações sobre os funcionários de Flávio em dezembro, os problemas envolvendo os assessores de Carlos também começaram a surgir.

No bairro Imperador, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a reportagem procurou por Andrea da Cruz Martins, que constou como funcionária de Carlos na Câmara Municipal do Rio entre agosto de 2005 e fevereiro deste ano. Ao longo destes 14 anos, ela recebeu R$ 1,7 milhão em salário bruto corrigido pela inflação. Só que, em novembro de 2013, quando deu entrada nos papéis para seu casamento no cartório de Nova Iguaçu, Andrea identificou-se como “babá”.

NO CARTÓRIO

No local, uma casa simples e com uma pintura antiga em tom rosado, mora Diva da Cruz Martins, mãe de Andrea e outra ex-assessora de Carlos entre fevereiro de 2003 e agosto de 2005. Diva Martins obteve R$ 274 mil em vencimentos brutos da Câmara de Vereadores. Junto ao portão de ferro da casa, Diva conversou com a reportagem e disse que Andrea morou com ela, mas se mudou. “Ah não sei (para onde Andrea foi)”, afirmou. “Ela trabalhou (na Câmara) há muitos anos. Já saiu há muito tempo”, completou.

Questionada sobre se trabalhou na Câmara Municipal, Diva negou. “Não (trabalhei). Nunca.” Ao ser informada de que seu nome constava entre os assessores parlamentares, ironizou. “Que bom que aparece (o nome)”, finalizou, e deu as costas retornando para dentro da casa. Vivian Marques, vizinha de Diva, contou que a aposentada é dona de casa e que morava com a filha Andrea até ela se casar, há uns cinco anos. “Ela casou. Vem aqui de vez em quando, muito raro. Ela tomava conta de criança”, disse.

FAMÍLIA BARBOSA GÓES: R$ 5,5 MILHÕES

Em Santa Cruz, bairro da Zona Oeste do Rio, vive outra família que lidera o ranking de parentes nomeados e de valores recebidos no gabinete da família Bolsonaro. Lá moram Edir e Neula Góes. Ela constou como assessora de Carlos de 2001 até fevereiro deste ano. Ele está nomeado desde 2008. Os dois filhos, Rafael e Rodrigo, além de Nadir, irmã de Edir, haviam sido nomeados por Carlos anteriormente.

Quem os conhece, porém, nunca ouviu falar do emprego. Nem o ex-sócio de Edir sabia. Sergio Fernandes da Silva, que participou de uma empresa de hortifrúti com ele, aberta em 2003, disse desconhecer o trabalho na Câmara. Segundo a Receita Federal, a empresa de ambos foi baixada em 2016, quando Edir já estava nomeado no gabinete de Carlos. Apesar do desconhecimento geral, a família Góes recebeu um total de R$ 5,5 milhões em salários pela Câmara Municipal nos últimos 20 anos.

Edir é subtenente da reserva do Exército e no dia 17 de julho, embora fosse uma quarta-feira de expediente normal na Câmara, ele estava em viagem pelo Nordeste, segundo informou seu filho. Sua mulher, Neula, atendeu à reportagem rapidamente no portão de casa e limitou-se a dizer que não poderia falar porque tinha uma consulta médica no horário. Ele já obteve vencimentos brutos da Câmara num total atualizado de R$ 1,7 milhão — Neula, de R$ 1,4 milhão.

OSCILAÇÃO DE SALÁRIOS

A distribuição de salários nos gabinetes da família Bolsonaro segue uma lógica peculiar. Segundo constatou a reportagem, é normal a oscilação de salários. Entre os funcionários do clã, os vencimentos de 61 foram reduzidos repentinamente, em alguns casos para menos da metade do valor anterior, em razão da troca de cargos.

Nathália Queiroz, filha de Fabrício Queiroz, é um exemplo dessa prática nos gabinetes da família Bolsonaro. Ela atuou na Alerj entre 2007 e 2016. Em abril de 2011, o salário da assessora parlamentar reduziu-se em 53%, quando passou de R$ 4.729,97 para R$ 2.195,60, vencimentos em outro cargo. Quatro meses depois, em agosto do mesmo ano, trocou mais uma vez de função e sua remuneração triplicou, para R$ 7.684,74 mensais.

Isso ocorre porque cabe ao parlamentar administrar os salários como quiser, de acordo com a verba destinada mensalmente, o que possibilita, na prática, alterar a distribuição dos salários entre os funcionários de gabinete — os cargos comissionados não seguem as regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que proíbe reduções salariais. A administração de cargos comissionados é ponto-chave da investigação do MPRJ, que apontou indícios da prática de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro.

Procurado, o Palácio do Planalto disse que não comentaria as informações da reportagem. O senador Flávio Bolsonaro, por meio de seu advogado, afirmou que “os números apresentados não significam nada, fazem parte de um esforço para difamar e caluniar a família Bolsonaro. Somar os salários de 100 pessoas por um longo período é no mínimo um cálculo absurdo e que pode levar o leitor ao erro. Informações baseadas em supostas fofocas de vizinhos, sobre fatos que teriam ocorrido há 20 anos, beiram à fantasia e à ficção”.

A nota afirma que “tudo ocorreu dentro da lei. Todas as pessoas nomeadas no período eram qualificadas para as funções que exerciam. Elas trabalharam em diferentes áreas, mas sempre em prol do mandato, tanto que as votações enquanto deputado estadual foram crescentes. A contratação desses profissionais seguiu estritamente todas as regras” da Alerj. O texto diz ainda que “os cargos comissionados da Alerj são de duas naturezas: técnica (com o profissional no gabinete) e de natureza política (com o profissional na base eleitoral). A confecção e o uso de crachá não eram obrigatórios, já que o funcionário pode atuar apenas na base, sem a necessidade de ir para o gabinete.”

Carlos e Eduardo Bolsonaro não responderam aos questionamentos. O ministro Jorge Oliveira informou, por nota, que “seus familiares exerceram atividades nos gabinetes parlamentares citados dentro da legalidade”.